quarta-feira, agosto 02, 2006

A vida fácil dos jovens tiranossauros

Os fósseis de tiranossauros juvenis como este da espécie Gorgosaurus libratus são bastante raros. Esta escassez sempre pareceu peculiar aos cientistas porque, por exemplo, o Tyrannosaurus rex só abrandava o crescimento, de forma significativa, por volta dos 20 anos, provavelmente quando atingia a maturidade sexual, e não vivia em geral para lá dos 28 anos. Ou seja, tratava-se de um animal em que a maturidade sexual correspondia a uma fracção relativamente pequena do tempo máximo de vida. A escassez de juvenis poderia ser explicada se, por exemplo, vivessem num ambiente diferente dos adultos, menos propício à fossilização, ou então se os jovens tiranossauros passassem relativamente incólumes o período que levava até à idade "adulta". Uma equipa de cientistas acaba de encontrar evidência que provavelmente se trataria da segunda opção. Pelos vistos os jovens tiranossauros tinham uma infância e uma juventude bastante seguras, mas, assim que descobriam as alegrias do sexo, passavam a ser alvo de todo o tipo de violências e não duravam muito tempo. [... ler mais]


O estudo é da autoria de Gregory M. Erickson e colegas e foi publicado na Nature. Numa tradução livre do resumo:

O tamanho e distribuição de idades de 4 jazidas dos tiranossauros norte-americanos Albertosaurus, Tyrannosaurus, Gorgosaurus, e Daspletosaurus revelam um padrão muito pronunciado de mortalidade como função da idade caracterizado por uma relativamente elevada sobrevivência dos juvenis e um aumento da mortalidade a meio de e próximo do máximo tempo de vida.

Os tiranossauros mais importantes para estabelecer o resultado deste estudo até nem foram os da espécie mais famosa, o Tyrannosaurus rex. O estudo teve comobase uma jazida descoberta em 1910 em Alberta no Canadá, que os autores do estudo voltaram a investigar. Nessa jazida os autores estimam terem sido sepultados 22 exemplares de uma espécie de tiranossauros da espécie Albertosaurus sarcophagus. Estes animais terão vivido há cerca de 70 milhões de anos atrás, e a análise tafonómica revelou que os animais sucumbiram durante um período de tempo muito curto, talvez devido a uma seca ou fome. Os vestígios eram suficientemente bons para que o tempo de vida dos exemplares pudesse ser determinada. Para isso os autores utilizaram duas técnicas. Uma foi contar os anéis de crescimento dos ossos, usando fíbulas (perónios) e/ou metatarsos. Isso permitiu uma datação precisa de cerca de 27% dos animais da amostra. Os dados destes 27% foram então utilizados para estabelecer a relação entre largura do fémur e idade do indivíduo aquando da morte. Essa relação foi usada para estabelecer a idade dos outros exemplares na amostra. Convém já agora referir um facto curioso. Há 70 milhões de anos atrás os dias eram razoavelmente mais curtos: um ano tinha então 374 dias.

Através de uma análise estatística dos tempos de vida destes animais os autores foram então capazes de construir a função que descreve a probabilidade de sobrevivência em função do tempo de vida. Trata-se do gráfico que se mostra abaixo, e que se refere ao número de indivíduos que sobrevivem acima de uma certa idade, admitindo uma população inicial com 1,000 exemplares,

Os Albertosaurus sarcophagus da amostra tinham um tempo médio de vida de 16.6 anos. O mais jovem tinha cerca de dois anos o mais velho 28 anos. Os desenhos ilustram o tamanho relativo destes dinosauros aos 2 anos (2 metros), 13 anos (6 metros), e 28 anos (10 metros). Os autores do artigo assumiram na figura acima uma taxa de mortalidade nos primeiros tempos de vida semelhante aos pássaros e crocodilos, próxima dos 60%. No período coberto pelos dados podemos distinguir dois intervalos. A taxa de mortalidade é muito baixa dos 2 até cerca dos 13 anos: cerca de 4% ao ano. Cerca de 70% dos animais que chegavam aos 2 anos estariam ainda vivos aos 13 anos. A partir dos 13 anos há aumento acentuado da mortalidade, que atinge cerca de 22% ano, e que os autores interpretam como indicando a entrada na maturidade sexual.

É óbvio que se pode pôr a questão se não seria um efeito local, ou típico apenas dos Albertosaurus sarcophagus. Foi essa a razão que levou os autores a estender o estudo a outras espécies. Como não possuíam um amostra tão grande de uma só jazida, o que os autores fizeram foi combinar indivíduos de três ou quatro jazidas para outras três espécies: Tyrannosaurus rex (30 exemplares), Gorgosaurus libratus (39) e Daspletosaurus (14). Os métodos para determinar o tempo de vida foram os mesmos: anéis de crescimento dos ossos quando possível, nos outros casos uma curva para a espessura do fémur em função da idade. Embora o Albertosaurus sarcophagus não fosse propriamente pequeno, era um peso pluma comparado com o Tyrannosaurus rex, que se estima pesasse cerca de 5 vezes mais. Apesar das diferenças de tamanho entre as várias espécies, e os diferentes ambientes em que viveram, todos apresentaram curvas de sobrevivência semelhantes. Os autores terminam o resumo com:
Este tipo de padrões são comuns hoje em dia em populações naturais de pássaros e mamíferos com longos tempos de vida. Factores como a predação e entrada na população reprodutora podem ter influenciado a sobrevivência dos tiranossauros. Este padrão de sobrevivência pode explicar a raridade de exemplares juvenis nas colecções dos museus.

Este padrão é muito diferente do observado nos crocodilos, por exemplo. Aí, além da mortalidade elevada, a seguir ao nascimento, os animais crescem devagar e são vulneráveis a predadores durante muito tempo. Aliás, os crocodilos são vulneráveis a canibalismo por outros crocodilos quase até atingirem a idade adulta. Após os dois anos, um tiranossauro com mais de 2 metros só teria a temer os membros da sua espécie, pelo que este trabalho mostra que o canibalismo não seria comum nos tiranossauros. Embora o canibalismo não devesse ser comum, as lutas entre adultos deveriam sê-lo: muitos tiranossauros ostentam cicatrizes horríveis devidas a confrontos com outros tiranossauros.

Admitindo que o aumento da mortalidade corresponde à entrada na maturidade sexual, então a curva de sobrevivência significa que não há propriamente sobreposição temporal entre pais e filhos no que se refere à reprodução. Muito poucos tiranossauros viveriam o suficiente para verem os netos. Depois de uma juventude relativamente longa e aparentemente fácil, a vida adulta dos tiranossauros afigurava-se-me curta e pouco agradável. Afinal seriam "espancados" constantemente pelos congéneres, mas talvez fosse intensa e as maravilhas da procriação talvez valessem a longa espera e o curto proveito.

Referências
(ref1) Gregory M. Erickson, Philip J. Currie, Brian D. Inouye, and Alice A. Winn (2006). Tyrannosaur Life Tables: An Example of Nonavian Dinosaur Population Biology. Vol. 313. no. 5784, pp. 213 - 217. Laço DOI.

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