sexta-feira, julho 28, 2006

O palrear da macacada e a linguagem dos homens

O pequeno macaco resus, de seu nome científico Macaca mulatta, habita no Afeganistão, Norte da Índia e sul da China. É um primata que se adapta bem ao cativeiro e é muito utilizado em experiências de laboratório. Famosos pelo factor sanguíneo Rh (de rhesus), estes macacos já foram enviados ao espaço pela NASA, já foram clonados, e até já houve quem colocasse genes de alforreca num deles. Em liberdade, estes macacos são bastante "faladores". Os resus são capazes de uma série de vocalizações para avisar os colegas sobre a presença de alimento, de predadores, e para comunicar estados emocionais a congéneres. A questão é até que ponto o estudo destas vocalizações nos pode auxiliar a perceber a evolução das estruturas envolvidas na compreensão da liguagem nos seres humanos. [... ler mais]

Num artigo fresquíssimo, acabado de sair, na revista Nature Neuroscience (ref1) Ricardo Gil da Costa e colegas descrevem os resultados de um estudo sobre as áreas do cérebro envolvidas na interpretação das vocalizações nos macacos resus. Numa tradução livre do resumo:

A origem dos mecanismos cerebrais que permitem a linguagem human — quer se trata de uma novidade que apareceu nos humanos ou quer tenha evoluído de um substrato que existisse num antepassado comum — permanece um tema controverso. Embora a resposta não seja fornecida pelo registo fóssil, é possível fazer inferências estudando espécies existentes de primatas não humanos. Identificamos aqui os sistemas neuronais associados com a percepção de vocalizações específicas a indivíduos de macacos resus utilizando tomografia de emissão de positrões (TEP) de H2 15O.

A TEP é uma técnica que consiste em injectar isótopos radioactivos, neste caso água com 15O, na corrente sanguínea. É usada também em humanos e é um procedimento bastante seguro. As imagens obtidas estudando as emissões do material radiactivo permitem então identificar as regiões do cérebro onde o sangue flui em maior quantidade. O que os cientistas fizeram foi expôr os macacos a gravações de vocalizações de outros macados e ver quais as zonas do cérebro que mostravam um aumento das emissões positrónicas.
Estas vocalizações evocam padrões de actividade cerebral distintos, em regiões homólogas das áreas de linguagem perisylvianas humanas.

Esta é a região do cérebro que se julga estar envolvida na produção e compreensão da linguagem falada nos seres humanos. Os autores concluem o resumo com:
Em vez de resultar de diferenças nas propriedades acústicas, esta actividade parece reflectir um processamento auditivo de ordem mais elevada. Embora a evolução paralela em espécies de primatas independentes seja possível, esta descoberta sugere a possibilidade de que o último antepassado comum dos macacos e dos humanos, que viveu entre 25 a 30 milhões de anos atrás, possuía mecanismos neuronais chave que eram candidatos plausíveis para exaptação durante a evolução da linguagem.

O processo evolutivo trabalha com aquilo que os seres vivos têm, em geral não produz coisas a partir do nada. A "exaptação" é um termo que significa isso mesmo: indica que uma estrutura é co-optada para uma nova tarefa, e eventualmente pode mesmo acabar por perder a função inicial. Um caso óbvio são as asas dos morcegos ou das aves. A aquisição da linguagem é um dos marcos mais importantes da evolução humana. A descoberta desta correspondência funcional entre regiões semelhantes no cérebro humano e de outros primatas é um avanço importante.

Ficha técnica
Imagem dos macacos na ilha de Hainan na China cortesia de Nikita Golovanov, obtida a partir desta página de Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Ricardo Gil-da-Costa, Alex Martin, Marco A Lopes, Monica Muñoz, Jonathan B Fritz & Allen R Braun (2006). Species-specific calls activate homologs of Broca's and Wernicke's areas in the macaque. Nature Neuroscience 9, 1064 - 1070. Laço DOI.

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