Falei numa contribuição recente nas criaturas da espécie Suricata suricatta, um grupo de animais aparentados aos mangustos que parecem gozar de um modo de vida pacífico e tranquilo: os adultos colaboram na defesa do grupo, todos contribuem para alimentar as crias, têm mesmo um sistema de ensino. Embora pareçam corresponder ao paradigma dos animais fofinhos e "abraçáveis" há aspectos do comportamento das suricatas que não são nem bonzinhos nem carinhosos. [... ler mais]
A sociedade das suricatas é bastante mais violenta do que se poderia antever. Não se trata apenas dos conflitos entre adultos como a luta que se mostra na figura. Os alvos são as crias muito jovens, e os perpetradores as fêmeas grávidas. As futuras mamãs são imbuídas de uma espécie de fúria sanguinária que as leva a procurar e matar as crias das outras fêmeas.
Andrew J. Young e Tim Clutton-Brock num artigo na revista Biology Letters (ref1) analisam o infanticídio nos bandos de suricatas. Embora o matar a prole de outras fêmeas não seja um comportamento assim tão raro nos mamíferos, esse comportamento nas suricatas apresenta um aspecto peculiar. Numa tradução livre do resumo do artigo:
Em espécies animais cooperativas, as fêmeas dominantes mostram tipicamente um sucesso reprodutor maior que os subordinados, e acredita-se usualmente que controlam a extensão da partilha reprodutiva.
A vida poderia assim parecer fácil para a fêmea suricata dominante: tem a maioria das crias e um grande número de babás para tomar conta delas. Mas as outras fêmeas podem engravidar a aí o futuro das crias é incerto.
Contudo, estudos de sociedades de insectos sociais mostram que os subordinados também podem interferir com as tentativas de reprodução dos outros, com importantes consequências para a distribuição de aptidão no interior da colónia. Mostramos aqui que fêmeas subordinadas num vertebrado, a Suricata suricatta exercem também uma influência substancial sobre as tentativas de reprodução dos outros. Nas sociedades de suricatas, sabe-se que as fêmeas dominantes matam as ninhadas das subordinadas, contudo mostramos que as subordinadas também matam crias; não apenas as de outras subordinadas mas também as da dominante. As ninhadas nascidas de fêmeas, qualquer que fosse o seu lugar na heirarquia, tinham apenas metade de possibilidade de sobreviver os seus primeiros 4 dias se uma subordinada estivesse grávida.
Esta futuras mães estão apenas a tentar aumentar a pequena fatia dos recursos que as suas crias poderão eventalmente obter. Não cabem aqui quaisquer juízos de valor. A fêmea dominante tem assim razões acrescidas para impedir que outras fêmeas da colónia fiquem grávidas. É que este comportamento só ocorre nas futuras mães, as fêmeas não grávidas não possuem estes impulsos infanticidas.
Contudo, as fêmeas dominantes tinham maior probabilidade que as subordinadas de dar à luz quando nenhuma das outras fêmeas estava grávida, e assim perdiam menos ninhadas devido ao infanticídio que as subordinadas. Isto é provavelmente devido em parte às fêmeas dominantes empregarem técnicas que contrariam a incidência de gravidez nas subordinadas.
Este artigo não foi realmente um choque para mim. As suricatas não são os únicos mamíferos que vivem em colónias em que os recém-nascidos estão em perigo. Nos cães-da-pradaria, por exemplo, a colónia é varrida por uma espécie de frenesim canibal aquando da época dos nascimentos. O que é nunca se tinha observado em mamíferos, numa sociedade com uma hierarquia bem definada, com uma fêmea dominante, foi a tentativa das subordinadas interferirem de forma activa no sucesso reprodutivo da fêmea dominante. Isso é mais típico dos insectos, onde foi observado por exemplo nas abelhas. É sempre perigoso tentar humanizar outras espécies, e o critério para "gostar" ou não de um animal não pode passar por nos identificarmos ou não com ele, ou inversamente por acharmos o seu aspecto ou comportamento repelente. As suricatas continuam a ser dos meus animais favoritos.
Ficha técnica
Imagem das suricata à luta, retirada de Wikimedia Commons, utilizador Sarefo, desta página aqui.
Referências
(ref1) Andrew J. Young and Tim Clutton-Brock (2006). Infanticide by subordinates influences reproductive sharing in cooperatively breeding meerkats. Biology Letters, no prelo. Laço DOI.
1 comentários:
Caio, outro dia eu disse para os meus alunos que, se for levado em conta a taxa de agressão e assassinato per capita, infanticidio inclusive, o ser humano seria talvez o mamífero menos violento do mundo. Eles estranharam essa afirmação. Biologicamente ela está correta?
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