segunda-feira, março 05, 2007

Quando há mais ratos a alimentar que mamas disponíveis é preciso esperar pela vez

Esta é uma fotografia da raínha de uma colónia de ratos toupeiros nus africanos, espécie cujo nome científico é Heterocephalus glaber. Como eu discuti na última contribuição sobre estas criaturas, estas raínhas passam o tempo a agredirem os seus subordinados para os manterem no seu lugar. A algo despótica soberana da imagem está em período de aleitamento, e a fotografia ilustra outra peculiaridade destes animais. No lado esquerdo da imagem conseguimos contar 6 mamas, e podemos admitir um número semelhante no lado direito. O que há de estranho nisso? Bem, são manifestamente poucas se pensarmos nos números heróicos de crias a que podem dar à luz. Se se lembram eu referi na última contribuição uma fêmea que deu à luz 27 ratinhos toupeiros. [... ler mais]

A relação entre o número de crias e o números de mamas dos ratos toupeiros nus é descrita num artigo de Paul Sherman, Stanton Braude, e Jennifer Jarvis na revista Journal of Mammalogy (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Entre os mamíferos em geral, e entre os roedores em particular, os tamanhos médios das ninhadas são cerca de metade do número de mamas, e o tamanho máximo das ninhadas aproxima-se do número de mamas.

Os seres humanos seguem esta regra. O número típico das "ninhadas humanas" é um, com gémeos a aparecerem de vez em quando.
Os ratos toupeiros nus (Heterocephalus glaber: Bathyergidae) são excepções a ambas as generalizações. Ninhadas apanhadas no terreno tinham em média 11.3 jovens +- 6.2 SD (n = 82), e ninhadas nascidas em cativeiro tinham em média 11.4 +- 5.6 jovens (n = 190). De modo semelhante, números de mamas em fêmeas procriadoras eram em média 11.6 +- 1.1 (n = 43) no terreno e 11.5 +- 2.0 (n = 29) em cativeiro. O tamanho máximo das ninhadas foi de 28 no terreno e 27 em cativeiro, enquanto o número máximo de mamas foi de 15.

Mais surpreendente ainda, muitos ratos toupeiros nus não são simétricos nas propriedades mamárias.
Mais de metade dos machos e fêmeas em cativeiro ou apanhados na natureza tinham números diferentes de mamas nos dois lados dos seus corpos. Nem o número totoal de mamas nem as assimetrias nos números mamários diferia de forma significativa entre machos e fêmeas, nem entre procriadores e não procriadores. Não existia relação entre tamanhos das ninhadas e números de mamas ou assimetrias nos números mamários.

Ora o que sucede aos ratinhos "excedentários"?
As fêmeas procriadoras dos ratos toupeiros nus podem gerar e criar com sucesso ninhadas que são bastante maiores que o seu número de mamas porque, num nível próximo, os jovens amamentam-se à vez da mesma mama, e a um nível mais vasto, as fêmeas procriadoras são alimentadas e protegidas pelos outros membros da colónia, permitindo-lhes concentrar os seus esforços reprodutivos na gestação e no aleitamento.

Mais uma vez a generosidade dos ratos toupeiros só é equiparada ao seu mau feitio: os membros da colónia entretêm-se a dar tareia aos pequenitos, e talvez eu venha a falar nisso daqui a algum tempo. Os ratos toupeiros quebram ainda outra das regras típicas dos mamíferos, a esperança de vida, algo de que falarei amanhã.

Referências
(ref1) Paul W. Sherman, Stanton Braude, Jennifer U. M. Jarvis (1999). Litter Sizes and Mammary Numbers of Naked Mole-Rats: Breaking the One-Half Rule. Journal of Mammalogy, Vol. 80, No. 3, pp. 720-733. Laço DOI.

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