quarta-feira, agosto 30, 2006

Como achar guloseimas que se deslocam invisíveis

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Esta fotografia, tirada no Jardim Zoológico de Los Angeles, mostra um chimpanzé, de seu nome científico Pan troglodytes, aparentemente perdido em cogitações. Este chimpanzé pensador tem tudo a ver com a contribuição que escolhi para hoje. Como os três ou quatro leitores habituais deste blog sabem, tenho dedicado alguns dos textos mais recentes à problemática da inteligência animal. Em particular tenho discutido aqui trabalhos sobre a forma como diferentes grupos de animais se comportam nos chamados estudos do deslocamento invisível. [... ler mais]

Os chimpanzés também tinham mostrado um nível elevado de sucesso nos testes de deslocamento invisível, e Emma Collier-Baker e colegas decidiram verificar se isso se devia a uma real compreensão do fenómeno ou se, como no caso dos cães, se tratava de uma qualquer estratégia associativa simples. Os resultados desse estudo foram publicados na revista Animal Cognition (ref1) e parecem não deixar grandes dúvidas de que os chimpanzés de facto compreendem este tipo de tarefas, o que colocaria as suas capacidades cognitivas representacionais ao nível das crianças humanas com dois anos de idade.

Eis aqui uma fotografia do dispositivo experimental utilizado no estudo:

A bolinha que o investigador tem na mão é o objecto que o chimpanzé deve procurar. Consiste numa guloseima (fruto seco ou alteia) e serve portanto também de recompensa. Já agora, um à-parte. As "crianças" em Portugal desconhecem em geral o que é a alteia e, embora familiarizadas com o termo inglês marshmallow, ficam em geral muito surpeendidas quando lhes digo que aquele doce esponjoso é mesmo aquilo que os americanos assam nas fogueiras. Os chimpanzés pelos vistos gostam.

O pequeno copo abaixo e à esquerda na mesa é onde a guloseima vai ser escondida para o deslocamento. Uma das três caixas é o destino final da bolinha. A posição inicial do dispositivo de deslocamento era escolhida de forma aleatória entre quatro possibilidades: ou entre duas caixas, ou num qualquer dos extremos. O teste padrão é simples: o dispositivo de transporte é usado para levar o objecto atrás da caixa alvo, a tampa atrás da caixa é levantada, e o objecto tansferido lá para dentro sem que o chimpanzé o veja. O dispositivo de transporte é então trazido para a frente da caixa, rodado e levantado ao nível dos olhos do chimpanzé que vê que o objecto não está lá dentro. O dispositivo é depois levado até à sua posição inicial com a abertura para baixo. O investigador pede em seguida ao chimpanzé que indique a posição da guloseima. Se acertar pode ficar com ela. Se falhar mostram-lhe onde estava mas não lhe dão a guloseima. Os autores do estudo fizeram este teste com 4 variantes. Numa tradução livre do resumo:
Estudos prévios sugerem que os chimpanzés compreendem o deslocamento invisível único. Contudo, esta tarefa piagetiana pode ser resolvida pela utilização de estratégias de busca simples e não pela representação da trajectória passada de um objecto. Administrámos por isso quatro condições de controlo a dois chimpanzéns por forma a separar estratégias de busca associativas do desempenho devido à representação mental. Estratégias envolvendo a utilização de pistas dadas pelo investigador, procura na última ou primeira caixa visitada pelo dispositivo de deslocamento, e busca nas caixas adjacentes ao dispositivo de deslocamento foram controladas de forma sistemática.

Nalguns testes controlou-se utilização de pistas dadas pelo investigador colocando uma máscara no investigador por forma a que o chimpanzé não conseguisse ver-lhe o rosto. Em seguida seguia-se o procedimento normal. O teste da última caixa era um pouco mais complicado. Seguia-se o procedimento normal, escondendo o objecto e mostrando o copo vazio ao chimpanzé, mas em seguida o copo era levado atrás de outra caixa, simulava-se o movimento de transferência, mostrava-se de novo o copo vazio e colocava-o na posição inicial virado para baixo. O teste da primeira caixa era o inverso. O copo era levado atrás de uma caixa, simulava-se a transferência, mostrava-se o copo ao chimpanzé que via que o objecto ainda estavá lá e fazia-se então a transferência para uma outra caixa, mostrava-se o copo vazio, que era depois colocado com a abertura para baixo na posição inicial. Os controles são importantes pois verificou-se que alguns animais, que pareciam compreender o deslocamento invisível, seguiam estratégias muito simples mas eficazes nalgumas situações. Os tamarins, por exemplo, escolhem na maioria das vezes a última caixa visitada pelo dispositivo de deslocamento, enquanto os cães, por sua vez, escolhem preferencialmente a caixa adjacente ao dispositivo de deslocamento.
Os chimpanzés não mostraram indicações de utilizarem essas estratégias simples, sugerindo que as suas capacidades para representarem mentalmente o deslocamento invisível único é comparável ao de crianças de 18 a 24 meses de idade.

O desempenho dos chimpanzés foi quase perfeito. Eis aqui os resultados para os dois chimpanzés para 5 tentativas em quatro versões da tarefa, com a ressalva do dispositivo de deslocamento ser ou não deixado junto à caixa onde o objecto ficou escondido.

A linha a tracejado representa o que se esperaria se os chimpanzés escolhessem ao acaso. Aliás, um dos chimpanzés, Ockie, mostrou ser particularmente dotado. Eis aqui os resultados por chimpanzé, somando as tentativas com dispositivo adjacente e não adjacente:

Apenas falhou uma vez em 40 tentativas! Mesmo o Cassie portou-se bastante bem, acertando 90% das vezes, sempre muito acima da linha a tracejado que marca o que se esperaria para uma escolha ao acaso. Já agora, embora o nome Cassie possa induzir em erro, em particular devido à minha escolha do cor-de-rosa para o gráfico, tratava-se de dois machos com 27 e 31 anos. As diferenças com os cães são mais que evidentes no gráfico abaixo, que compara o desempenho de chimpanzés, cães, e crianças, no teste padrão, nos casos em que o dispositivo é deixado adjacente, ou não adjacente à caixa alvo.

A "batota" dos cães é óbvia. Os outros grandes símios, gorilas e orangotangos também mostraram não utilizar regras associativas simples, e logo também parecem compreender o conceito. Alguns autores sugerem por isso que a capacidade deveria existir no antepassado comum dos grandes antropóides e do homem, há mais de 14 milhões de anos atrás.

Embora os chimpanzés consigam um bom desempenho nestas tarefas de deslocamento invisível e revelem capacidade mentais de representação secundária dos objectos, falham quando se fazem testes de deslocamento invisível duplo. Nestes testes o dispositivo de deslocamento visita duas caixas não adjacentes, e falarei deles dentro de alguns dias.

Ficha técnica
Imagem do chimpanzé pensativo no início da contribuição cortesia de Aaron Logan, retirada da sua galeria LIGHTmatter.

Referências
(ref1) Emma Collie-Baker, Joanne M. Davis, Mark Nielsen and Thomas Suddendorf (2006). Do chimpanzees (Pan troglodytes) understand single invisible displacement? Animal Cognition, Volume 9, 55-61. Laço DOI.

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