sábado, setembro 02, 2006

O pequeno cupido dos musgos

Esta criatura é um colêmbolo, da espécie Isotoma caerulea. Os colêmbolos são pequenos artrópodes com 6 patas, parentes próximos dos insectos. São animais pequeníssimos, com comprimentos da ordem do milímetro, mas com uma densidade populacional muitas vezes assombrosa, com valores que podem atingir cerca de 2 milhões indivíduos por metro cúbico de solo. Os colêmbolos têm uma grande importância ecológica e o seu número e diversidade é um bom indicador da saúde dos solos. Descobriu-se agora que os colêmbolos desempenham para algumas plantas um papel semelhante ao das abelhas para as plantas com flor. [... ler mais]

As algas antepassadas das plantas terrestres utilizavam espermatozóides para a sua reprodução, que nadavam entre as estruturas masculinas e femininas no meio aquático para assegurarem a fertilização. As plantas de famílias "modernas" como as angiospérmicas e as gimnospérmicas são fertilizadas por pólen, resistente à secura e que é transportado pelo vento ou pelos animais, mas alguma plantas terrestres mais "primitivas" como fetos, cavalinhas, e musgos, ainda são fertilizadas por espermatozóides. Mostra-se abaixo o exemplo de um tipo comum de musgo, espécie Bryum argenteum, em que os espermatozóides se podem ver a nadarem livremente à direita.

O facto da reprodução dos musgos depender de uma camada contínua de água líquida colocava algumas questões curiosas, pois os espermatozóides não são capazes de percorrer mais do que alguns centímetros, e muitas vezes as extensões de musgo estão bastante afastadas entre si. Ora é aí que entram os colêmbolos, e outros pequenos artrópodes como os ácaros. O trabalho que investiga estas questões, da autoria de Nils Cronberg e colega,s foi publicado num muito curto, mas interessante, artigo na revista Science (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Entre as plantas com flor, os animais agem muitas vezes como polinizadores. Mostramos que bocados de musgo fértil atraem colêmbolos e ácaros, que por sua vez transportam espermatozóides do musgo, desse modo aumentando o processo de fertilização. Pensava-se anteriormente que a fertilização dos musgos dependia da capacidade do espermatozóides nadarem através de uma camada contínua da água líquida. O papel dos microartrópodes na fertilização do musgo assemelha-se ao papel dos animais como os polinizadores das plantas com flor, mas pode ser muito mais antigo do ponto de vista evlutivo devido à antiguidade dos organismos envolvidos.

Os autores do estudo usaram uma espécie de pequenas estufas e em cada uma colocaram uma extensão de musgo do sexo masculino e outra do sexo feminino. As distâncias entre as duas parcelas de musgo podiam ter três valores: 0 cm (extensões contíguas), 2 cm e 4 cm. O espaço entre os pequenos canteiros de musgo era coberto com material absorvente, servindo como barreira à propagação dos espermatozóides. De facto, os observadores verificaram que, na ausência de microartrópodes, apenas no caso em que as parcelas de musgo eram contíguas se processava a fertilização, e consequente produção de esporos. Os autores estudaram então o que se passava quando colocavam na estufa colêmbolos da espécie Isotoma caerulea, ou ácaros das espécies Scutovertex minutus e S. sculptus. Eis em baixo uma imagem do dispositivo experimental com colêmbolos (indicados por setas) a moverem-se entre e sobre os canteiros de musgo.

Nils Cronberg e colegas verificaram que neste caso se dava fertilização mesmo quando as parcelas de musgo estavam afastadas. Esta é uma clara indicação de que os microartrópodes transportam de alguma forma os espermatozóides, provavelmente nas suas cutículas. Notaram ainda que a taxa de fertilização era maior no caso da separação de 4cm para a experiência com colêmbolos do que para a experiência com os ácaros, o que se explica pela muito maior mobilidade dos colêmbolos.

Os investigadores perguntaram-se então se o processo seria puramente passivo, com visitas ao acaso às estruturas sexuais, ou se haveria um papel mais activo, semelhante ao que ocorre com polinizadores como as abelhas. Os autores verificaram que podendo escolher entre parcelas férteis e não férteis os colêmbolos preferiam claramente as parcelas férteis (com concentrações de indivíduos até cinco vezes maiores). Os autores referem não saber a razão exacta mas sugerem que se deve ao facto de as parcelas férteis segregarem sucrose, amido, ácidos gordos e uma espécie de goma.

O mais interessante é que musgos e outras plantas semelhantes, e os colêmbolos e ácaros, poderão ter tido este tipo de relação 300 milhões de anos antes do aparecimento das abelhas. Afinal, as angiospérmicas apenas aparecem no registo fóssil há qualquer coisa como 140 milhões de anos, enquanto plantas terrestres representativas dos musgos e cavalinhas surgiram há mais de 440 milhões da anos. Os pequeninos colêmbolos merecem por isso mais umas quantas imagens.



Ficha técnica
As imagens desta contribuição foram retiradas de um filme de Hans Berggren que se pode puxar daqui, nas páginas da Science.

Referências
(ref1) Nils Cronberg, Rayna Natcheva, Katarina Hedlund (2006). Microarthropods Mediate Sperm Transfer in Mosses. Science Vol. 313. no. 5791, p. 1255. Laço DOI.

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