sexta-feira, março 02, 2007

A beleza das criaturas feias

Para curar sentimentos de desânimo não há nada melhor que uma imagem destas criaturas deliciosamente feias, os ratos toupeiros nus africanos, de seu nome científico Heterocephalus glaber. Vivem em colónias que em média possuem em torno de 75 a 80 animais, embora possam ultrapassar os 290 indivíduos. São razoavelmente comuns nas zonas áridas do chamado Corno de África, vivendo na maior parte da Somália, Etiópia central e no norte e este do Quénia. Esta massa de corpos adormecidos são os membros de uma colónia, e a criatura maior por cima de todos os outros é a fêmea dominante da colónia, a rainha, que está grávida. No dia seguinte a esta fotografia ter sido tirada, esta fêmea deu à luz uma ninhada de 27 vigorosos ratinhos toupeiros. Algo que não deixa de ser surpreendente, dado o tamanho relativamente minúsculo destes animais. Os adultos capturados no estado selvagem têm comprimentos do corpo e cabeça entre os 103 e os 136 milímetros, a que se acrescenta uma cauda entre 32 a 47 milímetros. O peso médio é de 33 gramas, não excedendo em geral 70 gramas. As crias nascem com 1 a 2 gramas de peso, logo 27 pequerruchos é obra. [... ler mais]

Já que encontrei um artigo de 2002 de Jennifer Jarvis e Paul Sherman (ref1) que faz uma descrição sucinta, se bem que detalhada, destas criaturas, nada melhor que partilhar alguma da informação aqui neste blog. Quem estiver interessado em maior detalhe poderá consultar esse artigo, cuja referência é dada no final da contribuição. Vou fazer um apanhado de alguns aspectos interessantes destes animais, essencialmente ligados à estrutura social, fisiologia e alguns hábitos. Para terem uma ideia de escala dos bicharocos eis aqui uma imagem de um deles a passear sobre um ser humano:

Os ratos toupeiros vivem em tocas subterrâneas formadas por túneis e algumas câmaras mais largas, os "ninhos", que são hipóxicas (pobres em oxigénio) e hipercápnicas (com excesso de dióxido de carbono). Contrabalançam isso com uma grande afinidade sanguínea para o oxigénio e com níveis reduzidos de actividade. São animais pachorrentos mas nem sempre, quando toca a escavar são mesmo frenéticos. As tocas são construídas escavando com os dentes, não com as patas, e isso vê-se nos poderosos músculos das mandíbulas, que representam 25% da massa corporal do animal. A escavação é um processo de trabalho de equipa. Um animal escava e atrás dele há uma cadeia de outros animais que varrem os detritos até um animal de maiores dimensões que os lança para o exterior. Os montinhos resultantes, que se assemelham a cones vulcânicos são a única pista visível do exterior da existência da colónia. Quando escavam os ratos toupeiros não perdem tempo, trabalham muito depressa, lançando qualquer coisa como 13,6 kg de detritos por hora. É que o buraco por onde são lançados os detritos permite a entrada de cobras ou formigas e o animal que faz os lançamentos é particularmente vulnerável. Foi observado que num ano uma colónia de cerca de 90 indivíduos produziu cerca de 500 montinhos, correspondentes a qualquer coisa como 3,600 a 4,500 kg de solo e mais de dois km de túneis. Os ratos toupeiros vivem em terrenos duros e em geral escavam apenas após períodos de chuva que amolecem os terrenos, o que é mais uma razão para se despacharem.

Uma das características mais notáveis dos ratos toupeiros nus é que são poiquilotérmicos (de sangue frio), mantendo uma temperatura variável próxima da temperatura ambiente entre os 12-37ºC. Regulam a temperatura por mecanismos ectotérmicos, essencialmente por condução: aquecem-se indo para regiões das tocas mais próximas da superfície, logo aquecidas pelo Sol, arrefecem indo para regiões mais profundas. Uma das formas que os cientistas encontram para que os animais em cativeiro consigam manter-se a uma temepratura conveniente é colocar garrafas com àgua quente, como a qur se mostra na imagem abaixo, junta à qual eestá uma cria a aquecer-se.

Adaptados à vida em zonas desérticas estes animais não bebem água, obtendo os líquidos de bolbos e tubérculos que encontram durante as suas escavações. São herbívoros consumindo alimentos de relativamente baixa qualidade, mas possuem uma grande eficiência digestiva, ajudada em grande parte por microorganismos simbióticos que vivem no seu aparelho digestivo. Praticam também a auto-coprofagia, isto é, ingerem os próprios excrementos, algo bastante mais útil do que pode parecer à própria vista. Aparentemente não só aumenta a eficiência do processamento digestivo, como permite aos ratos toupeiros recuperar alguns dos simbiontes, e até ganhar algumas proteínas a partir de simbiontes que venham a ser digeridos. Já que estou a falar dos hábitos alimentares não resisto a mostrar mais uma imagem. Esta foto é fabulosa, o bicho é mesmo irresistivelmente feio, totalmente adorável.

A fêmea dominante numa colónia de ratos toupeiros nus controla o estatuto reprodutivo dos membros da colónia através do seu mau feitio. Apenas uma fêmea (ocasionalmente duas) e um a dois machos (ocasionalmente três) são sexualmente activos. O mecanismo de supressão é sociológico, através de dominância agressiva, não sendo mediado por pistas químicas (feromonas) da fêmea dominante. Quando encontra outros membros da colónia a raínha trata-os de forma bruta, empurrando-os ou passando-lhes por cima. Se por acaso ela morrer as fêmeas maiores começam a ovular e mantêm lutas ferozes que podem originar ferimentos e levar mesmo à morte. Entre os machos é a escolha da fêmea dominante, e não a agressividade entre machos, que decide quem se reproduz. Os que levam menos tareia da raínha são os sexualmente activos. Apesar de apenas uma fêmea procriar não é difícil manter o tamanho da colónia, pos são animais extraordinariamente prolíficos: as fêmeas podem dar à luz ninhadas a cada 76 a 84 dias. Uma fêmea capturada no estado selvagem, gerou mas de 900 crias nos onze anos em que foi mantida em cativeiro. Os pequenotes começam a trabalhar a sério na colónia bastante cedo, assim que são efectivamente desmamados com cinco semanas de vida. Eu referi atrás que estes animais são herbívoros, o que não é totalmente verdade, as crias que morram são consumidas.

Ficha técnica
Imagem do rato toupeiro a alimentar-se cortesia de Ltshears - Trisha M Shears, via Wikimedia Commons.
As segunda e tereceita imagens (c) 2003 Steve Baskauf retiradas das páginas da Bioimages.
Imagem no início da contribuição retirada do artigo abaixo.

Referências
(ref1) Jennifer U.M. Jarvis and Paul W. Sherman (2002). Heterocephalus glaber. Mammalian Species 706, pp 1-9.

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