Esta imagem coloca lado a lado seres humanos e os nossos parentes mais próximos juntamente com as espécies de piolhos características de cada um. O senhor das barbas surge junto a duas espécies de piolhos, enquanto os nossos primos antropóides têm a seu lado apenas um dos sugadores de sangue. Os chimpanzés são parasitados por apenas uma espécie de piolho, o Pediculus schaeffi, de forma longa e arredondada. Os seres humanos são também parasitados por uma espécie de piolho do mesmo género, o Pediculus humanus, o vulgar piolho da cabeça. Os gorilas são por sua vez parasitados por piolhos da espécie Phtirus gorillae. Esse género parasita também os seres humanos, através da espécie Pthirus pubis, o piolho das zonas púbicas. É da sua forma achatada que vem o nome vulgar da criatura em português, que por sua vez entrou no falar popular como sinónimo de aborrecido. O Pthirus não parasita os chimpanzés nem o Pediculus os gorilas.
Os leitores mais atentos terão identificado o ser humano de barbas que surge na fotografia como sendo Charles Darwin. Esta contribuição não tem que ver com os piolhos do senhor Darwin mas sim com relações evolutivas entre hospedeiros e parasitas. Vou hoje falar de um estudo que investigou quando é que as várias espécies de piolhos dos seres humanos e dos grandes símios se separaram de um antepassado comum. Os resultados são no mínimo curiosos, levantando a possibilidade de que os nossos antepassados algo distantes não fossem insensíveis aos encantos dos gorilas. [... ler mais]
O trabalho em questão foi publicado num artigo da autoria de David Reed e colegas na revista BMC Biology. O objectivo do artigo não é apenas compreender as relações de parentesco mas também o que elas nos explicam sobre a evolução humana. Isso é explicado pelos autores na parte do resumo referente à motivação:Sabe-se que os piolhos sugadores de sangue dos primatas atravessaram pelos menos 25 milhões de evolução conjunta com os seus hospedeiros. Por exemplo, os piolhos dos chimpanzés e os piolhos humanos da cabeça e do corpo partilharam um antepassado comum há aproximadamente seis milhões de anos atrás, uma divergência que é contemporânea com a dos seus hospedeiros. Numa situação em que os piolhos são muitas vezes altamente específicos dos hospedeiros, os seres humanos albergam dois géneros diferentes de piolhos, um que é partilhado com os chimpanzés e outro que é partilhado com os gorilas. Neste estudo, reconstruímos a história evolutiva dos piolhos dos primatas e inferimos os eventos históricos que explicam a distribuição corrente desses piolhos nos seus hospedeiros primatas.
A imagem que mostrei com o senhor Darwin, o chimpanzé, e o gorila inclui à esquerda a árvore filogenética dos parasitas, e à direita a árvore filogenética dos hospedeiros. Os piolhos de gorilas, humanos e chimpanzés estão de facto muito mais próximos uns dos outros que dos piolhos de outros primatas, que por sua vez estão mais próximos que os dos roedores. Mas para lá da reconstrução filogenética os autores do artigo queriam números, mais exactemente datas. Foi daí que veio a surpresa, que é explicada na parte do resumo dedicada aos resultados:Análises filogenética e cofilogenéticas sugerem que os piolhos dos géneros Pediculus e Pthirus são ambos monofiléticos, e os grupos taxonómicos irmãos um do outro. A idade do antepassado comum mais recente das duas espécies de Pediculus estudadas concorda com idade prevista para a divergência dos hospedeiros (cerca de 6 milhões de anos), enquanto a idade do antepassado do Pthirus não. As duas espécies de Pthirus (Pthirus gorillae e Pthirus pubis) partilharam pela última vez um antepassado comum há cerca de 3 a 4 milhões de anos, o que é consideravelmente mais recente que a divergência entre os seus hospedeiros (gorilas e humanos, respectivamente), de aproximadamente 7 milhões de anos atrás.
Os piolhos púbicos humanos terão passado dos gorilas para os seres humanos há relativamente pouco tempo, e numa altura em que os antepassados dos gorilas actuais e humanos actuais eram já espécies separadas há muito tempo. A questão é como isso foi feito. Ora os piolhos púbicos humanos são passados, por exemplo, através do contacto sexual. Daí o título desta contribuição, inspirado na frase «Is this evidence of a Pliocene love that dare not speak its name?» que Carl Zimmer coloca numa contribuição no The Loom dedicada a este tema. Aconselho essa contribuição (em inglês) a quem estiver interessado neste tema. Os autores do artigo original respondem mesmo às questões dos leitores.
Voltando então à forma como os piolhos terão passado dos gorilas para os humanos. É possível que tenha a ver não com a paixão mas com um apetite de outra ordem. Por vezes os parasitas passam dos predadores para as suas presas. Os autores do estudo sugerem como possibilidade que os hominídeos tenham apanhado os piolhos púbicos ao consumirem carcaças de antepassados dos gorilas, há 3.3 milhões de anos atrás. É algo complicado pois os humanos dessa época não caçavam animais de grande porte. Outro possibilidade avançada pelos autores é que os humanos poderiam ocupar os "ninhos" que os gorilas construíam para dormir. Embora estas sejam possibilidades a ter em conta eu vejo no entanto alguns problemas: não se conhecem vestígios humanos dessas épocas das regiões hoje em dia ocupadas pelos gorilas. Por outro lado isso também não quer dizer muito, pois não se conhecem vestígios de gorilas dessa épocas, pelo que não se sabe por onde andavam e qual seria a sua diversidade.
A pista para conhecer melhor o que se passou repousará provavelmente no material genético dos piolhos púbicos humanos. Os piolhos da cabeça humanos existem em várias linhagens, que se separaram há milhões de anos. É possível que algo semelhante suceda nos piolhos púbicos, mas são precisos mais estudos deste tipo. Estes estudos podem dizer-nos coisas sobre aspectos humanos que não se conhecem do registo fóssil: os piolhos púbicos existem em zonas de pelagem algo esparsa, e isso pode ter implicações quanto à pelagem dos nossos antepassados. Os autores do estudo sugerem que os nossos antepassados de há 3.3 milhões de anos já tinham começado a perder o pêlo.
Referências
(ref1) David L Reed, Jessica E Light, Julie M Allen, and Jeremy J Kirchman (2007). Pair of lice lost or parasites regained: the evolutionary history of anthropoid primate lice. BMC Biology, 5:7. Laço DOI.
sexta-feira, março 09, 2007
Uma história de amor antiga que não deve ser falada?
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Biologia
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1 comentários:
Foi uma agradável surpresa achar este blog, por acaso, ao procurar algo sobre lampreias para um relatório de aula de zoologia que faço.
Voltarei para ler mais, definitivamente.
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