sexta-feira, março 24, 2006

Tambora, a Pompeia do Oriente

Não sei porquê mas hoje sinto-me tentado a voltar a falar nos vulcões. Depois do perigo que espreita na América, e dos vestígios de uma grande erupção em Itália, hoje o tema é a ilha de Sumbawa, uma das muitas ilhas da Indonésia, no sudoeste asiático. Esta região do globo alberga um grande número de vulcões que originaram erupções realmente gigantescas. A maior erupção, desde que há seres humanos na Terra, terá sido há cerca de 75,000 anos em Lake Toba, na ilha de Samatra. A ilha de Sumbawa foi palco de uma erupção substancialmente menor, mas que foi mesmo assim a maior erupção da qual há registos escritos. Ocorreu de 10 a 15 de Abril de 1815 no Monte Tambora. [... ler mais]

Eis o tal monte tal como é visto em imagens de satélite:

O Monte Tambora do alto dos seus 2850 metros parece imponente mas antes da erupção chegava a 4200 metros de altitude. Estima-se que o vulcão tenha largado qualquer coisa como 100 km cúbicos de materais piroclásticos, com um peso em kg que andaria à volta de um 2 ou de um 3 seguido de 14 zeros. A coluna de cinza e gases vulcânicos que se ergueu como resultado teria qualquer coisa coisa com 43 km de altura. A caldeira de 1250 metros de profundidade evoca ainda a violência desse passado não muito distante.

Os efeitos da erupção foram sentidos à escala planetária, tendo o ano de 1816 ficado conhecido como "o ano sem verão". A cinza permaneceu durante alguns anos na estratosfera (onde não é lavada pela chuva) e originou durante esse tempo pôres-do-sol de cor esverdeada. Estima-se que nessa erupção tenham morrido cerca de 117,000 pessoas. Na ilha de Sumbawa ficava o pequeno reino de Tambora, que desapareceu sob as cinzas do vulcão.

A capital desse reino foi encontrada recentemente, e o texto que se segue é compilado a partir dos relatos de uma expedição chefiada por Haraldur Sigurdsson da Universidade da Rhode Island's Graduate School of Oceanography, e colegas da Universidade da Carolina do Norte, e do Directorado Indonésio de Vulcanologia. Baseia-se no comunicado de imprensa da URI. Eu em geral tento mostrar sempre excertos publicados em revistas que foram sujeitas a revisão científica e evitar comunicados de imprensa, porque em geral o que aparece na imprensa é sempre muito mais excitante (e especulativo) do que aquilo que se pode ler nos artigos. No entanto neste caso o comunicado é até bastante sóbrio.

Encontrar a cidade perdida não foi tão fácil como parece. Para se protegerem dos ataques do piratas a cidade ficava alguns km para o interior e ficou completamente soterrada por uma camada de cerca de três metros de cinza e pedra pomes. A imagem abaixo mostra um corte que permite avaliar a estratigrafia do terreno.

As escavações demoraram 6 semanas mas são fruto de um trabalho iniciado 20 anos atrás. Sigurdsson deslocou-se pela primeira vez à ilha em 1986 para calcular o tamanho da erupção. Voltou dois anos depois para explorar a caldeira. Um guia durante essa segunda visita falou-lhe num local onde os habitantes locais tinham encontrado objectos antigos. Quando voltou à ilha em 2004, Sigurdsson explorou uma vala, que a erosão tinha cavado na cinza vulcânica e pedra-pomes, e encontrou os primeiros vestígios de olaria e de madeira carbonizada. Utilizando radares para ver o que se encontrava debaixo do chão os investigadores não tardaram a localizar uma pequena casa construída sobre estacas apoiadas sobre pedras. Uma escavação diligente efectuada pelos membros da equipa de exploração meteu então a descoberto a habitação onde foram encontrados os restos mortais de dois adultos.

Numa tradução das palavras de Sigurdsson: "Tudo o que encontrámos estava carbonizado. Tinha sido transformado em carvão pelo calor do magma." Nessa habitação foram encontrados vários vestígios de cerâmica, instrumentos em ferro, e objectos de bronze. A decoração mostra ligações com as regiões que hoje são o Vietname e o Cambodja. Com base nestes artefactos, em particular nos objectos de bronze, Sigurdsson acredita que os Tamboranos viviam com um certo desafogo: "Na verdade viviam bastante bem". Famoso pelas suas escavações de Pompeia e Herculano, Sigurdsson planeia voltar em 2007 para escavar o palácio que ele pensa que se encontra sob a cinza. Segundo ele: "Existe o potencial para que Tambora seja a Pompeia do Oriente, e pode vir a ser de grande interesse cultural." Sigurdsson nota ainda: "Todas as pessoas, as suas casas e cultura estão ainda como que numa cápsula, tal como eram em 1815. É importante que mantenhamos essa cápsula intacta e que a abramos com muito cuidado."


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