Eu era para não colocar nada hoje. A temperatura por estes lados tem ultrapassado em muito os 30 graus Celsius, e algumas pessoas, para compensar, gostam de meter o ar condicionado nos 18 graus. O resultado é que estou com uma constipação daquelas "à antiga portuguesa" e não confio muito nos meus dotes de escrita. Dediquei por isso o dia a fazer uma ronda por outros blogues, só que, ao ler o John Hawks Anthropology Weblog, dei com algo de que não resisto a falar aqui. Entre alguns assuntos de que falei também no Cais de Gaia (a escola das formigas e dos suricatas) John Hawks fala sobre lagostins de água doce, semelhantes aos apetitosos crawdads da Luisiana que se mostram na imagem já cozinhados. [... ler mais]
Ora o que têm de espacial os lagostins de água doce, em especial os da espécie Astacus leptodactylus? Contrariamente aos humanos, onde "molhar as calças" ou "borrar-se de medo" são sinais de cobardia, os Astacus leptodactylus dominantes exibem orgulhosamente os seus esguichos: quanto mais forte o animal, mais urina produz durante os confrontos com outros lagostins. Numa tradução livre do resumo do artigo de Thomas Breithaupt and Petra Eger, na revista Journal Experimental Biology (ref1), cujo texto integral está disponível na Internet:A comunicação química é um fenómeno bastante espalhado nos animais aquáticos mas é difícil de investigar porque os sinais não são visíveis. Mostramos aqui os resultados de um estudo da comunicação química em lagostins lutadores (Astacus leptodactylus), com os olhos vendados, no qual empregámos um novo método: visualização da urina utilizando o pigmento Fluoresceína.
Eis abaixo o aspecto de um lagostim a exibir os seus dotes urinários, visíveis através da utilização deste pigmento.A probabilidade de libertação de urina é maior durante as lutas que durante actividades não sociais ou inactividade. Os vencedores eventuais têm maior probabilidade de libertar urina que os eventuais perdedores. Quer nos vencedores quer nos perdedores, o largar de urina está ligado a comportamentos ofensivos, e a probabilidade de libertação de urina aumenta com o aumentos dos níveis de agressão. No A. leptodactylus, a urina é carregada até ao oponente pelas correntes das gelras que se projectam adiante. Durante uma libertação espontânea, a urina é enviada lateralmente com a ajuda dos exopoditos dos maxilípedes.
Os lagostins conseguem assim direcionar o esguicho com as guelras e os maxilípedes, e usam a urina no processo de intimidação do oponente. Para testar se apesar de tudo a dominância não seria determinada por pistas visuais, os autores utilizaram vendas:O comportamento agressivo funciona para intimidar oponentes vendados apenas em conjunto com a libertação de urina: os receptores dimuem o comportamento ofensivo e aumentam o comportamento defensivo. O comportamento agressivo por si só não é suficiente para intimidar os opositores.
Os autores verificaram ainda que não se tratava apenas de identificar o lagostim agressor por parte do lagostim com a venda:O perdedor de um combate recente é batido igualmente bem por um oponente familiar quer por um desconhecido. Logo, nos lagostins, o reconhecimento do odor da urina de um indivíduo dominante não parece ser significativo para manter as hierarquias de dominância. Os nossos resultados sugerem que a urina contém informação acerca da habilidade como lutador, ou a agressividade do assinante. Os sinais químicos até agora não identificados parecem ser importantes para determinar o resultado de uma luta.
Os cientistas verificaram assim que os resultados dos confrontos eram determinados essencialmente pelas pistas químicas. A capacidade que os animais possuem de avaliar os opositores e evitar combates desnecessários e potencialmente debilitantes é importante, embora a forma como os lagostins o fazem seja curiosa: num combate uma das urinas cheira a vitória a outra a derrota.
Mais uma vez aqueles que pensam que uma carreira científica traz algum tipo de sucesso social desiludam-se. Tantos anos a estudar, doutoramentos e coisas que tais, para poder dizer às pessoas: "inventei um modo para ver melhor como os lagostins urinam uns para cima uns dos outros".
Ficha técnica
Imagem dos Crawdads cozidos cortesia de PDPhoto.org
Imagem do "esguicho" do Astacus leptodactylus retirada da ref1 abaixo.
Referências
(ref1) Breithaupt T, Eger P. 2002. Urine makes the difference : chemical communication in fighting crayfish made visible. J Exper Biol 205:1221-1231. Resumo.
segunda-feira, julho 17, 2006
O mais forte é quem mais urina
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Biologia
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