A ave que surge na imagem a segurar uma bolota é uma gralha da Califórnia, da espécie Aphelocoma californica. São animais vistosos e constantement atarefados, constituindo provisões de alimentos que guardam em esconderijos. Ora esconder e recuperar estes alimentos exige uma certa capacidade de memorização por parte destas criaturas. Estas aves conseguem recordar que tipo de comida armazenaram, onde e quando o fizeram, e até que outras aves estavam a vê-las guardarem o alimento. Elas usam então essas memórias para recuperaram a comida e para a protegerem de outras aves. Isso em si já é notável, mas foi descoberto recentemente que estas aves possuem uma capacidade de planeamento que se julgava única aos seres humanos. Estes animais parecem ser capazes de compreenderem o conceito de futuro e de alterarem o seu comportamento em função das necessidades que antecipam. [... ler mais]
O artigo é recente, saiu na semana passada, é da autoria de Caroline Raby e colegas e foi publicado na revista Nature (ref1) . Numa tradução livre do resumo:O conhecimento e o planeamento do futuro é uma habilidade complexa considerada por muitos como sendo unicamente humana. Nós não nascemos com ela; as crianças desenvolvem um sentimento do futuro por volta dos dois anos de idade e alguma habilidade de planeamento apenas por volta dos quatro a cinco anos de idade. De acordo com a hipótese de Bischof-Köhler apenas os humanos conseguem dissociar-se das suas motivações correntes e tomarem acção para necessidades futuras: outros animais são incapazes de antecipar necessidades futuras e quaisquer comportamentos orientados para o futuro que exibam são quer padrãoes de comportamento fixos quer guiados pelo seu estado de motivação corrente. As experiências descritas aqui testam se um membro da família dos corvídeos, a gralha da Califórnia (Aphelocoma californica), faz planos para o futuro. Mostramos que as gralhas fazem provisões para necessidades futuras, quer ao esconderem de forma preferencial comida num local em que aprenderam que vão ter fome na manhã seguinte, quer por armazenarem de forma diferenciada um alimento em particular num local em que esse tipo de alimento não irá estar disponível na manhã seguinte.
Aqui convém fazer um pequeno parêntesis para explicar em que é que consistiu a experiência. O dispositivo experimental encontra-se ilustrado na figura abaixo. Cada ave era alojada numa gaiola com três compartimentos A, B e C como se mostra na figura. Estes compartimentos podiam ser separados por divisórias transparentes ou deixados abertos em contacto com os outros.
Os autores executaram duas experiências. A primeira experiência envolveu oito gralhas, cada uma deleas testada durante uma semana. Das 9 da manhã às 5 da tarde de cada dia, a gralha tinha livre acesso a uma mistura nutritiva desfeita no comedouro no compartimento B, e tinha ainda acesso a ambos os compartimentos A e C. A comida era em seguida retirada durante 90 minutos e às seis e meia eram colocados pinhões desfeitos no comedoiro e as travessas de plástico com esconderijos eram colocadas nos compartimentos A e C. Durante a noite o animal não eram alimentado, e por volta das 7 da manhã era fechado nos compartimentos A ou C, em manhãs alternadas. Num desses compartimentos recebia um pequeno-almoço de pinhões desfeitos, no outro não recebia nada. Depois dessas duas horas voltava a rotina da 9 às 5, seguida dos pinhões desfeitos às seis e meia da tarde. Ao fim de seis dias, em que passaram três manhãs sem e três manhãs com pequeno-almoço os autores testaram finalmente a capacidade de planeamento. Nessa noite, de forma inesperada, colocaram 30 pinhões inteiros no comedouro, algo que os pássaros podiam guardar. Os pássaros podiam assim escolher entre comer imediatamente ou guardar comida nos compartimentos A e C para a manhã. Ora as gralhas guardaram cerca de três vezes mais pinhões no compartimento onde sabiam não haver pequeno almoço que no compartimento onde esperavam pequeno almoço.
A interpretação deste resultado é complicada pelo facto de se ter demonstrado, no caso de experiências com ratos, que estes aprendem a comer mais numa sala onde sabem que vão passar fome. Os ratos desenvolvem uma espécie reflexo condicionado à fome, não uma verdadeira projecção no futuro. Para mostrarem que não era isso que acontecia com as gralhas os autores elaboraram uma segunda experiência, muito semelhante à primeira, e que envolveu os oito pássaros da primeira experiência mais uma gralha que não tinha participado do primeiro teste. A diferença nesta segunda experiência era que das 7 às 9 da manhã as gralhas tinham direito a pequeno almoço quer ficassem no compartimento A ou C, só que a pequenos almoços distintos. Num compartimento recebiam biscoitos de cão desfeitos, no outro recebiam amendoins desfeitos. Os animais alternaram este regime durante 6 dias, recebendo às seis e meia da tarde uma mistura de biscoitos e amendoins desfeitos no comedouro do compartimento B. No sétimo dia foram então colocados no comedouro 15 biscoitos e 15 amendoins inteiros, algo que as gralhas podiam esconder. Ora o que os autores verificaram foi que as gralhas escondiam mais comida de cão no compartimentos dos amendoins e vice-versa. Isto é exactamente o contrário do que se esperaria de uma resposta condicionada, e evidência clara de planeamento. Não deixa de ser extraordinário que as gralhas não só planeiem o facto de terem comida sufiente como tentem balançar a comida por forma a terem uma dieta mais alargada. Os autores terminam o resumo com:Os resultados descritos aqui sugerem que as gralhas podem planear espontaneamente para o amanhã sem referência ao seu estado de motivação corrente, desta forma desafiando a ideia de que esta é uma habilidade única dos humanos.
Mais adiante no artigo refere-se no entanto um ponto importante. Como não podemos falar com as gralhas não temos verdadeiramente forma de saber se o pássaro está de facto a projectar-se a ele mesmo na situação da manhá seguinte. Pode tratar-se daquilo a que os autores chamam "pensamento futuro semântico" em que a gralha toma uma acção de antecipação mas sem viajar mentalmente no futuro. Qualquer que seja a forma como as gralhas tomam as suas decisões, conseguem planear para pelo menos o dia de amanhã. Extraordinário.
Ficha técnica
Imagem da gralha no início da contribuição retirada da Wikimedia Commons.
Referências
(ref1) C. R. Raby, D. M. Alexis, A. Dickinson and N. S. Clayton (2007). Planning for the future by western scrub-jays. Nature 445, 919-921. Laço DOI.
quinta-feira, março 01, 2007
Planear para o dia de amanhã
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Biologia
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1 comentários:
Curioso... O pessoal do interior do Brasil sustenta que o pássaro conhecido no Brasil como João-de-Barro e em Portugal como Forneiro, sempre orienta o orifício de entrada em seus ninhos na direção contrária a dos ventos dominantes na estação seguinte.
Aí, já nem seria "planeamento para amanhã": seria um Seriço de Previsão Meteorológica... (que, dizem os "roceiros", funciona muito bem...)
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