quarta-feira, julho 26, 2006

Este cérebro grande é para te ver melhor

Tantas revistas científicas, tão pouco tempo. Mas já que coloquei a mão na massa aquando do artigo sobre o medo das cobras como agentes da evolução no cérebro dos primatas, aproveitei para dar uma vista de olhos pelos outros artigos nesse número do Jornal of Human Evolution. Há um outro artigo sobre o tema da encefalização nos primatas, da autoria de E. Christopher Kirk (ref1), que estuda o impacto das influências visuais. O autor não se preocupa com o tipo de influências (cobras, frutos, identificação de outros membros do grupo) mas sim com o volume de informação visual processada pelo animal. [... ler mais]

Numa tradução livre do resumo:

Os primatas diferem da maioria dos outros animais ao possuirem cérebros relativamente grandes. Como resultado, um grande número de estudos comparativos tentaram identificar as variáveis selectivas que influenciaram a encefalização dos primatas. Contudo, nenhum examinou o efeito da quantidade total de informação visual no tamanho relativo do cérebro. De acordo com o princípio de Jerison de quantidade de massa, as áreas funcionais do cérebro dedicadas primordialmente ao processamento de informação visual deveriam exibir aumentos de tamanho quando a quantidade de informação visual para essas áreas aumenta. Como resultado, a quantidade total de informação visual para o cérebro poderia exercer uma grande influência na encefalização porque as áreas visuais correspondem a uma grande proporção do total da massa do cérebro nos primatas.

A quantidade de informação visual é um parâmetro que, curiosamente, pode ser estimado facilmente, embora de forma indirecta.
O objectivo desta análise é testar a expectativa de uma relação directa entre informação visual e encefalização usando o tamanho do foramen óptico e o tamanho do nervo óptico como indicadores da quantidade total de informação visual.

Os autor testou não apenas primatas mas também carnívoros, e fez três análises distintas.
Os dados foram recolhidos para uma grande amostra comparativa de primatas e carnívoros, e foram efectuadas três análises primárias. Primeiro, a relação entre indicadores para a informação visual e o volume endocraniano relativo foram examinados usando correlações parciais e métodos filogenéticos comparativos. Segundo, para examinar a generalidade dos resultados obtidos para primatas existentes, uma série paralela de correlações parciais e análises comparativas foram executadas usando dados para carnívoros. Terceiro, dados de vários primatas do Eoceno e Oligoceno foram comparados com dados de primatas vivos para determinar se as espécies fósseis mostram uma relação semelhante entre tamanho relativo do cérebro e informação visual.

O autor conclui então:
As três análises confirmam as expectativas da quantidade de massa e favorecem a conclusão de que o total de informação visual tem sido uma influência importante na evolução do tamanho relativo do cérebro quer nos primatas quer nos carnívoros. Para além disso, este estudo sugere que as diferenças na quantidade de informação visual podem explicar parcialmente (1) a elevada encefalização dos primatas relativamente à condição euteriana primitiva, (2) a elevada encefalização dos antropóides existentes relativamente a outros primatas, e (3) a muito baixa encefalização dos adapiformes do Eoceno.

O interessante no processamento visual é que é integrado em toda uma hierarquia de processos cognitivos, que tem a ver com o reconhecimento de formas, e reacção a essas formas. O espectro de possibilidades que se abrem como consequência de uma maior riqueza de observação visual pode ser complementado com formas de analisar os sinais visuais. Isto abre todo um leque de possibilidades, sobretudo num animal social pois permite formas mais complexas de interacção social, aprendizagem social e previsão de comportamento dos outros. Para além das tarefas sociais há os aspectos ecológicos, tais como construir mapas cerebrais da região onde se vive, ou detectar mellhor os predadores.

Ficha Técnica
Imagem do cérebro humano com o córtex visual a vermelho retirada de Wikimedia Commons, desta página.

Referências
(ref1) E. Christopher Kirk (2006). Visual influences on primate encephalization.Journal of Human Evolution, Volume 51, Issue 1, Pages 76-90. Laço doi.
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