segunda-feira, setembro 04, 2006

O cogitar dos grandes símios

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Esta imagem mostra uma gorila, da espécie Gorilla gorilla, que parece intrigada com algo no chão à sua frente. Os gorilas são de facto animais com capacidades cognitivas avançadas e, tal como os chimpanzés, que discuti aqui numa contribuição anterior, também executam com sucesso as tarefas de deslocamento invisível. Essa capacidade para representação secundária, é comum ainda a um terceiro grupo de antropóides, os orangotangos. Um estudo recente, da autoria de Joseph Call na revista Animal Cognition (ref1) mostrou que as habilidades dos três grupos de antropóides são semelhantes, mesmo quando se estuda uma habilidade algo diferente, a capacidade de fazer inferências por exclusão. A inferência é a capacidade de relacionar um acontecimento visível com um acontecimento imaginado. A inferência por exclusão corresponde a uma variante que consiste em escolher a resposta certa por exclusão das outras alternativas potenciais. [... ler mais]

Eu falei aqui de um estudo desse tipo, a propósito de crianças e cães, mas inúmeras variantes foram testadas num grande número de espécies animais. O artigo de Joseph Call presta especial atenção às possibilidades de "batota". Numa tradução livre do resumo do artigo de Joseph Call:
Este estudo investigou a capacidade de chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos, para fazerem inferências por exclusão usando o procedimento pioneiro de Premack e Premack (Cognition 50:347–362, 1994) com os chimpanzés. Trinta antropóides foram confrontados com duas peças de fruta diferentes (banana vs, uva) numa plataforma, e cobertos com recipientes idênticos. Uma das peças era retirada do recipiente e colocada entre os dois recipientes por forma a que os sujeitos os pudessem ver. Após remover esta peça, os sujeitos podiam selecionar um entre os dois recipientes.

Eis aqui uma imagem do dispositivo experimental, com um orangotango como sujeito do teste.

A experiência é conceptualmente mais simples que o deslocamento invisível, embora seja mais complicada que o deslocamento visível. Aqui, em vez de se procurar um objecto que se viu esconder, tem que se evitar o recipiente vazio. Os símios viam o objecto a ser retirado, mas não viam que o recipiente ficava vazio. Isso era algo que tinham que imaginar, inferindo por exclusão, daí a designação do teste.
Na experiência 1, os antropóides preferiram nas suas escolhas o recipiente que continha o item que o investigador não tinha retirado, em particular se o sujeitos viam o investigador retirar o item do recipiente (mas sem verem o recipiente vazio). A experiência 3 em que o alimento era retirado de um dos recipientes por trás de uma barreira confirmou estes resultados.

Ou seja, os antropóides em geral escolhiam a caixa de onde não tinha sido retirado o objecto. Ora como se referiu nas contribuições anteriores por vezes os resultados positivos podem advir de estratégias associativas simples. Neste caso os antropóides poderiam simplesmente selecionar o recipiente não tocado pelo investigador. O autor do artigo fez por isso uma outra variante da experiência.
Contrastando com estes resultados, o sujeitos actuaram a níveis ao acaso quando um estímulo (um bocado de plástico colorido) correspondia ao item que tinha sido retirado.

Os animais tinham primeiro aprendido a associar uma determinada cor do plástico a banana por exemplo. Esta era uma tarefa difícil e os antropóides escolhiam ao acaso, falhando metade das vezes, mostrando que não seguiam nenhuma estratégia de associação simples. O autor foi ainda mais "mauzinho" e em vez de bocados de plástico utilizou bocados de outros alimentos como maçãs e amendoins que os antropoides tinham aprendido a associar a bananas ou uvas. Os resultados não se alteraram significativamente.
Estes resultados indicam que os antropóides fizeram inferências, não aprenderam simplesmente a usar uma pista discriminativa para evitar o recipiente vazio. Os antropóides perceberam e trataram o item removido pelo investigador como sendo exactamente o mesmo que tinha sido escondido debaixo do recipiente. Os resultados sugerem uma relação positiva entre a idade e capacidade de fazer inferências, independente da capacidade de memória, mas sem diferenças nas espécies.

Chimpanzés, gorilas, orangotangos, bonobos, todos obtiveram resultados semelhantes, e em todas as espécies os animais muito jovens (menos de 8 anos) cometiam mais erros. Este é um resultado curioso, pois indica que nos antropóides a capacidade de interpretar correctamente o deslocamento invisível aparece muito mais cedo que a capacidade de inferir. O facto de todas as espécies terem mostrado um desempenho semelhante sugere que o antepassado comum mais recente destes animais já possuiria a capacidade, há pelo menos 14 milhões de anos. Como eu referi, há imensas variantes deste tipo de estudos, e alguns animais, como os golfinhos e focas, conseguem por vezes resultados "positivos", mas em testes que exigem um treino intensivo. Só após esse período de treino alargados se testam as capacidade de inferência desses animais. Esse não foi o caso neste estudo, e a questão das capacidades dos animais marinhos mostrarem inferências por exclusão num estudo deste tipo, sem exisitr um treino intensivo por trás, ainda está em aberto.

Ficha técnica
Imagem da gorila no início da contribuição cortesia de Aaron Logan, retirada da sua galeria LIGHTmatter.

Referências
(ref1) Josep Call (2006). Inferences by exclusion in the great apes: the effect of age and species. Animal Cognition. Laço DOI

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