segunda-feira, outubro 01, 2007

Nada como um traseiro volumoso para compensar um grande pescoço

Imaginem uma criatura semelhante a um lagarto ao qual esticassem de tal forma o pescoço que parecesse ter uma cana de pesca enfiada na garganta. Esse animal existiu mesmo, e o seu nome era Tanystropheus longobardicus. Era um bicho grandinho, com cerca de 6 metros de comprimento, mais de metade do qual correspondia a um pescoço pouco flexível, sustentado por costelas cervicais. Vários tipos de evidência sugeriam que o animal viveria em ambientes de tipo aquático, contudo não mostrava grandes adaptações ao nível dos membros e cauda para uma vida dentro de água. Isso levou alguns autores a sugerirem que seriam animais essencialmente terrestes e que utilizariam os enormes pescoços como uma espécie de cana de pesca. Um pescoço deste tamanho, num animal terrestre, colocava no entanto alguns problemas. Segundo algumas reconstruções, se o pescoço estivesse esticado o centro de massa do animal estaria tão à frente que perderia o equilíbrio sempre que movimentasse o pescoço. O que essas reconstruções não levavam em consideração era o grande volume da porção traseira do animal. [...ler mais]

O avantajado traseiro do Tanystropheus foi descoberto por Silvio Renesto, que descreve a descoberta na Rivista Italiana di Paleontologia e Stratigrafia (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Descreve-se um novo exemplar do réptil diápsido Tanystropheus. O exemplar foi recolhido na localidade de Valle Serrata (Suiça) e é da idade do Ladiniano (Triásico Médio). O seu estudo permite esclarecer alguns detalhes referentes à anatomia do Tanystropheus, e permite formular hipóteses quanto ao seu modo de vida. Em particular, o exemplar é o primeiro em que a pele e outros tecidos moles podem ser descritos. Em particular, foram preservadas grandes extensões de material fosfático escuro, preenchidos com pequenas esférulas de carbonato, devido à decomposição de uma quantidade consistente de proteínas. tal como ocorre em corpos que jazem em água estagnada. Isto sugere que uma grande massa de carne se encontrava na parte caudal do corpo, deslocando o centro de massa do animal para trás e ajudando a contrabalançar o peso do pescoço mesmo se levantado acima do plano horizontal e fora de água. Para além disso, não se encontrou presença de autotomia caudal no Tanystropheus e a estrutura da cauda e dos membros são consistentes com um ambiente costeiro em vez de um modo de vida completamente aquático.

Toda aquela massa traseira tem consequências óbvias a nível biomecânico. O Tanystropheus teria músculos poderosos nos membros posteriores, e aquele peso colocaria o centro de massa do animal numa posição que asseguraria a estabilidade quando movimentasse o pescoço para agarrar as suas presas. A última frase contradiz algo que surgiu num programa televisivo. Numa série da BBC, "Sea Monsters", aparece uma cena em que Nigel Marvin surge sorrateiramente a nadar por trás de um Tanystropheus, em pleno oceano, e o agarra pela cauda, que se parte e se fica a agitar como a cauda de uma osga. A última frase do resumo, sobre a autotomia caudal indica que isso não seria possível. Para lá das esférulas que mostram a existência de um traseiro generoso, Sílvio Renesto descreve também vestígios da pele. O Tanystropheus possuía um padrão de escamas subrectangulares não sobrepostas.

O Tanystropheus foi uma criatura relativamente bem sucedida, cujos fósseis são frequentes. Embora pareça um lagarto estava apenas vagamente aparentado com os lagartos modernos. Pertencia a um grupo de criaturas chamadas protorossauros ou prolacertiformes. Trata-se de um grupo que partilha um antepassado comum mais recente com os arcossauros (aves e crocodilos) do que com os lepidossauros (cobras e lagartos). Que estiver interessado em saber mais sobre estes animais pode encontrar mais informação nas páginas de Silvio Renesto.

Os Tanystropheus são criaturas interessantes mas a razão que me leva a falar deles hoje tem que ver com a descoberta recente de um outro animal semelhante a um lagarto com pescoço comprido. Só que este outro lagarto pescoçudo teria um traseiro mais levezinho. É que esse bicho voava. Falarei dele na próxima contribuição.

Ficha técnica
Imagem cortesia de Arthur Weasley, a partir desta página da Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Renesto, S. (2005) A new specimen of Tanystropheus (Reptilia Protorosauria) from the Middle Triassic of Switzerland and the ecology of the genus. Rivista Italiana di Paleontologia e Stratigrafia vol. 111, no. 3, 377–394.

2 comentários:

João Carlos disse...

Li, algures, que os grandes sáurios de pescoço longo e cabeças diminutas teriam um "sub-cérebro" subsidiário, próximo aos membro traseiros, somente para cuidar das diversas funções automáticas dessa área do corpo. Isto é facto ou mera especulação?

Caio de Gaia disse...

Não é facto. Alguns dinossauros, como os estegossauros possuiam um alargamento na região do sacro que era maior que o cérebro. Seria em parte ocupado por um gânglio nervoso (mas não um cérebro) mas de qualquer modo é provável que a maior parte fosse ocupada por tecido adiposo e reservas de glicogénio (tal como acontece por exemplo nas avestruzes).

Há algum trabalho de Emily Giffen a esse respeito. Talvez eu devesse falar nisso.