sexta-feira, julho 07, 2006

Contar os passos para voltar para casa

A formiga do Saara, de seu nome científico Cataglyphis bicolor, é um necrófago que patrulha as areias do deserto em busca de outros insectos ou artrópodes que tenham sucumbido às elevadas temperaturas. Esta pequena criaturinha é notável porque é capaz de tolerar temperaturas corporais acima dos 50 graus Celsius, que matariam a maioria dos outros animais. Notável também é a forma como elas se conseguem orientar numa paisagem sem referências visuais, e sem utilizar pistas olfactivas, que desaparecem rapidamente debaixo do calor escaldante do deserto. [... ler mais]

Sabia-se já há algum tempo que elas usam o Sol para indicar a direcção. Mas só a direcção não é suficiente, para se poderem orientar as formigas precisam de "conhecer" as distâncias. Uma equipa formada por investigadores da Universidade de Ulm na Alemanha e da Universidade de Zurique na Suiça resolveu averiguar como elas o fazem.

Numa tradução livre do artigo de Matthias Wittlinger e colegas na Science (ref1):

As formigas do deserto, Cataglyphis, navegam no seu vasto habitat desértico por integração do percurso. Elas integram continuamente as direcções seguidas (determinadas pela sua bússola celestial) e as distâncias percorridas, controladas por mecanismos ainda desconhecidos.

A forma como os investigadores procederam para desvendar o mecanismo é engenhosa. Os autores utilizaram formigas de um abrigo que tinham de percorrer uma certa distância até à fonte de alimento. Apanhavam então as formigas que se aprestavam a regressar e modificavam-lhes as patas com acrescentos ou encurtamentos.
Testamos aqui a hipótese que as formigas viajantes medem as distâncias percorridas usando algum tipo de integrador de passadas, ou "contador de passos". Manipulámos os comprimentos das patas e, logo, o comprimento da passada, em formigas que se moviam livremente. Animais com patas alongadas ("andas") ou patas encurtadas ("cotos") utilizam passadas maiores ou menores, respectivamente, e como consequência ajuízam de forma errada a distância percorrida. A distância percorrida é sobrestimada por animais que se deslocam em andas e subestimada por animais que andam sobre cotos.

Este último ponto é o importante, é a indicação clara que estes animais "contam" os passos. As formigas após terem dado o número de passos que "julgavam" ser os adequados mostravam-se perdidas e começavam às voltas em busca da colónia. Eu acho fascinante saber que estas formigas contam os passos para poderem voltar para casa. É claro que as formigas do deserto não têm propriamente dotes matemáticos mas sim um "odómetro" incorporado nos seus pequenos organismos. Aliás os autores verificaram que nos trajectos seguintes as formigas já não se enganavam a calcular a distância. Apenas quando se alterava o tamanho da passada antes do percurso de regresso elas se enganavam.

Um filme das formigas, nas suas "andas" feitas de pêlo de porco, pode ser visto na página de material suplementar na Science, neste laço (21 Mbytes). Caso este apontador não esteja disponível para quem não tenha subscrição da revista, ou prefiram um filme menor, experimentem este na NewScientist (3.5 Mbytes).

Ficha técnica
Imagem da Cataglyphis bicolor no início da contribuição retirada da AntWeb, desta página aqui, onde se podem obter outras perspectivas do animal em alta definição.
O filme da NewScientist faz parte deste artigo.

Referências
(ref1) Matthias Wittlinger, Rüdiger Wehner, Harald Wolf (2006). The Ant Odometer: Stepping on Stilts and Stumps. Science Vol. 312. no. 5782, pp. 1965-1967. Laço DOI.

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