domingo, julho 30, 2006

Quem lhes comeu a carne deixou que outros lhes analisassem os ossos

Como eu referi recentemente, está neste momento em curso um projecto que visa reconstruir o genoma do homem de neandertal. Esse estudo vai talvez permitir responder a algumas questões acerca da interacção entre o homem moderno e esta variante do género Homo desaparecida há cerca de 30,000 anos. A imagem do Homo neanderthalensis tem vindo a "humanizar-se" progressivamente desde a imagem dos brutos animalescos "homens das cavernas" que se popularizou aquando da sua descoberta. As reconstruções modernas, como esta de uma criança que teria aproximadamente 4 anos, a partir de vestígios descobertos em Gibraltar, ilustram-no bem. Há no entanto diferenças que fariam com que um neandertal, que por acaso passeasse entre humanos modernos, se destacasse facilmente. [... ler mais]

O rosto abaixo, de uma mulher adulta que poderia ser a mãe do rapazinho acima, mostra claramente algumas das grandes diferenças que tornam o homem de neandertal tão fácil de distinguir do sapiens: testa baixa, meio da face projectado para a frente, os arcos salientes sobre as órbitas oculares.

Na verdade esta reconstrução é algo imperfeita, como a presença de queixo deixa antever.

A Nature tem um interessante artigo de Rex Dalton (ref1) sobre as movimentações na Europa em relação ao projecto do genoma do neandertal. Em grande parte, discute problemas burocráticos em França, e questões que têm a ver com cientistas que se tentam "colar" ao projecto. Estes aspectos revelam que se trata de uma iniciativa que é levada muito a sério, e deixam antever pode vir a ter repercussões profundas sobre a forma como vão ser distribuídos os financiamentos futuros na área. Uma das partes do texto que me chamou a atenção, porque se trata de algo em que eu nunca tinha pensado foi (numa tradução livre):

Uma vantagem chave do local de Moula-Guercy é que os ossos estão bem preservados por causa do canibalismo que remove a carne e logo as bactérias destrutivas. Os ossos longos foram abertos para retirar a medula, o que pode aumentar a possibilidade de que o ADN sobreviva, diz White, uma autoridade em prácticas canibalísticas.
White suspeita que esta possa ser a razão pela qual Pääbo teve sucesso ao sequenciar ADN das amostras da Croácia: porque elas são de um local, chamado Vindija, onde o canibalismo era practicado.

Qualquer que fosse a razão do canibalismo nesses locais, ao comerem os seus mortos os neandertais podem ter-nos dado os meios de trazê-los de volta.

Ficha técnica
Imagem do rapaz de Gibraltar retirada desta página que descreve o processo de reconstrução em detalhe.
Imagem da mulher adulta retirada do artigo da PLoS biology dado como ref2 abaixo.

Referências
(ref1) Rex Dalton (2006). Palaeoanthropology: Decoding our cousins. Nature 442, 238-240. Laço DOI.
(ref2) Cro-Magnons Conquered Europe, but Left Neanderthals Alone. PLoS Biol 2(12): e449 Laço DOI.

1 comentários:

Anónimo disse...

Meu nome é Angelo moro no Brasil e honestamente estou maravilhado pela riqueza de informação e noticias contidas neste blog.

Obrigado e parabés!!!