quarta-feira, março 21, 2007

As ratazanas que sabem que podem errar

Esta é uma ratazana com apenas uma semana de vida, uma criatura nua, cega, e indefesa. Está próxima de uma moeda de 25 cêntimos de dólar, que é mais ou menos do diâmetro de uma moeda de 50 cêntimos de euro, pelo que se pode ver que é pequeníssima. De facto não parece grande coisa, só que as aparências iludem, e as ratazanas partilham algumas capacidades notáveis com os seres humanos. Como descrevi na última contribuição, esta pequena criatura tem o potencial para vir a dar ultrassonoras gargalhas e, caso seja macho, poderá mesmo vir a cantar belíssimas canções de amor. Se isso não vos parece particularmente notável, então e se eu disser que as ratazanas parecem ser capazes de antecipar o seu desempenho numa determinada tarefa? Pois é, as ratazanas possuem aquilo a que se chama capacidade metacognitiva. [... ler mais]

A capacidade para meditar acerca das suas próprias proezas mentais é uma característica óbvia dos humanos e todos fazemos uso dela regularmente. É claro que com os seres humanos é algo fácil de testar, basta perguntar aos indivíduos envolvidos. Mostrar que essa capacidade existe em animais é algo que pode parecer muito complicado mas que se consegue fazer. Alguns primatas não humanos parecem possuir essa capacidade de antever o desempenho, o que em si não é tão surpreendente quanto isso, pelo menos não tão surpreendente como descobrir que a modesta ratazana parece capaz de fazê-lo. Isso é o que sugere um estudo efectuado por Allison Foote e Jonathon Crystal, e publicado na revista Current Biology (ref1). Numa tradução livre do resumo:

A habilidade de reflectir acerca dos seus próprios processos mentais, designada metacognição, é uma das características que define a existência humana. Como consequência, uma questão fundamental nos estudos cognitivos comparados é saber se animais não humanos possuem conhecimento dos seus próprios estados cognitivos. Evidência recente sugere que pessoas e primatas não humanos são capazes de comportamento metacognitivo, enquanto espécies menos sofisticadas do ponto de vista cognitivo não são capazes de o fazer. Mostramos aqui, pela primeira vez, que as ratazanas são capazes de metacognição, isto é, elas sabem quando não conhecem a resposta num teste de discriminação de duração.

O teste vinha em dois sabores, um com três opções, outro com duas opções.
Antes de fazerem o teste de duração era dada às ratazanas a oportunidade de desistirem do teste, Noutras tentativas, não lhes era dada essa opção. Um desempenho acertado no teste de duração acarretava uma grande recompensa, enquanto falhar no teste resultava em nenhuma recompensa. Desistir do teste assegurava uma recompensa pequena mas garantida.

O teste era simples. Era dado um sinal sonoro às ratazanas que podia ser curto (entre 2 e 3.6 segundos) ou longo (4.4 a 8 segundos). Em seguida elas tinham que escolher entre colocarem os seus focinhitos num buraco para indicarem uma duração longa, ou num outro buraco para indicar duração curta. Caso acertassem tinham uma recompensa generosa de alimento, caso errassem não levavam nada nada. Nalguns dos testes podiam optar por meter o nariz num terceiro buraco, que dava sempre uma recompensa, se bem que bastante menor (o buraco do não sei). Como estão a ver nalguns casos a escolha seria óbvia, por exemplo um sinal de dois segundos de duração, ou um de oito segundos. Mas e para um sinal próximo dos 3.6 ou 4.4 segundos?
Se as ratazanas possuissem conhecimento relativo a saberem ou não a resposta ao teste, esperar-se-ia que desistissem com maior frequência nos testes de maior dificuldade, e que mostrasse menor acerto nos testes difíceis em que não pudessem desistir. Os nossos dados mostram evidência para ambas as previsões e sugerem que um não primata possui conhecimento acerca do seu próprio estado cognitivo.

Ratazanas que sabem à partida se devem contentar-se com uma recompensa menor, pois há a possibilidade de falharem. Fabuloso. Algumas professores, constantemente incomodados por alunos que consideram que a nota do teste não reflecte o seu desempenho, provavelmente estarão a rir para com os seus botões.

Ficha técnica
Imagem cortesia de Mark Blumberg via PLoS Biology.

Referências
(ref1) Allison L. Foote and Jonathon D. Crystal (2007). Metacognition in the Rat. Current Biology, no prelo.

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