segunda-feira, agosto 14, 2006

O elefante que caça pinguins em terra

Depois de anteriormente ter falado de elefantes que caçam borboletas no mar, hoje falo de elefantes que caçam pinguins em terra. A imagem mostra um elefante-marinho, de seu nome científico Mirounga leonina, uma espécie em que os machos durante a época de reprodução se entregam a violentas batalhas pelo controlo de um território e de um harém de fêmeas. Este macho não teve tanta sorte e dedicou-se durante esse período a uma actividade com o seu quê de surpreendente. Se repararem com atenção, à esquerda da cabeça do elefante-marinho, junto à pedra na parte inferior da imagem, veêm uma espécie de pequena trouxa felpuda. Trata-se dos restos mortais de um pinguim magalhânico, Spheniscus magellanicus, e a foca foi a culpada do seu triste fim. Mas não se trata de uma simples história de predador contra presa. Os motivos deste caçador, mais que a fome, parecem ter sido o tédio, a frustração ou a ira. [... ler mais]

Pelo menos essas são as conclusões de um interessante artigo de J. Alan Clark e P. Dee Boersma que encontrei no Marine Mammal Science (ref1). Numa tradução livre do resumo:

A predação de pinguins por pinípedes no mar está bem documentada. Contudo, a predação de pinguins por pinípedes em terra é rara. Durante o período de Setembro a Novembro de 1997-1999, uma foca elefante macho (Mirounga leonina) matou pelo menos 88 pinguins magalhânicos (Spheniscus magellanicus) na Reserva Provincial de at Punta Tombo (44 02 S, 65 11 W) em Chubut, na Argentina, tendo um impacto significativo na colónia.

A vida dos pinguins não é fácil, perseguidos por orcas, tubarões e focas esfomeadas, mas o mais estranho nesta história é que a motivação aparente da foca não era a procura de comida (embora tenha devorado parcialmente alguns dos pinguins). Os autores observavam aquela colónia de pinguins desde 1982 e aquele foi o primeiro elefante marinho que viram no meio da colónia. O artigo faz uma descrição de alguns pormenores que não recomendo a espíritos mais sensíveis:
Em Outubro de 1997 observámos a foca a atacar um pinguim que fugiu para dentro de uma toca. A foca movimentou a sua cabeça para a entrada da toca e começou a vocalizar. Após mais vocalizações quer do pinguim quer da foca, o pinguim saiu da toca e enfrentou a foca numa postura defensiva.

Um gesto corajoso mas não muito inteligente:
Nessa altura a foca elevou-se e largou todo o peso da região inferior do pescoço e da parte anterior do corpo em cima do pinguim. Após se elevar e esmagar o pinguim várias vezes, a foca repousou sobre o pinguim aproximadamente oito minutos e então puxou o pinguim de debaixo do seu corpo e lançou-o no ar. Pouco depois, a foca deslocou-se para uma outra carcaça de pinguim a uns metros de distância. A foca colocou a sua cabeça sobre a carcaça durante alguns minutos e então lançou esta carcaça no ar várias vezes. Aproximadamente 45 minutos mais tarde, a foca voltou ao pinguim que tinha acabado de matar e mais uma vez começou a lançá-lo ao ar, virando-o do avesso, e parecendo comer o pinguim.

Quando em Dezembro de 1997 os autores do artigo percorreram essa área encontraram 27 cabeças e bicos de pinguins. A maioria das carcaças estavam viradas do avesso e os autores só encontravam em geral pele, penas, barbatanas, pés, cabeças e bicos. No ano seguinte a mesma história. Uma foca apareceu na praia a aproximadamente 300 m do local onde tinha sido vista pela primeira vez no ano anterior. Uma semana depois havia já 10 novas carcaças de pinguins, algumas parcialmente comidas. Mais uma vez o mau feitio do pinípede era óbvio:
Em Outubro vimos um pinguim dar uma bicada na foca que estava a descansar quase em cima de uma toca onde o pinguim estava a incubar ovos. A foca elevou-se imediatamente e esmagou o pinguim, matando-o. A foca elefante perseguiu pinguins quando eles se aproximavam ou lhe davam bicadas quando tentavam sair do seu local de nidificação.

A foca foi vista desta vez de 17 de Setembro a 1 de Novembro de 1998. Os autores encontraram 49 carcaças de pinguins nas proximidades. A história repetiu-se mais uma vez no ano seguinte, de 19 de Setembro a 5 de Novembro. A carnificina de pinguins continuou:
Durante mais de 30 horas de observação, em 1999, vimos a foca a atacar e a matar pinguins, carregando as carcaças ao longo da colónia, virando as carcaças do avesso, e "brincando" com as carcaças, incluindo o lançar das carcaças e o repousar a cabeça em cima delas. Uma vez, a foca perseguiu um pinguim durante aproximadamente 20 metros antes de parar a perseguição.

Desta vez a foca matou pelo menos 12 pinguins. Os autores pensam que se tratou da mesma foca nas três ocasiões, não só pelo comportamento, mas também por apresentar o mesmo tamanho, cor e o mesmo grande desgaste nos caninos inferiores (que se vê claramente na fotografia). Quando a foca deixou de aparecer nos anos seguintes deixaram de aparecer novas carcaças na praia.

Clark e Boersma avançam várias hipóteses para o comportamento da foca. Uma razão poderia ser que a foca via os pinguins como presa. Os autores consideram no entanto pouco provável que esta seja a motivação principal. Estas focas em geral não caçam pinguins e nem todos os pinguins mortos foram comidos pela foca. A chegada da foca coincidiu com a época de acasalamento dos elefantes-marinhos, período em que não se alimentam, e de facto a foca perdia bastante peso durante a estadia em terra. Se o comportamento fosse motivado essencialmente pela fome a foca poderia ter comido muitos mais pinguins.

Outra possibilidade seria a foca ter matado os pinguins para brincar. De facto, parte do comportamento da foca ao lançar pinguins no ar e ao colocar a cabeça sobre eles pode ser encarado sob este prisma. A foca pode também ter reagido a uma fonte de irritação, pois os pinguins pareciam aborrecer a foca, que perseguia ou matava os pinguins que lhe davam bicadas ou de alguma forma a incomodavam. Os autores sugerem ainda que a foca possa ter usado os pinguins como um escape para a agressividade, e um substituto para a frustração, de não ter assegurado um território e um harém de fêmeas durante este período, que corresponde à época de reprodução nesta espécie.

Qualquer que tenha sido a razão a matança deixou as suas marcas. Os autores terminam o artigo com:
Em três anos, uma foca matou pelo menos 88 pinguins em Punta Tombo. A foca não voltou em 2000 nem em 2001-2004, sugerindo que terá morrido. Até Março de 2005 a área onde a foca matou os pinguins não tinha voltado à sua densidade anterior, mostrando que um predador, durante um curto intervalo de tempo, pode ter um impacto de longa duração em pinguins em reprodução.
Já agora talvez o elefante-marinho tenha passado por uma experiência com pinguins do tipo desta aqui no Wally & Osborne.

Referências
(ref1) J. Alan Clark e P. Dee Boersma (2006). SOUTHERN ELEPHANT SEAL, MIROUNGA LEONINA, KILLS MAGELLANIC PENGUINS, SPHENISCUS MAGELLANICUS, ON LAND. Marine Mammal Science 22(1): 222-225. Laço DOI.

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