sábado, março 10, 2007

As placas que não aquecem

Esta imagem mostra o aspecto de uma reconstrução de Stegosaurus, da autoria do artista Charles Knight (1874-1953), retirada de uma revista Harpers de 1897. Esta visão é muito mais próxima da ideia que temos hoje do animal do que a "criatura das telhas", que mostrei numa contribuição anterior, embora se saiba hoje que o número de placas e de espigões na reconstrução acima está errado. Sabemos hoje em dia, mais de cem anos passados, muito mais sobre a osteologia destes animais, no que se refere a coisas como o crânio, esqueleto, número de placas e de espigões. Apesar disso, a função das placas continua a ser um verdadeiro quebra-cabeças. Pensou-se inicialmente que funcionariam como uma protecção, contudo, uma análise detalhada da sua estrutura interna, mostrou que eram demasiado frágeis para isso. Eram no entanto estruturas vascularizadas e alguns autores avançaram uma possível função de regulação térmica. Parece no entanto que não seriam muito eficientes como radiadores. Qual seria então a função dessas estruturas? Alguns autores sugerem que seriam essencialmente decorativas, para que membros de diferentes espécies se reconhecessem entre si. [... ler mais]

O trabalho de que vou falar é da autoria de Russell Main e colegas, que o publicaram na revista Paleobiology (2001). Vou poupar-vos à metade inicial do resumo, rica em termos técnicos difíceis de traduzir. Numa tradução livre do segundo parágrafo do resumo temos então:

A "canalização" das placas do Stegosaurus não aparenta ter sido feita para suportar um sistema de "radiador" de vasos sanguíneos internos que comunicassem com o exterior das placas e corressem ao longo das suas superfícies externas para devolverem sangue aquecido ou arrefecido ao interior do corpo. É possível que um sistema exclusivamente externo apoiasse essa função mas não existe evidência independente para isso.

Claro que possuindo apenas o esqueleto não se pode afirmar grande coisa quanto à existência de estruturas que não fossilizaram. Aquile que se conhece tinha as "ligações" de maneira errada para assegurar um fluxo eficiente e controlável de calor. Para que serviriam então todos esses vasos sanguíneos se não para trocas de calor?
Na verdade, muitas das características vasculares nas placas e espigões dos estegossauros reflectem aspectos estruturais de crescimento e produção de osso. As características vasculares da superfície muito possivelmente suportavam o crescimento ósseo e a sua remodelação, bem com o fluxo de sangue a uma cobertura de queratina.

Nesse trabalho os autores usam informação filogenética. Conhecem-se hoje em dia muitos animais aparentados aos estegossauros, e pode assim estudar-se a evolução e génese das estruturas dérmicas desses animais. Tudo começou com pequenas estruturas arredondadas ou ovóides que podiam alargar-se e cobrir partes do corpo ou projectar-se como relevo, ou ambas as coisas. Ora as características dos vasos sanguíneos das placas dos estegossauros não se mostram muito diferentes do que se observa nas estruturas a partir das quais evoluiram, e às quais não se atribuem funções de regulação térmica.
Quando as características gerais e de micro-estrutura das placas e espigões são encaradas no contexto filogenético, não surge um padrão claro de função termorreguladora, ambora um papel acessório não possa ser eliminado nalguma espécies em particular. Parece mais provável, como se observa noutros grupos de dinossauros, que a variação na armadura dérmica dos estegossauros estivesse ligada essencialmente à identificação e reconhecimento da espécie, talvez de forma secundária a exibições de carácter inter e intra-específico, e raramente a regulação térmica facultativa.

Enfim, o problema não está verdadeiramente resolvido, de certeza que continuarão a ser publicados artigos sobre este tema.

Ficha técnica
Ilustração da autoria de Charles Knight (1874-1953) obtida a partir de www.copyrightexpired.com.

Referências
(ref1) Russell P. Main, Armand de Ricqlès, John R. Horner and Kevin Padian (2005). The evolution and function of thyreophoran dinosaur scutes: implications for plate function in stegosaurs. Paleobiology v. 31; no. 2; p. 291-314. Laço DOI.

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