quinta-feira, agosto 03, 2006

Os queixumes das aranhas cantoras

Quando descobri que afinal os ratos cantavam canções de amor e tinham um chilrear comparável ao das aves canoras fiquei surpreendido. Mas descobrir que as aranhas também cantam é igualmente impressionante. O primeiro quadro da figura mostra uma imagem de uma quelícera de uma aranha fêmea da espécie Physocylus globosus. A seta a vermelho indica uma série de estrias. O segundo quadro mostra um pedipalpo com uma seta a indicar alguns pequenos relevos. Quando a fêmea roça os relevos dos pedipalpos nas estrias das quelíceras produz som, que usa para transmitir mensagens. Os alvos dessas mensagens? Os machos da espécie. Só que não são canções de amor, são para atazanar os machos que não se estejam a empenhar como deve ser no acasalamento. [... ler mais]

Eu sabia que as aranhas macho enfrentavam um desafio perigoso, mas não que tinham que aturar as queixas da fêmea. Realmente as pobres criaturas não têm uma tarefa fácil. Foi isso que descobriram Alfredo Peretti e colegas, cuja pesquisa foi publicada na revista Journal of Animal Behavior (ref1).


Estranhamente, um tema tão fascinante como o sexo das aranhas parece não ter despertado muito interesse junto dos meios de comunicação. Apesar disso, depois de procurar nos locais que costumam falar de assuntos de ciência, lá encontrei um sítio (ver na ficha técnica) com fotos tiradas pelo autor principal do artigo. Mostram-se acima, à esquerda, numa vista ventral, e à direita, numa vista de perfil, imagens dos pedipalpos que o macho usa para colocar esperma na abertura genital da fêmea que se mostra na imagem ao lado. O macho da Physocylus globosus não faz a drástica hemipenectomia do macho da Tidarren sisyphoides, e guarda ambos os orgãos intromitentes. Mas o estudo de Alfredo Peretti e colegas mostra que, apesar de não fazerem esse sacrifício, os machos desta espécie têm que acatar as críticas ao seu desempenho. Numa tradução livre do resumo:

Um comportamento das fêmeas durante a cópula, que possa funcionar como comunicação com o macho, é provavelmente mais comum do que previamente apreciado, mas a sua significância funcional permanece pouco estudada. A estridulação durante a cópula pela fêmea da espécie de aranha Physocylus globosus (Taczanowski, 1873), documentada aqui pela primeira vez, é comum e não coerciva, permitindo assim testes simples relativamente à sua função.

O não coerciva é importante, as fêmeas limitavam-se a estridular, não tentavam forçar o desempenho dos machos de forma activa. Os detalhes pornográficos vêm a seguir:
Os machos espremeram as fêmeas ritmicamente com a sua grande e poderosa genitália durante a cópula,

Confesso que quando li esta frase pela primeira vez desatei a rir, de tal forma parece literatura de cordel barata. Mas passando adiante:
e um maior número de espremidelas estavam associadas com maior paternidade quando as fêmeas acasalavam com dois machos. Associações neste contexto sugerem que as estridulações das fêmeas representam tentativas para induzir o macho a interromper os apertos genitais: a estridulação das fêmeas era mais comum quando o macho a estava a espremer; era mais provável as fêmeas estridularem quando as espremidelas dos machos are mais longas, e quando o macho não tinha respondido a uma estridulação anterior diminuindo o aperto;

Aparentemente os machos alteram o seu comportamento para agradar às fêmeas, e portanto podemos considerar que há verdadeira comunicação:
era mais provável que as fêmeas se abstivessem de estridular quando o macho diminuía um aperto; era mais provável que o macho diminuísse os apertos quando a fêmea estridulava; e estridulação das fêmeas estava associada com a rejeição de machos noutros contextos.
Estes outros contextos referem-se por exemplo ao facto de por vezes as fêmeas estridularem a um macho antes que ele se aproxime e tenham início as intimidades. Aí o macho dá meia volta e vai-se embora. Não faço ideia se os queixumes das fêmeas causam algum tipo de incómodo aos machos, mas mesmo que não se trate disso eles têm bons motivos para responderem às estridulações da fêmea.
Os machos que respondiam à estridulação das fêmeas de forma mais consistente ao aliviar as suas espremidelas obtinham maior paternidade.

As fêmeas copulam com vários machos e armazenam o esperma, e podem escolher qual utilizar para fertilizar os seus ovos. Aparentemente os machos que acatam as ordens têm importantes vantagens reprodutivas. Um macho P. globosus que queira deixar descendência tem todo o interesse em ser um parceiro obediente. A imagem ao lado mostra a postura algo complicada durante estes actos. Como podemos ver, não há uma grande diferença de tamanho entre machos e fêmeas, o que faz com que os pedipalpos do macho pareçam realmente monstruosos. Os autores do artigo especulam que essa é provavelmente a razão do comportamento das fêmeas. Os orgãos intromitentes dos machos são bastante poderosos, com uma grande massa muscular, podendo danificar a genitália da fêmeas. Daí a necessidade de avisos. Os autores terminam o artigo com:
Um possível comportamento comunicatório das fêmeas durante a cópula é conhecido noutras espécies. A atenção futura ao comportamento da fêmea, bem como ao do macho, e a possíveis diálogos durante a cópula, promete ser valiosa na compreensão de interações sexuais.

Aranhas que transmitem instruções durante o acto sexual. Realmente o mundo dos invertebrados é cheio de surpresas.

Ficha técnica
Imagem no topo da contribuição retirada do artigo indicado como ref1.
Restantes imagens de Alberto Peretti encontradas na LiveScience, nesta página.

Referências
Alfredo Peretti, William G. Eberhard and R. Daniel Briceño (2006). Copulatory dialogue: female spiders sing during copulation to influence male genitalic movements. Animal Behaviour, no prelo. Laço DOI.

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