sexta-feira, março 31, 2006

Baratas, os insectos democratas

A criatura para hoje é um dos mais fiéis, se bem que indesejados, companheiros da humanidade, a humilde barata. As baratas são animais gregários que vivem em pequenos grupos e que retiram um certo número de benefícios dessa vida comunal: aumentam o seu sucesso reprodutivo, podem partilhar recursos alimentares, e ao juntarem os seus corpitos previnem a desidratação em ambientes mais secos. Ora, tal como muitas das pessoas que votam um ódio de morte a estas criaturas pensavam, as baratas comunicam entre si, e decidem o que fazer em conjunto. O mais curioso é que as baratas ao decidirem o que fazer como grupo são democratas exemplares. [... ler mais]

Num artigo recente nos Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1), Jean-Marc Amé e colegas resolveram testar o modo como as baratas da espécie Blattella germanica decidem o que fazer aquando da escolha de um esconderijo. Numa tradução livre do resumo:

Animais que vivem em grupo são muitas vezes confrontados com a escolha entre um ou mais locais com recursos. Uma questão fulcral nesse processo de decisão colectivo inclui a escolha de quais os indivíduos que influenciam a escolha e quando o fazem.

O que os autores fizeram foi algo engenhoso e de uma simplicidade extrema. Colocaram os insectos num prato com três abrigos e verificaram como os animais se dividiam pelos abrigos. A troca de informação entre as baratas é feita através de estímulos químicos e tactéis entre as antenas de indivíduos do grupo. O processo de decisão começava sempre com a "consulta" demorada entre os vários indivíduos, através de toques entre antenas, e nas repetições efectuadas conduziu sempre a resultados em tudo semelhantes. As baratas dividiam-se sempre igualmente entre os abrigos. Por exemplo, 50 baratas frente a três abrigos, que podiam levar 40 baratas cada um, ocupavam apenas dois dos abrigos, com cerca de 25 baratas em cada um, enquanto o terceiro abrigo ficava vazio. Os autores do estudo colocaram em seguida os insectos num prato com 3 abrigos que pudessem levar mais de 50 baratas cada. Nesse caso os insectos iam todos para o mesmo. Voltando ao resumo, e à forma como os autores interpretam os resultados:
Este estudo teórico e experimental da escolha de abrigo entre grupos de baratas mostra que as escolhas podem resultar da dinâmica entre interações não lineares entre indivíduos iguais sem um conhecimento perfeito da liderança.

Esta parte é importante, nos grupos de baratas não havia um chefe, as baratas não eram coagidas a seguir nenhuma outra barata, a escolha era feita entre iguais, isto é, era "democrática". É importante notar que a interação social entre as baratas é de certa forma automática, o processo de tomada de decisão não é consciente.
Identificamos um mecanismo simples através do qual se atinge uma decisão imediata com troca de informação limitada e sem comparar as possibilidades disponíveis. Este mecanismo leva a um nível de benefício médio óptimo para o grupo de indivíduos.

As baratas beneficiam em ter um grupo grande, e daí que se possível se mantenham todas agrupadas. No entanto, quando isso não era possível, optavam pela solução que colocava todos os indivíduos do grupo em igualdade. Se optassem por ficar 40 num local e 10 no outro, as baratas do grupo menor ficariam em desvantagem. A escolha feita pelas baratas, de forma inata, tende a optimizar o benefício médio: todos os indivíduos são igualmente beneficiados, e o benefício que têm é o máximo que se pode ter em condições de igualdade. Os autores terminam notando que:
O nosso modelo sugere um processo colectivo genérico auto-organizativo de tomada de decisão independente da espécie animal.
Ou seja, o mesmo tipo mecanismo pode servir para outros animais como formigas, aranhas e peixes. Talvez até mesmo vacas e ovelhas pois muitas decisões nas manadas ou rebanhos não involvem nenhum tipo de liderança.

Não deixa de ser interessante notar que este tipo de solução não exige raciocínio, e as baratas chegam lá apenas com uns toques de antenas. As baratas são naturalmente cooperativas. Portanto já sabe, da próxima vez que perseguir uma barata com um chinelo ou com um jornal enrolado está a querer matar um pequeno democrata.

Ficha técnica
Imagem da barata no início da contribuição cortesia de João Estevão de Freitas.

Referências
(ref1) Jean-Marc Amé, José Halloy, Colette Rivault, Claire Detrain e Jean Louis Deneubourg (2006). Ecology Collegial decision making based on social amplification leads to optimal group formation. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, Laço DOI.

sexta-feira, março 24, 2006

Tambora, a Pompeia do Oriente

Não sei porquê mas hoje sinto-me tentado a voltar a falar nos vulcões. Depois do perigo que espreita na América, e dos vestígios de uma grande erupção em Itália, hoje o tema é a ilha de Sumbawa, uma das muitas ilhas da Indonésia, no sudoeste asiático. Esta região do globo alberga um grande número de vulcões que originaram erupções realmente gigantescas. A maior erupção, desde que há seres humanos na Terra, terá sido há cerca de 75,000 anos em Lake Toba, na ilha de Samatra. A ilha de Sumbawa foi palco de uma erupção substancialmente menor, mas que foi mesmo assim a maior erupção da qual há registos escritos. Ocorreu de 10 a 15 de Abril de 1815 no Monte Tambora. [... ler mais]

Eis o tal monte tal como é visto em imagens de satélite:

O Monte Tambora do alto dos seus 2850 metros parece imponente mas antes da erupção chegava a 4200 metros de altitude. Estima-se que o vulcão tenha largado qualquer coisa como 100 km cúbicos de materais piroclásticos, com um peso em kg que andaria à volta de um 2 ou de um 3 seguido de 14 zeros. A coluna de cinza e gases vulcânicos que se ergueu como resultado teria qualquer coisa coisa com 43 km de altura. A caldeira de 1250 metros de profundidade evoca ainda a violência desse passado não muito distante.

Os efeitos da erupção foram sentidos à escala planetária, tendo o ano de 1816 ficado conhecido como "o ano sem verão". A cinza permaneceu durante alguns anos na estratosfera (onde não é lavada pela chuva) e originou durante esse tempo pôres-do-sol de cor esverdeada. Estima-se que nessa erupção tenham morrido cerca de 117,000 pessoas. Na ilha de Sumbawa ficava o pequeno reino de Tambora, que desapareceu sob as cinzas do vulcão.

A capital desse reino foi encontrada recentemente, e o texto que se segue é compilado a partir dos relatos de uma expedição chefiada por Haraldur Sigurdsson da Universidade da Rhode Island's Graduate School of Oceanography, e colegas da Universidade da Carolina do Norte, e do Directorado Indonésio de Vulcanologia. Baseia-se no comunicado de imprensa da URI. Eu em geral tento mostrar sempre excertos publicados em revistas que foram sujeitas a revisão científica e evitar comunicados de imprensa, porque em geral o que aparece na imprensa é sempre muito mais excitante (e especulativo) do que aquilo que se pode ler nos artigos. No entanto neste caso o comunicado é até bastante sóbrio.

Encontrar a cidade perdida não foi tão fácil como parece. Para se protegerem dos ataques do piratas a cidade ficava alguns km para o interior e ficou completamente soterrada por uma camada de cerca de três metros de cinza e pedra pomes. A imagem abaixo mostra um corte que permite avaliar a estratigrafia do terreno.

As escavações demoraram 6 semanas mas são fruto de um trabalho iniciado 20 anos atrás. Sigurdsson deslocou-se pela primeira vez à ilha em 1986 para calcular o tamanho da erupção. Voltou dois anos depois para explorar a caldeira. Um guia durante essa segunda visita falou-lhe num local onde os habitantes locais tinham encontrado objectos antigos. Quando voltou à ilha em 2004, Sigurdsson explorou uma vala, que a erosão tinha cavado na cinza vulcânica e pedra-pomes, e encontrou os primeiros vestígios de olaria e de madeira carbonizada. Utilizando radares para ver o que se encontrava debaixo do chão os investigadores não tardaram a localizar uma pequena casa construída sobre estacas apoiadas sobre pedras. Uma escavação diligente efectuada pelos membros da equipa de exploração meteu então a descoberto a habitação onde foram encontrados os restos mortais de dois adultos.

Numa tradução das palavras de Sigurdsson: "Tudo o que encontrámos estava carbonizado. Tinha sido transformado em carvão pelo calor do magma." Nessa habitação foram encontrados vários vestígios de cerâmica, instrumentos em ferro, e objectos de bronze. A decoração mostra ligações com as regiões que hoje são o Vietname e o Cambodja. Com base nestes artefactos, em particular nos objectos de bronze, Sigurdsson acredita que os Tamboranos viviam com um certo desafogo: "Na verdade viviam bastante bem". Famoso pelas suas escavações de Pompeia e Herculano, Sigurdsson planeia voltar em 2007 para escavar o palácio que ele pensa que se encontra sob a cinza. Segundo ele: "Existe o potencial para que Tambora seja a Pompeia do Oriente, e pode vir a ser de grande interesse cultural." Sigurdsson nota ainda: "Todas as pessoas, as suas casas e cultura estão ainda como que numa cápsula, tal como eram em 1815. É importante que mantenhamos essa cápsula intacta e que a abramos com muito cuidado."


quinta-feira, março 23, 2006

Erketu ellisoni, ou uma questão de pescoço

Depois de me referir a um insecto como gigante, nada melhor do que olhar para o esqueleto de um dinossauro saurópode para manter as coisas em perspectiva. Mesmo quando se trata de um saurópode que é sobretudo pescoço. [... ler mais]

Num artigo na American Museum of Natural History Novitates (ref1), Daniel T. Ksepka e Mark A. Norell, descrevem um dinossauro saurópode recém-descoberto, de uma família cujos membros são designados como titanossauros. As imagens abaixo mostram, à esquerda, duas perspectivas da tíbia e fíbula (perónio) dos membros posteriores, e, à direita, uma das vértebras cervicais.

Notem bem a escala, a barra junto aos ossos da perna são 10 cm, a barra junto às vértebras representa 5cm. O "gigantesco" weta podia esconder-se dentro de uma vértebra destas sem problemas. Traduzindo o parágrafo referente à descoberta

Em 2002 uma expedição do Museu Americano de História Natural e da Academia de Ciências da Mongólia descobriu uma nova localidade, Bor Guvé, em Dornogov Aimag, na Mongólia. Várias vértebras cervicais de saurópode foram encontradas erodidas no terreno, e a excavação revelou o resto da série cervical anterior, preservada em articulação, mesmo em frente desses elementos. Elementos pós-cranianos adicionais foram desenterrados à medida que as cervicais ia sendo recolhidas. Apesar de esforços exaustivos, nenhum crânio foi encontrado nas redondezas.
Estes restos foram utilizados para erigir uma nova espécie, Erketu ellisoni. O artigo prossegue com a habitual descrição ultra-pormenorizada de todos os detalhes ósseos. O saurópode não era dos mais pesados, pelo contrário:
O tamanho dos elementos preservados dos membros posteriores sugere que o Erketu, apesar do seu grande comprimento, tinha um peso modesto.
Existe uma relação matemática, relativamente simples, entre o diâmetro e outras características dos ossos dos membros dos vertebrados e o peso, e este animal não sobressai quando comparado com outros saurópodes. As vértebras são no entanto bastante longas, e o animal aparenta ser muito comprido. O problema é que o esqueleto não está completo. Os cientistas dispõem apenas de alguns ossos das patas, parte do esterno, e apenas seis vértebras. Por vezes, a comparação com animais aparentados pode ajudar, mas esse não é o caso:
Embora seja claro que o Erketu tinha vértebras individuais elongadas, o pobre conhecimento do número de vértebras dos titanossauros basais exclui uma estimativa filogeneticamente informada do número total de vértebras cervicais.
No entanto algumas características ósseas apontam para uma especialização extrema:
A morfologia da série cervical reflecte a adaptação a tensões associadas com um comprimento extremo. Os indicadores ósseos da musculatura dos extensores estão fortemente desenvolvidos.
As reconstituições do animal apresentam-no por isso com um pescoço, gigantesco. A Nature tem um pequeno segmento sobre a descoberta, onde se pode ver uma ilustração do artista Jason Brougham. Nesse segmento os autores referem que, admitindo 14 a 15 vértebras cervicais, o pescoço do animal teria cerca de oito metros, o que significa que cerca de um terço do animal estaria na frente dos ombros. Estamos a falar de um animal realmente estranho, para que quereria ele um tal pescoço?

Adenda: a página da Nature deixou de estar em acesso livre. O Paleoblog mostra a mesma imagem aqui.

Referências
(ref1) Daniel T. Ksepka e Mark A. Norell (2006). Erketu ellisoni, a long-necked sauropod from Bor Guvé (Dornogov Aimag, Mongolia). American Museum Novitates 3508: 1-16.

quarta-feira, março 22, 2006

Os ratos invertebrados do outro lado do mundo

Há uns tempos pedi aos leitores para imaginarem ilhas sem mamíferos e onde os papagaios perderam a faculdade de voar. Pois bem, imaginemos agora uma ilha sem ratos e em que um invertebrado com seis patas evoluía para ocupar o lugar desses ratos. Pois é, trata-se das mesmas ilhas dos kakapos, a Nova Zelândia. E o animal, que aqui ocupou durante milhões de anos o lugar dos ratos, é uma criatura que parece um cruzamento entre um grilo e uma barata, de seu nome Wetapunga, ou mais simplesmente weta. Para os maoris Wetapunga quer dizer "deus das criaturas feias", mas não sei, eu até acho o animalzito acima simpático. Se bem que o weta não seja propriamente um "animalzito": com uns respeitáveis 9 centímetros de comprimento e 70 gramas de peso, o weta gigante, cujo nome científico é Deinacrida heteracantha, é o insecto mais pesado do planeta, sendo maior e mais pesado que muitas espécies de ratos.[... ler mais]

Se repararem bem na imagem acima, na pata mais próxima da margem direita da fotografia, ligeiramente acima da posição da antena, vê-se uma estrutura de formato arredondado. Trata-se de um tímpano, os weta ouvem com as patas da frente. Embora não tenham desenvolvido orelhas arrendondas nas patas, e sejam muito diferentes no aspecto físico em relação aos roedores, a semelhança entre o deus das criaturas feias e os ratos existe, mas está ligada ao papel na ecologia das ilhas. Isso foi comprovado recentemente por Catherine Duthie, cuja tese de doutoramento consistiu em alimentar os wetas com vários tipos de frutos, e em seguida verificar se as sementes que passavam pelo aparelho digestivo do insecto ainda eram capazes de germinar. A resposta pode ser encontrada num artigo na Science (ref1), onde Catherine Duthie, George Gibbs, e K. C. Burns descrevem os resultados desses estudos. Numa tradução livre do resumo:

Os weta são gafanhotos gigantes não voadores endémicos da Nova Zelândia. Na ausência de mamíferos nativos, pensa-se que os weta realizam funções ecológicas semelhantes. Como tal, poder-se-ia esperar que fossem importantes agentes de dispersão de sementes. Contudo, os insectos não são conhecidos por consumirem frutos carnudos e dispersarem as sementes após a passagem pelo aparelho digestivo. Conduzimos uma série de observações e experiências para testar se os weta formam parcerias mutualistas com plantas produtoras de frutos carnudos, de forma semelhante aos mamíferos no resto do mundo. Os resultados mostraram que os weta são de facto eficientes na dispersão de sementes, fornecendo um exemplo de convergência ecológica entre organismos não relacionados.

Os autores do estudo verificaram que algumas das sementes germinavam mesmo mais facilmente após serem ingeridas pelos weta. Embora as aves sejam mais eficientes a dispersarem sementes a longas distâncias, alguns tipos de plantas podem confiar sobretudo nos weta para essa tarefa. Tal como os kakapos, o weta encontra-se em risco devido à introdução pelos seres humanos de ratos e outros animais não nativos da nova Zelândia, e não se sabe qual o efeito que a previsível extinção de muitas das espécies existentes terá sobre a flora local.



Referências
(ref1) Catherine Duthie, George Gibbs, K. C. Burns (2006). Seed Dispersal by Weta. Science, Vol. 311. no. 5767, p. 1575. Laço DOI.

segunda-feira, março 20, 2006

A marchar há mais de 60 milhões de anos

Os fragmentos ósseos fossilizados que se mostram ao lado pertencem a vertebrados descobertos recentemente, e que terão morrido há cerca de 62 milhões de anos. Descobertos na Nova Zelândia, e chamados Waimanu Manneringi e Waimanu Tuatahi, assim à primeira vista não parece claro de que tipo de criatura se trata. Pois bem trata-se de restos fossilizados de uma ave. [... ler mais]

A identidade da ave torna-se evidente quando se encaixam os ossos e se tenta reproduzir o aspecto do esqueleto. A imagem à direita, retirada de um artigo no Molecular Biology and Evolution (ref1), da autoria de Kerryn E. Slack e colegas, mostra então o tipo de animal que deixou os vestígios. A ave é exactamente aquilo que parece: um pinguim, ou pelo menos o aspecto que os pinguins tinham há mais de 60 milhões de anos. Este esqueleto mostra que os pinguins nesses tempos longínquos eram já muito semelhantes aos pinguins dos nossos dias, especialmente numa característica: tinham adquirido a postura erecta. Retinham no entanto um aspecto que seria de esperar num descendente de animais voadores: os Waimanus eram ainda capazes ainda de dobrar as asas no cotovelo. A idade deste fóssil tem consequências interessantes quanto à origem das aves modernas, e a maior parte do artigo gira em torno desse aspecto. Numa tradução livre do resumo do artigo de Kerryn E. Slack e colegas:

Testar modelos de macroevolução, em especial o facto dos processos microevolucionários serem suficientes, exige uma boa colaboração entre biólogos moleculares e paleontólogos. Relatamos um teste para os acontecimentos por volta do Cretácico Tardio descrevendo o mais antigo fóssil de um pinguim, analisando genomas mitocondriais completos de um albatroz, um petrel, e um mergulhão, e descrevemos o declínio gradual dos pterossauros ao mesmo tempo que as aves modernas radiam.
Como noutros artigos que têm sido apresentados aqui no Cais de Gaia, note-se o uso de ADN mitoncondrial. Um pouco adiante:
Os fósseis, um novo género (Waimanu), fornecem um limite inferior de 61-62 milhões de anos para a divergência entre os pinguins e as outras aves e estabelecem assim um ponto fiável de calibração para a evolução das aves. Combinando os pontos de calibração de fósseis, sequências de ADN, análises de máxima verosimilhança e Bayesianas, as calibrações dos pinguins implicam uma radiação das aves modernas no Cretácico Tardio. Isto inclui uma estimativa conservadora de que as aves marinhas e costeiras modernas divergiram no Cretácico tardio há 74±3 milhões de anos. É claro que os antepassados dos vários grupos das aves modernas, pelo menos nos últimos tempos do Cretácico, viveram ao mesmo tempo que as aves arcaicas, incluindo Hesperornis, Ichthyornis, e os diversos Enantiornithiformes.
O que isto significa é que os actuais grupos de aves já se tinham separado em plena era dos dinossauros. Os céus da altura deviam ser estranhos. Para além de vários tipos de aves semelhantes às modernas, existiriam formas com cauda e/ou com dentes, e não só, no solo existiria todo um sem número de dinossauros com plumas. Os autores do artigo especulam então sobre o que a competição com as aves poderia ter significado para os pterossauros.
Os pterossauros, que também coexistiram com os antepassados das aves modernas, mostram mudanças apreciáveis durante o Cretácico Tardio. Houve um decréscimo na diversidade taxonómica, e as espécies de tamanho médio e pequeno desapareceram bastante antes do final do Cretácico. Uma leitura simples do registo fóssil poderia sugerir interações de natureza competitiva com as aves, mas é preciso compreender muito mais sobre a história da vida dos pterossauros.
A cautela dos autores é justificada. Os ossos dos pterossauros são muito frágeis, só fossilizam em condições excepcionais, e nós não sabemos muita coisa acerca dessas criaturas que incluem os maiores animais alados que jamais existiram na Terra.

O pdf do artigo está disponível na Internet, é de acesso livre, e aqueles que estiverem interessados na reconstrução da filogenia das aves modernas poderão consultar os cladogramas aí apresentados, e que eu não discuti aqui.

Para terminar, nada melhor que uma imagem dos parentes mais próximos, 62 milhões de anos depois.



Referências
(ref1) Kerryn E. Slack, Craig M. Jones, Tatsuro Ando, G. L. (Abby) Harrison, R. Ewan Fordyce, Ulfur Arnason, and David Penny (2006). Early Penguin Fossils, plus Mitochondrial Genomes, Calibrate Avian Evolution. Molecular Biology and Evolution. Laço DOI.

sexta-feira, março 17, 2006

Os mais pequenos dinossauros

Por muito estranho que possa parecer, muitos cientistas consideram que o pequeno beija-flor acima é uma espécie de dinossauro. Este exemplar, da espécie Selasphorus rufus, com uns respeitáveis 10 cm das penas da cauda até à ponta do fino e longo bico, até é uma espécie de gigante na família, pelo menos quando comparado com os examplares de beija-flores da espécie Mellisuga helenae, com apenas 5.5 cm de comprimento (e 1.8 gramas de peso). [... ler mais]

Mas não é o parentesco com alguns dos mais terríveis predadores que pisaram a Terra que torna os beija-flores criaturas tão interessantes. Num artigo recente na Current Biology (ref1), Jonathan Henderson e colegas analisaram a memória dos beija-flores, e obtiveram resultados surpreendentes. Numa tradução livre do resumo do artigo:

Os animais organizam as suas vida em torno de ritmos circadianos e circanuais, mas pouco se conhece da utilização que fazem de intervalos muito menores. Em laboratório, alguns animais conseguem aprender a duração específica (segundos ou minutos) entre períodos de acesso ao alimento. Supôs-se que alguns comedores de néctar, tais como os beija-flores, pudessem também aprender a lidar com intervalos de tempo curtos por forma a evitarem voltar a visitar flores esgotadas até que pudessem ser reabastecidas de néctar. Fornecemos oito flores artificiais, contendo uma solução de sucrose, a beija-flores territoriais Selasphorus rufus vivendo em liberdade. Quatro flores eram reabastecidas 10 minutos após o pássaro as ter esvaziado, e as outras quatro 20 minutos após terem sido esvaziadas. Ao longo do dia os pássaros voltavam a visitar as flores dos 10 minutos bastante mais cedo do que visitavam as flores de 20 minutos, e novas visitas às flores acompanhavam os horários de reabastecimento. Os beija-flores recordavam os locais e os tempos das oito recompensas, actualizando essa informação ao longo do dia.
O ênfase nos locais e tempos é meu, e trata-se de algo verdadeiramente surpreendente, como referem os autores no final do resumo:
Não apenas é esta a primeira vez que este grau de habilidade temporal é observada em animais selvagens, mas estes beija-flores exibem também dois dos aspectos fundamentais da memória de tipo episódica, o onde e o quando, o tipo de memória para acontecimentos específicos muitas vezes considerada exclusiva dos seres humanos.
Impressionante, sobretudo dado o tamanho minúsculo do animal. Pelos vistos "cérebro de passarinho" não é um insulto, bem pelo contrário. A linhagem dos dinossauros pode ter reduzido em muito o seu tamanho mas continua a despertar interesse e fascínio.

Ficha técnica
Imagem do beija-flor cortesia do US Fish and Wildlife Service, obtida nesta página.

Referências
(ref1) Jonathan Henderson, T. Andrew Hurly, Melissa Bateson and Susan D. Healy (2006). Timing in Free-Living Rufous Hummingbirds, Selasphorus rufus. Current Biology, Volume 16, Issue 5, Pages 512-515. Laço DOI.

quinta-feira, março 16, 2006

Mais um pequeno dinossauro

Os restos fossilizados que se mostram acima pertencem a uma nova espécie, descoberta recentemente e descrita na Nature (ref1), por Ursula B. Göhlich e Luis M. Chiappe. Uma reconstituição do aspecto da criatura, baptizada Juravenator starki, da autoria da artista Stephanie Abramowicz, pode ser encontrada aqui, cortesia do PaleoBlog. Trata-se do fóssil mais completo de um dinossauro jamais encontrado na Europa. Quando comparado com outros dinossauros, como o espinossauro ou o tricerátopo, de que falámos aqui no Cais de Gaia, a criatura é pequeníssima. Notem bem a marca preta no canto superior esquerdo da imagem que corresponde a 5 centímetros. [... ler mais]

Numa tradução livre do resumo do artigo:

Pequenos dinossauros terópodes do Jurássico Tardio são raros em todo o mundo. Na Europa estes dinossauros carnívoros são representados essencialmente por apenas dois esqueletos de Compsognathus, nenhum dos quais se encontra bem preservado. Descrevemos aqui um pequeno dinossauro terópode do Jurássico Tardio de Schamhaupten no sul da Alemanha. Extraordinariamente bem preservado, e completo do focinho até ao terço distal da cauda, o novo fóssil é o mais bem preservado dinossauro predador não-aviano da Europa.
O "não-aviano" aqui é apenas para dizer que não se trata de uma ave. A maioria dos paleontólogos de vertebrados acredita que as aves são dinossauros, os únicos membros do grupo que sobreviveram à extinção 65 milhões de anos atrás. Continuando:
Possui uma série de características que apoiam a sua identificação como um celurossário basal. Uma análise cladística indica que a nova espécie é mais próxima dos maniraptorianos que dos tiranossauróides, agrupando-a com exemplares considerados como compsognatídeos.
Ou seja, não era um parente próximo do tiranossauro, encontrava-se mais próximo de animais que se assemelhavam aos compsognatídeos, os pequenos dinossauros que atacavam uma miudita no início do segundo filme do Parque Jurássico, o Mundo Perdido. Um das características deste fóssil é que preserva parte da pele da cauda.


Isso pode ver-se na imagem acima, tirada com exposição a luz ultravioleta. Ora essa pele mostra escamas. Os autores notam a esse propósito:
Grandes porções de integumento estão preservadas ao longo da cauda. A ausência de penas ou estruturas plumosas num fóssil filogeneticamente aninhado com dinossauros terópodes com penas indica que a evolução destas estruturas integumentares pode ser mais complexa do que anteriormente pensado.
O dinossauro terópode com estruturas plumosas de que os autores falam é o Sinosauropteryx prima, também um compsognatídeo. Uma maravilhosa reconstituição desse animal, da autoria de Luis Rey, pode ser encontrada aqui. O corpo desse animal encontrava-se em grande parte coberto por uma espécie de penugem. O Juravenator não apresenta nem penas nem quaisquer indícios de penugem na cauda. Quer os autores do artigo, quer a maioria dos comunicaods que sairam na imprensa, pensam que isso é importante, e que nos deve levar a repensar a origem das penas nos dinossauros. Eu confesso que me parece mais querer arranjar alguma polémica para "apimentar" a notícia. Nenhum integumento foi recuperado para o resto do corpo, logo a única coisa que sabemos é que o Juravenator tinha escamas na cauda.

Referências
(ref1) Ursula B. Göhlich and Luis M. Chiappe (2006). A new carnivorous dinosaur from the Late Jurassic Solnhofen archipelago. Nature 440, 329-332 (16 March 2006). Laço DOI.

quarta-feira, março 15, 2006

Três milhões à espreita

O famoso Monte Vesúvio sepultou a cidade de Pompeia num manto de cinzas, no ano 79 DC. Desde essa data o Vesúvio já entrou em erupção por mais vezes, mas nunca com a mesma fúria, e sabe-se que voltará a entrar em erupção daqui a algum tempo. Num estudo recente nos Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1), Giuseppe Mastrolorenzo e colegas descrevem uma erupção bastante anterior a Pompeia, numa escala muito maior.[...ler mais]
O monte de aspecto pacato, que aparece no fundo desta imagem de Nápoles, é o famoso Monte Vesúvio, que sepultou a cidade de Pompeia num manto de cinzas, no ano 79 DC. Desde essa data o Vesúvio já entrou em erupção por mais vezes, mas nunca com a mesma fúria, e sabe-se que voltará a entrar em erupção daqui a algum tempo. Eu tinha esta contribuição "na gaveta" há algum tempo, pois apareceu na imprensa, mas o artigo científico só saiu esta semana. Nestas coisas é sempre preferível ler em primeira mão, pois muitas vezes nos comunicados de imprensa as coisas são muito mais espectaculares, ou assustadoras, do que aquilo que sai no artigo onde a ciência é publicada.

As erupções vulcânicas do tipo da que condenou Pompeia, com uma grande libertação de gases vulcânicos, pedra-pomes e quantidades colossais de cinza, são por vezes designadas de "Plinianas", em honra a Plínio o Velho, um naturalista romano que morreu durante a erupção. O seu sobrinho, Plínio o Moço, forneceu uma descrição detalhada da erupção, e séculos de escavações permitiram-nos conhecer relativamente bem os últimos dias dessa cidade condenada. A erupção sepultou também a cidade de Herculano, e a dimensão da área atingida tem sido sempre utilizada como uma espécie de pior cenário que os grupos de proteção civil da zona de Nápoles teriam que enfrentar. Acontece que num estudo recente nos Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1), Giuseppe Mastrolorenzo e colegas descrevem uma erupção bastante anterior a Pompeia, numa escala muito maior. Numa tradução livre do resumo:

Uma catástrofe vulcânica ainda mais devastadora que a famosa erupção de Pompeia do anno Domini 79 ocorreu no Vesúvio durante a Idade do Bronze. A erupção pliniana de Avelino do ano 3780 AC produziu no início uma queda de pedra-pomes e no final um fluxo piroclástico que cobriu as redondezas do vulcão até uma distância de 25 km, sepultando campos e aldeias.
Um fluxo piroclástico é um daqueles fenómenos vulcânicos dos quais não há escapatória possível, trata-se de uma nuvem gigantesca de gás, cinzas e fragmentos de rochas, que escorre da encosta do vulcão a velocidades impressionantes (pode chegar a 150 km/hora) e que é completamente letal. A temperatura do gás pode chegar aos 800 graus Celsius. Os investigadores conseguiram desenterrar algumas das cabanas e até esqueletos de alguns dos infelizes habitantes, enterrados sob mais de um metro de pedra-pomes, em posturas que sugerem morte por asfixia.

Continuando:
Apresentamos aqui a reconstrução desta catástrofe pré-histórica e o seu impacto na cultura da Idade do Bronze na Campânia, a partir de um estudo interdisciplinar vulcanológico e arqueo-antropológico. A evidência mostra que uma brusca evacuação em massa de milhares de pessoas ocorreu no início da erupção, antes do último destrutivo colapso de coluna pliniano. A maioria dos fugitivos provavelmente sobreviveu, mas a desertificação total do habitat devido à gigantesca erupção causou um colapso demográfico e social, e o abandono de toda a região durante séculos.

A imagem que melhor ilustra todos estes pontos são as pegadas deixadas na cinza pelos habitantes em fuga, e que vão na direcção oposta à do vulcão. Os arqueólogos desenterraram milhares destas provas claras do êxodo em larga escala dos habitantes de Avelino. A fase inicial, de queda de pedra-pomes não é particularmente letal, daí os autores dizerem que a maioria das pessoas terá sobrevivido à fuga.

Aquelas pessoas partiram, e os napolitanos talvez tenham que seguir as pisadas daqueles pés descalços um destes dias. O "pior cenário", que representa a maior catástrofe possível, não tem como motivação assustar o público. Não significa que algo dessa escala esteja iminente, significa apenas que, se ocorrer, os serviços de ajuda às vítimas estarão à altura dos acontecimentos. Este estudo mostra que é preciso mudar as coisas, e os autores concluem que:
Porque um acontecimento desta escala é capaz de devastar um vasto território que inclui a actual área metropolitana de Nápoles, esta deve ser a referência a ser considerada para o pior cenário eruptivo no Vesúvio.
Naquela zona vivem actualmente cerca de três milhões de pessoas. Como se viu recentemente nos Estados Unidos com o Furação Katrina, quando não se está preparado para uma situação difícil a resposta pode correr muito mal.

Ficha técnica
Imagem com a cidade de Pompeia cortesia de Crew Creative Ltd.
Imagem no início da contribuição retirada da Wikimedia Commons.
Restantes imagem cortesia de Michael Sheridan retiradas do comunicado de imprensa da Universidade de Buffalo.

Referências
(ref1) Giuseppe Mastrolorenzo, Pierpaolo Petrone, Lucia Pappalardo, and Michael F. Sheridan (2006). The Avellino 3780-yr-B.P. catastrophe as a worst-case scenario for a future eruption at Vesuvius. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. Laço DOI.

sexta-feira, março 10, 2006

A abominável lagosta das profundezas

Depois dos filhos do dragão de que falei anteriormente, apresento aqui uma criatura, também cega, mas que habita, não numa caverna, mas sim nas profundezas do mar. Trata-se de uma felpuda lagosta cujo nome científico é Kiwa hirsuta. O nome do género, Kiwa vem da deusa polinésia dos crustáceos, enquanto que o hirsuta é óbvio dado o aspecto cabeludo da criatura. A criatura foi observada nas fontes hidrotermais quentes associadas a fenómenos de natureza vulcânica nos fundos marinhos. Estas fontes hidrotermais fornecem compostos químicos que são utilizados como fonte de energia por bactérias, e são o suporte de comunidades que não necessitam da luz solar. [... ler mais]

Trata-se de uma descoberta recente, descrita por Enrique Macpherson e colegas num artigo (ref1) na revista Zoosystema, do Museu de História Natural de Paris, resultado de um estudo efectuado durante Março/Abril de 2005 liderado pelo cientista R. Vrijenhoek, ao longo de quatro fontes hidrotermais nas proximidades da ilha da Páscoa. Numa tradução livre de um extracto do artigo:

Em várias ocasiões, os cientistas que mergulharam no submarino Alvin a bordo do RV Atlantis observaram alguns crustáceos grandes (cerca de 15cm de comprimento), brancos, e peludos, e recolheram um deles. O exemplar pertence à superfamília Galatheoidea, um clã que inclui as famílias Galatheidae, Chirostylidae, Porcellanidae, e Aeglidae, mas que não encaixa nos limites morfológicos ou genéticos de qualquer uma dessas famílias. A extraordinária natureza setosa dos quelípedes e das pernas levou à adopção do nome caranguejo "Yeti".

O adjectivo "setoso" acima é porque aquilo que parecem pelos na lagosta são designados por setae, que eu designarei por setas no que se segue.


As imagens acima, retiradas do artigo, mostram exemplares vivos no fundo oceânico, no seu modo de vida tranquilo. Grande parte do artigo é dedicada à descrição detalhada da morfologia e análise molecular deste exemplar. Os resultados mostram que o animal é suficientemente distinto de outros animais conhecidos para merecer a sua própria família. A diferença mais óbvia é a densa cobertura de setas.

As setas existem em duas formas, uma flexível e uma rígida. A imagem acima, à esquerda, retirada do artigo na Zoosystema, mostra sobretudo setas flexíveis, mais finas, mas podem ver-se duas setas rígidas, bastante mais espessas no canto inferior esquerdo, e duas na direita mesmo por cima da barra preta que marca a escala. A barra preta corresponde a 3 milímetros. Na imagem com o G no canto superior esquerdo mostra-se o topo de uma das setas rígidas. Como se pode ver, a seta apresenta uma grande série de "bárbulas" de pequenas dimensões. Esta é uma imagem fortemente ampliada num microscópio electrónico. A barra branca que serve de escala corresponde nesta imagem a 100 micrómetros.

A função das setas é ainda desconhecida. Uma ampliação das setas flexíveis, que se mostra na imagem ao lado, também retirada do artigo, mostra uma grande quantidade de bactérias filamentosas que vivem agarradas às setas. Já agora, para se ter uma ideia da escala, a barra horizontal preta no canto inferior direito corresponde a 20 micrómetros. As setas rígidas não possuem bactérias. Ora qual a relação das bactérias com a lagosta? No final do artigo os autores referem:
A presença, nas pernas, de densas setas bacteriofóras colonizadas por tapetes de bactérias provavelmente sulfo-oxidizantes, torna possível encarar esta espécie como associada de forma obrigatória às fontes hidrotermais. Estas bactérias poderiam servir como fonte nutricional.

No entanto um pouco atrás os autores notavam:
Tal como outros crustáceos decápodes das fontes hidrotermais a Kiwa hirsuta é provavelmente um omnívoro. Alguns exemplares foram observados in situ a consumirem tecidos de mexilhões danificados pelas actividades de recolha do submersível.

Portanto talvez haja uma outra razão para as bactérias. No Deep-Sea News refere-se que outra possibilidade é que a função dessas bactérias seja eliminar materiais tóxicos provenientes da fontes hidrotermais. Enfim, só nos resta esperar por mais estudos destas fascinantes comunidades dos fundos marinhos.

Referências
(ref1) Enrique Macpherson, William Jones and Michel Segonzac (2005). A new squat lobster family of Galatheoidea (Crustacea, Decapoda, Anomura) from hydrothermal vents of the Pacific-Antarctic Ridge. Zoosystema 27(4):709-723

quinta-feira, março 09, 2006

Estes são os filhos do dragão

Embora não tenha saído um outro artigo hoje sobre salamandras, todas as desculpas são boas para falar de animais com aspecto invulgar. Como que adivinhando os meus pensamentos, Darren Naish fala de salamandras cegas em grutas europeias, no Tetrapod Zoology. A espécie que ele descreve é o Proteus anguinus, uma salamandra de 25 a 30 cm de comprimento, endémica das grutas da região dos Alpes Dináricos, desde a região de Veneza, até à Bósnia Herzegovina. A forma mais comum é completamente cega e, quando vive ao abrigo da luz do Sol, tem uma cor rosada, e o aspecto que se mostra na imagem. [... ler mais]

Esta salamandra é no entanto completamente albina, e se colocada num local com luz a pele adquire uma tonalidade mais escura. Para além da forma cega, existe uma variante de cor escura e com olhos bem desenvolvidos, a sub-espécie Proteus anguinus parkelj, que se encontra ameaçada, existindo apenas num lago em Dobliče na região de Bela Krajina na Eslovénia. Em tempos idos as pessoas da região chamavam a estes animais "larvas-de-dragão" e o nome de certa forma justifica-se. Para alguns grandes planos destas criaturas, de que apenas uma mãe dragão, ou um adepto do Futebol Clube do Porto, poderiam gostar, ver as fotos desta página.

Trata-se de um animal com um metabolismo muito lento, que só atinge a maturidade sexual aos 7 anos e que pode viver pelo menos até perto de 60 anos. Tal como no caso dos peixes das grutas, discutidos aqui há algum tempo atrás, e também aqui, o facto de possuirmos uma forma de superfície e várias formas cavernícolas, torna esta criatura particularmente adequada a estudos de evolução.

quarta-feira, março 08, 2006

Escondida no deserto

Tal como se discutiu aqui recentemente, não há motivos para entrar em histerias a propósito de impactos de asteróides, pelos menos nas próximas décadas. Existem contudo muitas cicatrizes de impactos passados, espalhadas um pouco por toda a Terra, e de vez em quando novas crateras são descobertas. Na secção de notícias da Science refere-se exactamente a suposta descoberta da maior cratera do Saara, no Egipto, numa região chamada Gilf Kebir. O "suposta" não se deve a nenhum juízo de valor da minha parte, é apenas para salientar o facto de ainda não haver uma descrição deste relevo terreste numa revista científica.
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Pessoalmente penso que a cratera se vê melhor nos googlemaps que na imagem acima. Devido aos direitos não mostro os mapas aqui, mas quem quiser ver basta seguir este laço.

O pequeno excerto na Science adianta, no entanto, alguns detalhes. Assim, em 1932, cientistas tinham descoberto fragmentos de uma substância vítrea, designada por vidro do deserto líbio, translúcida e de cor amarelo-esverdeada. Pela composição do material sabia-se que era de origem extraterrestre mas ignorava-se de onde provinha. Com a descoberta desta cratera Farouk El-Baz, da Universidade de Boston, pensa ter resolvido esse mistério. A cratera tem cerca de 30 km de diâmetro, e encontra-se bastante erodida, sendo mesmo cortada pelos leitos de dois rios hoje em dia secos.

A cratera, a que El-Baz chamou Kebira, é também descrita nas páginas da Planetary Society, e nas páginas da Universidade de Boston. De acordo com essas fontes, a cratera tem bordas duplas, algo que é por vezes visto em crateras lunares, e terá sido feita por um meteorito com um pouco mais de 1 km, há menos de 100 milhões de anos. Aliás, foi nas páginas da Universidade de Boston que eu descobri por que razão o nome de Farouk El-Baz me parecia tão familiar. Trata-se de um cientista envolvido com o programa Apollo, em particular com a escolha dos locais de alunagem. Segundo o relato na Planetary Society, a região alberga outras crateras, como a que se mostra abaixo, com um diâmetro de "apenas" 950 metros.


Referências
(ref1)
Random Samples (2006). Science Vol. 311. no. 5765, p. 1223. Laço DOI.

A salamandra que se recusa a deixar a água

A criatura para hoje é a Eurycea tynerensis, uma salamandra endémica do centro-sul dos Estados Unidos da América. Resultados recentes mostram que consoante o tipo de habitat esta viscosa criatura pode ou não completar a sua metamorfose. A Eurycea vive em zonas com muitos regatos, e uma grande parte deles seca à superfície durante o Verão. Em zonas em que as rochas do fundo do rio são pequenas e formam um leito compacto, as salamandras residentes completam a metamorfose antes de atingirem a maturidade sexual. No entanto, em zonas onde o cascalho é mais grosseiro e com interstícios suficientemente grandes para as pequenas criaturas do regato se poderem esconder, as salamandras residentes nunca passam do estado larvar. [... ler mais]

É isso que mostram Ronald Bonett e Paul Chippindale, num artigo na evista BMC Biology (ref1). As salamandras adultas têm o aspecto que se mostra abaixo (a marca de 1cm aplica-se apenas aos calhaus, não às salamandras).


Eis a forma das salamandras sexualmente maduras nas zonas onde o cascalho é de maiores dimensões.



Este é um exemplo da versatilidade dos anfíbios, criaturas com ciclos de vida muito complexos. A existência de uma fase terrestre traz benefícios no que se refere à colonização de novos habitats, e à troca de genes entre populações. Permite por outro lado aos animais procurarem charcos quando o leito do rio seca. Isso não é possível em muitas das regiões onde estas salamandras sobrevivem. Em muitas zonas toda a região em torno do regato seca, e a natureza porosa do solo não permite a existência de charcos. A única opção é não abandonar os interstícios abaixo do leito do rio onde ainda existe água. Essas pequenas zonas húmidas só existem nos fundos de regatos onde as rochas são de grandes dimensões e a quantidade de sedimento pequena. Nesse caso não há vantagem em proceder à metamorfose, e as populações que se mantêm na fase larvar terão vantagem. Essa foi a hipótese que os autores decidiram testar.

O artigo é bastante detalhado, e os autores tentaram também estabelecer as relações de parentesco entre as diferentes populações de salamandras. Para se certificar que os animais tinham atingido a maturidade sexual, os autores tiveram que recolher e analisar alguns examplares. Numa tradução livre de alguns parágrafos do artigo:

Eurycea tynerensis foram recolhidas ao longo do planalto de Ozark no Arkansas, Missouri, e Oklahoma, por RMB e colegas de Agosto de 2000 a Agosto de 2003. Selecionámos 22 localidades (11 pedomórfica e 11 metamórficas) ao longo de toda a distribuição geográfica, que representa todo o espectro de divergência mitocondrial dentro da E. Tynerensis.

O termo metamórfica refere-se às populações onde se veêm indivíduos com forma terrestre (isto é que completaram a metamorfose), enquanto o termo pedomórfico refere-se a populações onde os indivíduos atingem a maturidade sexual na fase larvar, não passando por metamorfose para uma forma terrestre. De notar que os autores utilizam indicadores de ADN, neste caso sequências de ADN mitocondrial para estudar as relações de parentesco entre as várias populações. Continuando:
Examplares adultos de cada uma das 22 localidade foram recolhidos para análises filogenéticas. As salamandras foram eutanizadas por submersão numa solução a 10% de MS-22 de acordo com os protocolos da IACUC. Etiquetas e tecidos encontram-se na Universidade do Texas em Arlington, no Centro de Pesquisa de Diversidade de Répteis e Anfíbios.

Isto pode parecer macabro mas era absolutamente necessário estabelecer se os animais tinham ou não atingido a maturidade sexual.
Num período de 5 anos (2000-2005) cada uma destas localidades foi visitada várias vezes, e os indivíduos adultos observados em cada uma delas eram todos ou exclusivamente pedomórficos (sexualmente maduros na forma larval) ou exclusivamente metamórficos (completamente transformados). A maturidade sexual dos pedomorfos foi determinada pela presença de ovos nos ovidutos da fêmeas e testículos bem desenvolvidos e pigmentados nos machos. Em todas as localidades metamórficas foram encontradas fêmeas a guardarem ovos e/ou larvas imaturas em pelo menos uma das visitas, indicando que os E. tynerensis metamórficos estavam a procriar ao longo desses regatos e não apenas de passagem.

Os autores então verificaram a associação como o tipo habitat, em particular o tipo de fundo dos regatos, e utilizaram o ADN mitocondrial para estabelecerem o parentesco entre as várias populações. Os dados apontam para que populações pedomórficas tenham aparecido de forma independente umas das outras. Ora, se os metamorfos se podem deslocar, porque razão não se voltam a misturar ocasionalmente com os pedomorfos, mantendo algum nível de semelhança genética entre as populações? Afinal isso acontece noutros grupos de salamandras. Os autores avançam com um facto que é comum apenas à E. tynerensis e ao grupo de salamandras a que pertence, os pletodontidos.

Quase todos os pletodontidos que completam a metamorfose exibem rituais de acasalamento em terra, uma estratégia pouco comum nas outras famílias de salamandras. Um diagnóstico de adultos que completaram a metamorfose em pletodontidos e que está intimamente relacionada com a corte terrestre é o canal nasolabial, uma depressão na superfície da pele que vai da narina à borda do lábio superior. Tanto quanto sabemos, o canal nasolabial só se desenvolve completamente em indivíduos que completaram a metamorfose. Assim, especulámos que os indivíduos pedomórficos devem reter o sistema de comunicação larval, enquanto os metamorfos terrestres usam outros métodos para encontrar parceiros.

Na práctica o que isto significa é que mesmo que uma salamandra terrestre encontre uma salamandra pedomórfica sexualmente activa não se sente "atraída" por ela, não a reconhece como potencial parceiro sexual. O isolamento reprodutivo é um passo importante para a separação de um grupo de animais em várias espécies. Os autores notam nas conclusões:
A associação notavelmente robusta entre uma característica relativamente simples do habitat como a microestrutura do leito dos regatos e o modo de desenvolvimento nas salamandras do grupo Eurycea tynerensis representa uma evidência poderosa do papel de factores do microhabitat que podem eventualmente determinar mudanças maiores na ontogenia, ecologia, morfologia e história da vida, e contribuir para o processo de especiação.

É sempre interessante ver a forma como os organismos se adaptam ao seu meio ambiente devido à seleção natural, e como novas espécies podem surgir ao longo do tempo. Voltaremos às salamandras amanhã, desta vez às "larvas-de-dragão".

Referências
(ref1) Ronald M Bonett & Paul T Chippindale. Streambed microstructure predicts evolution of development and life history mode in the plethodontid salamander Eurycea tynerensis. BMC Biology, 4:6 Resumo e PDF.

terça-feira, março 07, 2006

Quando até os pequenos têm chifres

De regresso aos dinossauros, desta vez não a um feroz carnívoro, mas a um herbívoro, que apesar disso não tem um ar muito pacífico. O PaleoBlog refere um novo artigo de Mark Goodwin e colegas no Journal of Vertebrate Paleontology, sobre o tricerátopo, em particular a espécie Triceratops horridus. O artigo descreve o mais pequeno crânio de Triceratops horridus já descoberto. [... ler mais]

O crânio do bébé tricerátopo, que se mostra acima, foi descoberto em 1997 pelo caçador de fósseis amador Herley Garbani, juntamente com algumas vértebras, dentes e tendões, na formação de Hell Creek no estado de Montana nos EUA. O crânio é "pequeno" pois mede apenas cerca de 30 centímetros, enquanto o crânio de um adulto seria 6 vezes maior, ou seja o tamanho de um homem adulto. Os autores do artigo usam as características do crânio para especular sobre a função dos chifres e da aba que os animais apresentam sobre o pescoço. Em particular, visto que ambas as características estão presentes desde a mais tenra idade, Godwin e colegas sugerem que os chifres e aba não têm apenas uma função ligada à competição sexual, mas que seriam também importantes para os membros da manada se reconhecerem entre si.

Voltarei a este assunto assim que conseguir uma cópia do artigo, pois o que está aqui foi baseado apenas na declaração para a imprensa reproduzida no PaleoBlog. Mas já agora, para se ver quão "amoroso" o bébé parece quando comparado com um adulto mostram-se abaixo duas perpectivas de um esqueleto de tricerátopo exposto no museu de história natural do Smithsonian.



Referências
Goodwin, M. B., W. A. Clemens, J. R. Horner, and K. Padian (no prelo). The smallest known Triceratops skull: New observations on ceratopsid cranial anatomy and ontogeny. Journal of Vertebrate Paleontology.

domingo, março 05, 2006

O urso que come como um passarinho

Alguns amigos meus americanos, que gostam de alimentar a passarada nos seus quintais, costumam queixar-se dos esquilos, que são capazes dos malabarismos mais incríveis para chegar aos comedouros. Pelos vistos não são só os esquilos. Cortesia do blog da GrrlScientist que tem razão, a única coisa que ocorre quando se vê isto é wow!!!

sexta-feira, março 03, 2006

Kakapos, aves em perigo no outro lado do mundo.

Imaginem ilhas onde durante milhões de anos os únicos mamíferos existentes eram espécies de pequenos morcegos. Imaginem ainda que uma fauna de aves não voadoras e insectos gigantes ocupou nessas ilhas os nichos onde estamos habituados a ver mamíferos. Imaginem que uma dessas aves era um papagaio de 4 kg, com asas minúsculas que usava, não para voar, mas como pára-quedas quando saltava das árvores. [... ler mais]

Imaginem que esses papagaios, que existiam aos milhões, tinham como predadores grandes águias, e que a sua defesa era ficar imóvel e tentar confundir-se com o ambiente circundante. Imaginem agora que seres humanos chegam a essa ilha com cães e ratos, e mais tarde noutra vaga de colonização com gatos, arminhos e outros animais não nativos. Imaginem que sobram apenas 86 desses papagaios. Na verdade não é preciso imaginar, as ilhas são a Nova Zelândia, e os papagaios são os kakapos, uma espécie de papagaio nocturno não voador endémico destas ilhas, e o mais pesado papagaio conhecido.

A criatura de hoje é cortesia do blog da GrrlScientist, aka Hedwig the Owl, e de mais uma versão da sua famosa atracção de sexta-feira, o Birds in the News #49. Uma das criaturas focadas nestas notícias com penas é exactamente essa rara e ameaçada ave Neozelandesa, cujo nome científico é Strigops habroptilus. Acossado um pouco por toda a parte nos últimos séculos, este simpático animal correu seriamente o risco de só poder ser admirado através de exemplares empalhados como o que se mostra na imagem acima. No entanto uma operação de salvamento conseguiu manter uma pequena população em ilhas livres de predadores. Essa população tem crescido de forma encorajadora, existindo neste momento 86 aves. Numa indicação clara da pequenez da população, cada um dos animais sobreviventes tem um nome próprio. Uma lista de todos eles, com idades e relações de parentesco, pode ser encontrada aqui.

Não resisti a incluir aqui um video que mostra Kakapos vivos e fala do trabalho de cientistas que conseguiram mais uma pequena vitória para salvar os Kakapos da nova Zelândia. Os cientista conseguiram, com sucesso, congelar esperma de todos os machos sobreviventes por forma a manter um mínimo de diversidade genética. Infelizmente não encontrei uma versão do vídeo em português. A história original pode ser encontrada nas páginas da tvz.co.nz

quinta-feira, março 02, 2006

Fixação brasileira por Tucídides

O Cais de Gaia, para além dos três visitantes razoavelmente fiéis que vêm aqui duas a três vezes por semana, começou a atrair nos últimos dias uma quantidade inusitada de internautas do Brasil que procuram pelo historiador grego Tucídides nos motores de busca brasileiros. Uma média de 15 buscas por dia são enviadas para a página em que falo da peste de Atenas, esse flagelo da antiguidade. Admirável este gosto brasileiro pelos clássicos. Ou será mais do que isso? Se alguém me puder esclarecer as razões do fenómeno desde já agradeço. Confesso que estou curioso.

Gigante adormecido, ou apenas sonolento?

As ciências da Terra também são fonte de imagens espectaculares, que não devem nada à astronomia e à biologia. Um dos locais onde se podem encontrar algumas paisagens estranhas é no parque de Yellowstone nos Estados Unidos. Os quase 9,000 km quadrados de florestas e quedas de água escondem um supervulcão, que espera apenas o instante adequado para lançar de novo a sua fúria destruidora. [... ler mais]

Enquanto isso não acontece, podemos maravilhar-nos com a beleza de paisagens como a Grande Fonte Prismática mostrada acima, ou a Piscina da Glória Matinal que se pode ver abaixo.



Nos últimos 2.2 milhões de anos o vulcão teve três erupções significativas, a última das quais há 640,000 anos. Para termos uma ideia da razão pela qual o termo supervulcão é tão adequado, basta notar que a caldeira resultante cobre 30 por 70 km, com cerca de 1 km de profundidade. Nessa erupção o vulcão lançou cerca de 1,000 km cúbicos de material na atmosfera, cerca de 800 vezes mais do que o vulcão do Monte de Santa Helena lançou em 1980. A escala é realmente gigantesca e os efeitos de algo do género hoje em dia seriam devastadores, cerca de metade dos Estados Unidos seriam cobertos por uma camada de cinza de mais de um metro de altura. Em 2004 o parque foi abalado por uma série de tremores de terra que despertaram a atenção do público (e dos meios de comunicação, claro) e que levaram à vulgarização do termo supervulcão. Embora para já uma erupção não esteja iminente, os cientistas têm estudado em detalhe os movimentos do terreno na vizinhança da caldeira.

Num artigo publicado na Nature (ref1), Charles W. Wicks e colegas descobriram um padrão pouco habitual nos movimentos de elevação/subsidência dos terrenos em Yellowstone, um tipo de deformação nunca antes observado e que tem implicações importantes para a nossa compreensão dos mecanismos por trás das grandes caldeiras activas. Não vou entrar em detalhes, talvez os especialistas no GeoPedrados venham a discutir este trabalho em mais pormenor. Parte dos terrenos tem subido (pouco mais de 10cm nos últimos 10 anos) enquanto outra parte tem-se afundado ligeiramente, e isso deve-se provavelmente a um aumento do fluxo de magma uns quantos km abaixo da superfície. Esta modificação no comportamento do terreno tem sido acompanhada por um acréscimo de actividade dos Geysers. No entanto não há para já motivos para alarme, este pode ser um comportamento recorrente que só agora foi descoberto porque só agora se possuem os meios (nomeadamente satélites) para isso.

O artigo científico foi no fundo uma desculpa para mostrar algumas imagens bonitas fugindo aos temas habituais da criatura e/ou imagem astronómica do dia. Sendo assim, aqui vai mais uma, a Gruta dos Geysers.


E para terminar, o Geyser da Clepsidra:


Referências
(ref1) Charles W. Wicks, Wayne Thatcher, Daniel Dzurisin and Jerry Svarc (2006). Uplift, thermal unrest and magma intrusion at Yellowstone caldera. Charles W. Wicks, Wayne Thatcher, Daniel Dzurisin and Jerry Svarc. Nature 440, 72-75. Laço DOI.