segunda-feira, março 24, 2008

Se publicar não beba

O tempo aqui nas montanhas do sul da Índia tem estado péssimo, com chuva quase contínua e algumas trovoadas impressionantes. Uma dessas trovoadas fulminou a minha ligação à internet, daí o meu silêncio nas últimas semanas. Para celebrar o regresso ao blog nada melhor do que referir que encontrei um sério candidato a prémio IgNobel. Imaginem lá que alguém dedicou o seu tempo a medir a correlação entre consumo de cerveja e produtividade científica. [... ler mais]

O artigo que estuda a relação entre a cerveja e a ciência é da autoria de Tomás Grim e foi publicado na revista Oikos (ref1). Numa tradução livre do resumo:

A taxa de publicações é o padrão pelo qual se avalia a produtividade científica. Apesar de um grande número de artigos sobre o tema dos enviesamentos nas publicações e citações, nenhum estudo até agora considerou um possível efeito das actividades sociais na taxa de publicações. Uma das actividades sociais mais frequentes no mundo é beber álcool. Na Europa, a maior parte do álcool é consumida como cerveja e, baseado nos efeitos negativos do consumo de álcool no desempenho cognitivo, previ correlações negativas entre o consumo de cerveja e diversas medidas do desempenho científico. Utilizando um levantamento da República Checa, que possui a taxa de consumo de cerveja per capita mais elevada do mundo, mostro que um maior consumo de cerveja per capita está associada a menores números de artigos, citações totais, e citações por artigo (uma medida da qualidade dos artigos). Além disso, encontrei as mesmas tendências previstas comparando duas regiões separadas geograficamente na República Checa, que também se sabe diferirem nas taxas de consumo de cerveja. Estas correlações são consistentes com a possibilidade de que actividades sociais nos tempos livres possam influenciar a qualidade e a quantidade do trabalho científico e possam ser potenciais fontes de enviesamento nas publicações e citações.

A escolha do país é algo suspeita. Quem já tenha passado uns tempos com checos, sabe bem que o que eles consideram reduzido consumo de cerveja seria considerado consumo excessivo na maioria dos outros locais do mundo. De qualquer forma, há só uma maneira de destruir esta correlação e vou começar já, indo até à povoação mais próxima pedir uma kingfisher gelada.

Ficha técnica
Imagem cortesia de John White via Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Tomás Grim (2008). A possible role of social activity to explain differences in publication output among ecologists. Oikos 117 (4) , 484-487. doi:10.1111/j.0030-1299.2008.16551.x

sexta-feira, março 07, 2008

Querido, esquece as prendas, faz-te é de morto

Esta é uma aranha-lobo, da espécie Pisaura mirabilis. Trata-se de uma fêmea que, no comportamento característico da espécie, carrega um enorme casulo cheio dos seus ovos. Para chegar a esta situação a fêmea teve que acasalar com pelo menos um macho. Ora nesta, com em muitas outras espécies de aranhas, isso significa que o macho corre o risco de, em vez de um encontro amoroso, ser convidado para o jantar, só que como refeição. Os machos da espécie desenvolveram formas de minimizar os riscos, oferecendo como prendas às fêmeas animais envoltos em fios de seda. Outro dos comportamentos observados nos machos face às fêmeas é fingirem-se de mortos. Esse é um comportamento visto noutras espécies na natureza, quando face a predadores. Os cientistas questionavam-se, contudo, se não existiria algo mais por trás deste fingir de morto, algo cujo contexto fosse essencialmente sexual. Medo ou sedução? [... ler mais]

O estudo que trata das preferências amorosas destas aranhas é da autoria de Line Hansena e colegas e foi publicado na revista Behavioral Ecology (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Os machos e as fêmeas enfrentam muitas vezes óptimos diferentes na taxa de acasalamento, o que pode causar a evolução da resistência das fêmeas ao acasalamento, e a contra-adaptações nos machos para aumentarem a taxa de acasalamento. Os machos da aranha Pisaura mirabilis possuem um comportamento de acasalamento espectacular que envolve uma prenda nupcial e tanatose (fingimento da morte). A tanatose num contexto sexual é algo de excepcional e foi sugerido que funcionaria como uma estratégia antipredação face a fêmeas potencialmente canibalísticas. Se a tanatose serve como uma estratégia de protecção, os machos deviam fingir a morte em resposta à agressão das fêmeas ou quando estivessem mais vulneráveis a um ataque.

Como é costume estas coisas envolvem uma ablaçãozita:
Testámos estas previsões envolvendo vários factores: machos que foram diminuídos (removeu-se uma pata), e logo vulneráveis, e machos de controlo, foram emparelhados com fêmeas, que eram mais ou menos intrinsecamente agressivas (mediu-se em relação às presas). Nas tentativas de acasalamento, registámos a tendência dos machos para fingirem a morte, o sucesso na cópula, e a duração da cópula. Além disso, investigámos o efeito do estado de acasalamento das fêmeas (virgens ou já tendo acasalado) nessas componentes do acasalamento dos machos. As fêmeas intrinsecamente agressivas mostraram maior agressividade em relação aos machos.

Portanto, os autores conseguiram arranjar todas a condições para o teste: machos mais ou menos vulneráveis, fêmeas mais ou menos agressivas. Os resultados?
Nem a agressividade das fêmeas, nem o seu estado de acasalamento, nem a vulnerabilidade dos machos aumentaram a propensão dos machos para efectuar a tanatose. Em vez disso, os machos que fingiam a morte tinham maior sucesso na obtenção de cópulas e ganhavam acesso a cópulas mais longas. Logo, os nossos resultados sugerem que a tanatose funciona como uma estratégia adaptativa dos machos para ultrapassar a resistência das fêmeas. Todos os machos foram capazes de efectuar a tanatose embora alguns machos a usem de forma mais frequente que outros, sugerindo um custo no fingimento da morte que mantém a variação da tanatose durante a corte.

O sucesso para uma boa vida amorosa por parte dos machos é fingir-se de morto. Pelo menos na Pisaura mirabilis.

Ficha técnica
Imagem cortesia de Katarina Paunovic via Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Line Spinner Hansena, Sofia Fernandez Gonzalesa, Søren Tofta and Trine Bilde (2008). Thanatosis as an adaptive male mating strategy in the nuptial gift–giving spider Pisaura mirabilis. Behavioral Ecology. doi:10.1093/beheco/arm165.

quinta-feira, março 06, 2008

Os fãs indianos do Paulo Bento

Mostrava a um amigo meu as centenas de fotografias de macacos que tirei no Sul da Índia, no estado de Tamil-Nadu, quando ao ver esta ele se saiu com «Epá tens que mandar isto ao Cabelinho à Paulo Bento.» De facto, ele não deixa de ter uma certa razão, só que o blogue em questão fechou as portas em Junho do ano passado. Confesso que nunca percebi a embirração com o penteado do homem, pelo que não podia deixar de mostrar ao mundo que o penteado do actual treinador do Sporting Clube de Portugal é ostentado, com orgulho, por milhões de criaturas. Sendo assim, numa singela homenagem minha ao treinador dos lagartos, que hoje obteve um excelente resultado frente ao Bolton, seguem-se mais umas quantas imagens de tão sublime arranjo capilar. [... ler mais]

Eis aqui a versão pensadora:


Deve dizer-se que o penteado dos machos tem sucesso com as fêmeas:


A que não será alheio o facto de elas apresentarem o mesmo tipo de risco ao meio.

De pequenino é que se torce o pepino, e mesmo os macaquitos de palmo e meio (literalmente) não escapam à moda:


Gostei particularmente deste pequenito pois, ao contrário da maioria dos congéneres que encontrei nas zonas mais turísticas, ele procurava com afinco o seu sustento na vegetação local:


O bichinho merece mais uma:


A maioria destes macacos preferia no entanto pedinchar comida aos turistas:


Aliás chegavam muitas vezes a roubá-la das mãos das crianças. A cena habitual, nos locais onde estes animais interagem com os humanos, são os miúdos agarrados às pernas dos pais e com um pau na mão, a gritarem com medo cada vez que um macaco se aproxima.

Tenho centenas de fotos destes bicharocos, mas acho que estas já chegam.

Ficha técnica
Imagens tiradas por mim em Novembro de 2007 no estado indiano de Tamil-Nadu, na zona de Kodaikanal. Podem ser usadas livremente.