quinta-feira, julho 27, 2006

Nos olhos algumas células são lerdas e outras são afoitas

Na contribuição anterior falei num artigo que ligava a encefalização nos primatas à quantidade de informação visual que os seus cérebros processavam. Mas quão grande é exactamente essa quantidade de informação? De que volume de dados estamos a falar? [... ler mais]

Mal tinha formulado essa pergunta quando me deparei com a resposta, fruto de um trabalho recém-publicado. Até nem precisei de procurar muito, o número mais recente da Current Biology traz a resposta a essa questão num artigo de Kristin Koch e colegas (ref1). Numa tradução livre do resumo:

No clássico "O que o olho da rã diz ao cérebro da rã", Lettvin e colegas mostraram que diferentes tipos de células ganglionares retinais enviam tipos de informação específicos. Por exemplo, um tipo responde melhor a uma forma escura convexa movendo-se de forma centrípeta (uma mosca). Consideramos aqui uma questão complementar: quanta informação é que a retina envia e como é repartida entre os diferentes tipos de células?

O olho humano é mais que uma simples "máquina" fotográfica, e faz grande parte do trabalho de processamento de imagem antes de "enviar" as coisas para o cérebro. Isso deve-se em grande parte à repartição de tarefas entre as diferentes células ganglionares da retina. A retina é no fundo um "bocado do cérebro", e as células ganglionares são de facto neurónios. Os cerca de 10 a 15 tipos diferentes de células ganglionares respondem a diferentes tipos de estímulos e, juntamente com outras células da retina, fazem um tratamento preliminar dos dados visuais. O processamento de informação ao nível da retina era conhecido há décadas, o que se desconhecia eram os tempos de resposta das várias células e a quantidade de informação que enviavam para o cérebro. É aí que entra este estudo de Kristin Koch e colegas:
Registando informação da retina de um porquinho da Índia numa cadeia de multi-eléctrodos e apresentando diversos tipos de movimento em cenários naturais, medimos taxas de informação para sete tipos de células ganglionares. As taxas médias variaram ao longo dos tipos de células de 6 a 13 bits por segundo a mais que entre os estímulos. Células lerdas transmitiram informação a taxas mais baixas que células afoitas, mas devido a compensações entre ruído e correlação temporal, todos os tipos tinham a mesma eficiência de registo.

Este lerdas é a minha tradução de "slugish" e afoitas de "brisk" do trabalho original. Do ponto de vista da velocidade, as células ganglionares caem nestas duas categorias. Aproveito para salientar que, embora eu não o dicuta aqui, a conversão da resposta das células aos estímulos em quantidade de informação (bits) é em si um tema bastante interessante. Não é tão simples como parece, o que interessa é o padrão da resposta e como se destaca de um ruído de fundo. Vamos então os números:
Calculando as proporções de cada tipo de células a partir do tamanho do campo receptor e factor de cobertura, concluímos (admitindo independência) que as aproximadamente 105 células ganglionares transmitem na ordem de 875,000 bits por segundo. Porque as células lerdas são igualmente eficientes mas mais numerosas, elas respondem pela maior parte da informação. Com aproximadamente 106 células ganglionares, a retina humana transmitirá dados a uma taxa semelhante a uma ligação ethernet.

Os seja qualquer coisa como 10 Mbits por segundo. Este valor não é nada de extraordinário, e, quem sabe, talvez seja possível num futuro não muito distante produzir um olho artificial. O que é interessante é que são as células lerdas que transportam a maior parte da informação. Nos comunicados de imprensa um dos autores do estudo, Peter Sterling, faz uma analogia curiosa:
No que se refere a enviar informação visual para o cérebro, estas células afoitas são o Fedex do sistema óptico, enquanto as células lerdas são o equivalente do correio dos Estados Unidos.

De facto, devido ao custo, só enviamos coisas por correio ultra-rápido quando é mesmo necessário. Ao propor esta analogia os autores estão no fundo a sugerir que o tipo de resposta das células afoitas tem custos metabólicos muito superiores ao tipo de resposta das células lerdas.

Ficha técnica
A imagem foi adaptada de um original que pode ser encontrado no comunicado de imprensa da University of Pennsylvania School of Medicine.

Referências
(ref1) Kristin Koch, Judith McLean, Ronen Segev, Michael A. Freed, Michael J. Berry, Vijay Balasubramanian, and Peter Sterling (2006). How Much the Eye Tells the Brain. Current Biology, Vol 16, 1428-1434. Resumo.

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