sexta-feira, março 31, 2006

Baratas, os insectos democratas

A criatura para hoje é um dos mais fiéis, se bem que indesejados, companheiros da humanidade, a humilde barata. As baratas são animais gregários que vivem em pequenos grupos e que retiram um certo número de benefícios dessa vida comunal: aumentam o seu sucesso reprodutivo, podem partilhar recursos alimentares, e ao juntarem os seus corpitos previnem a desidratação em ambientes mais secos. Ora, tal como muitas das pessoas que votam um ódio de morte a estas criaturas pensavam, as baratas comunicam entre si, e decidem o que fazer em conjunto. O mais curioso é que as baratas ao decidirem o que fazer como grupo são democratas exemplares. [... ler mais]

Num artigo recente nos Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1), Jean-Marc Amé e colegas resolveram testar o modo como as baratas da espécie Blattella germanica decidem o que fazer aquando da escolha de um esconderijo. Numa tradução livre do resumo:

Animais que vivem em grupo são muitas vezes confrontados com a escolha entre um ou mais locais com recursos. Uma questão fulcral nesse processo de decisão colectivo inclui a escolha de quais os indivíduos que influenciam a escolha e quando o fazem.

O que os autores fizeram foi algo engenhoso e de uma simplicidade extrema. Colocaram os insectos num prato com três abrigos e verificaram como os animais se dividiam pelos abrigos. A troca de informação entre as baratas é feita através de estímulos químicos e tactéis entre as antenas de indivíduos do grupo. O processo de decisão começava sempre com a "consulta" demorada entre os vários indivíduos, através de toques entre antenas, e nas repetições efectuadas conduziu sempre a resultados em tudo semelhantes. As baratas dividiam-se sempre igualmente entre os abrigos. Por exemplo, 50 baratas frente a três abrigos, que podiam levar 40 baratas cada um, ocupavam apenas dois dos abrigos, com cerca de 25 baratas em cada um, enquanto o terceiro abrigo ficava vazio. Os autores do estudo colocaram em seguida os insectos num prato com 3 abrigos que pudessem levar mais de 50 baratas cada. Nesse caso os insectos iam todos para o mesmo. Voltando ao resumo, e à forma como os autores interpretam os resultados:
Este estudo teórico e experimental da escolha de abrigo entre grupos de baratas mostra que as escolhas podem resultar da dinâmica entre interações não lineares entre indivíduos iguais sem um conhecimento perfeito da liderança.

Esta parte é importante, nos grupos de baratas não havia um chefe, as baratas não eram coagidas a seguir nenhuma outra barata, a escolha era feita entre iguais, isto é, era "democrática". É importante notar que a interação social entre as baratas é de certa forma automática, o processo de tomada de decisão não é consciente.
Identificamos um mecanismo simples através do qual se atinge uma decisão imediata com troca de informação limitada e sem comparar as possibilidades disponíveis. Este mecanismo leva a um nível de benefício médio óptimo para o grupo de indivíduos.

As baratas beneficiam em ter um grupo grande, e daí que se possível se mantenham todas agrupadas. No entanto, quando isso não era possível, optavam pela solução que colocava todos os indivíduos do grupo em igualdade. Se optassem por ficar 40 num local e 10 no outro, as baratas do grupo menor ficariam em desvantagem. A escolha feita pelas baratas, de forma inata, tende a optimizar o benefício médio: todos os indivíduos são igualmente beneficiados, e o benefício que têm é o máximo que se pode ter em condições de igualdade. Os autores terminam notando que:
O nosso modelo sugere um processo colectivo genérico auto-organizativo de tomada de decisão independente da espécie animal.
Ou seja, o mesmo tipo mecanismo pode servir para outros animais como formigas, aranhas e peixes. Talvez até mesmo vacas e ovelhas pois muitas decisões nas manadas ou rebanhos não involvem nenhum tipo de liderança.

Não deixa de ser interessante notar que este tipo de solução não exige raciocínio, e as baratas chegam lá apenas com uns toques de antenas. As baratas são naturalmente cooperativas. Portanto já sabe, da próxima vez que perseguir uma barata com um chinelo ou com um jornal enrolado está a querer matar um pequeno democrata.

Ficha técnica
Imagem da barata no início da contribuição cortesia de João Estevão de Freitas.

Referências
(ref1) Jean-Marc Amé, José Halloy, Colette Rivault, Claire Detrain e Jean Louis Deneubourg (2006). Ecology Collegial decision making based on social amplification leads to optimal group formation. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, Laço DOI.

1 comentários:

Anónimo disse...

As baratas são naturalmente cooperativas. Portanto já sabe, da próxima vez que perseguir uma barata com um chinelo ou com um jornal enrolado está a querer matar um pequeno democrata.

Sensacional esta frase... Mas ja imagino os Nietzschenianos dizendo. Ta vendo? Democracia faz com que nos tornemos todos iguais como baratas...

Caio, queria te pedir um favor. Voce nao conseguiria fazer um post sobre o estado atual da blogosfera cientifica em Portugal? Se vc postar aqui, eu faria um link ou copiaria no SEMCIENCIA, pois estou tentando verificar o estado atual e o potencial de crescimento da blogosfera Brasileira...