quarta-feira, agosto 16, 2006

Abaixo da superfície do Etna

Esta soberba imagem tirada do espaço, a partir da Estação Espacial Internacional mostra uma visão da erupção no dia 30 de Outubro de 2002, cuja pluma de gás e cinza se eleva a 9000 metros acima do nível do mar e se curva no horizonte levando cinza até à Africa do Norte, a centenas de km de distância. Aliás, a costa africana é mesmo visível lá longe no horizonte, no topo da imagem. Esta fotografia é impressionante pois mostra não só a estrutura vertical da pluma mas também a sua extensão. Uns poucos minutos depois a tripulação mudou as lentes da câmara e obteve um panorama com uma abertura angular menor mas igualmente impressionante.[...ler mais]

A estrutura vertical da pluma, que se eleva a 6400 metros acima do topo da cratera do vulcão, pode ser apreciada nestas imagens espaciais de uma forma que não é possível mesmo com fotografias em aviões.

O artigo que me permitiu voltar a este fascinante tema, de Patanè e colegas, na revista Science (ref1), discute a inversão de dados de sismologia por forma a construir um modelo do que se passa por baixo da superfície de um vulcão durante uma erupção. Antes de passar ao tradicional resumo do artigo convém introduzir alguns dos diferentes tipos de ondas que resultam de abalos sísmicos. As ondas sísmicas mais importantes são as ondas compressivas (P), ondas de cisalhamento (S), ondas de Rayleigh (R), e ondas de Love (L). Para o artigo de Patanè e colegas as que interessam são as P e S.

As ondas P não são mais que as vulgares ondas sonoras, que se propagam no ar a cerca de 300 metros por segundo e na crosta terrestre a valores entre 5 a 7 km por segundo. Chamam-se ondas compressivas porque alternam compressões e dilatações no sentido de propagação da onda. Se isto parece pouco claro, aconselho vivamente a animação que se pode ver carregando na imagem abaixo, cortesia de L. Braile (ver ficha técnica).

As ondas S ou de cisalhamento, são mais lentas que as ondas P, com velocidades típicas na crosta de 3 a 4 km por segundo. Estas ondas exigem um substrato sólido, não se propagam através de fluídos como o ar ou água líquida. Caracterizam-se, tal como o nome indica, por oscilações perpendiculares ao sentido de propagação da onda. Se isto parece algo obscuro, aconselho a visualização de mais uma animação de L. Braile carregando na imagem abaixo.

Passemos então ao resumo do artigo de Patanè e colegas.

As continuadas actividades vulcânica e sísmica no Monte Etna fazem deste vulcão um laboratório importante para estudos sísmicos e geofísicos. Utilizámos repetições de tomografia tridimensional para detectar variações nos parâmetros elásticos durante diferentes ciclos vulcânicos, antes e depois da erupção no flanco que ocorreu de Outubro de 2002 a Janeiro de 2003. Foram revelados valores bem definidos baixo e anómalos dos quocientes das velocidades das ondas P e S.
O que os autores fizeram foi utilizar uma vasta rede de sismógrafos na Ilha da Sicília para construir um mapa das ondas sísmicas em profundidade para vários valores da latitude e longitude, isto é puderam construir mapas tridimensionais da velocidade em toda a zona em redor do vulcão. Estes mapas tridimensionais foram construídos em períodos diferentes, daí a referência a tomografia quadridimensional. Ora o quociente entre a velocidade das ondas P e S varia com as características do material que atravessam, e foi esse parâmetro que os autores utilizaram para compreender o que sucedia nas entranhas do vulcão durante a erupção.

A figura abaixo mostra alguns cortes bidimensionais feitos em três intervalos de tempo diferentes e a latitudes diferentes. Todos os gráficos mostram o quociente entre a velocidade das ondas P e S em função da altitude e de longitude. A escala de cores no topo da imagem dá os valores do quociente que vão desde 1.6 para o vermelho a 2.1 para o violeta. Os contornos branco e vermelho delimitam em cada gráfico regiões onde o quociente pôde ser determinado com grande confiança. Os gráficos da esquerda (A) e centro (B) indicam períodos anteriores à erupção, enquanto os gráficos da coluna da direita (C) são referentes a um período durante a erupção.

Se repararem com atenção nos gráficos C podem verificar que há uma pequena mancha vermelha que corresponde a um local onde o quociente entre a velocidade das ondas P e S é muito baixo. Trabalhos anteriores tinham mostrado que isso acontece, por exemplo, se o material for rico em material gasoso, embora haja outras possibilidades para esse valor anómalo, que precisam de ser testadas com informação complementar. Continuando com o resumo:
Ausentes durante o período pré-eruptivo, as anomalias traçam a intrusão de magma basáltico rico em voláteis (>4 em percentagem do peso), a maior parte do qual se elevou apenas uns poucos meses antes do início da erupção. As mudanças temporais observadas nas anomalias da velocidade sugerem que a tomografia quadridimensional fornece uma base para mais eficientes monitorização dos vulcões e previsões a curto e médio prazos da actividade explosiva.

Tal como indicado na parte que destaquei a negrito, esta técnica tem um potencial enorme para os esforços de previsão, embora por enquanto o tipo de cobertura por sismógrafos que pôde ser utilizado aqui não exista para a grande maioria dos vulcões activos. O estudo de Patanè e colegas é discutido num outro artigo no mesmo volume da Science (ref2) da autoria de Gillian R. Foulger. Nesse artigo, para além de uma curta discussão dos princípios subjacentes à técnica utilizada e referência a estudos anteriores, a autora discute alguns dos cuidados a ter quando se interpretam estes resultados. Não vou entrar em detalhes pois esta contribuição já vai longa, deixo apenas o sugestivo título desse artigo:
Geofísica: em direcção à tecnologia dos supervulcões.
Ficha técnica
As animações apresentadas, e exemplos também das ondas de Love e Rayleigh, podem ser encontradas nas páginas de L. Braile na Universidade de Purdue, Seismic Wave Demonstrations and Animations.

Referência
(ref1) D. Patanè, G. Barberi, O. Cocina, P. De Gori, C. Chiarabba (2006). Time-Resolved Seismic Tomography Detects Magma Intrusions at Mount Etna. Science Vol. 313. no. 5788, pp. 821 - 823. Laço DOI.
(ref2) Gillian R. Foulger (2006). GEOPHYSICS: Toward "Supervolcano" Technology. Science Vol. 313. no. 5788, pp. 768 - 769. Laço DOI.

2 comentários:

Anónimo disse...

deixei um comentário no caisastro...espero que o vejas...
já agora, tens um blog de elevada qualidade científica e visual. espero que o meu recem criado possa se assemelhar em qualidade ao teu.

Anónimo disse...

Blog mto interessante, sim senhor!!