quinta-feira, setembro 14, 2006

A urvogel das quatro arqueopterixes

Esta é uma imagem do fóssil da urvogel, termo alemão para "primeira ave". Trata-se de uma emblemática criatura, do tamanho de uma gralha, cujo nome científico é Archaeopteryx lithographica. Este fóssil teve uma importância histórica imensa na aceitação da teoria da evolução. O arqueopterix foi descoberto em 1861, dois anos apenas após a publicação da "Origem das Espécies" de Charles Darwin. Este ser, com penas e asas como as aves, mas com dentes e uma longa cauda como os répteis, continua a ser uma das primeiras imagens que ocorre quando se pensa na evolução. O mais extraordinário é que, ao fim de 145 anos, ainda se continuem a descobrir coisas novas nesta criatura. Archaeopteryx quer dizer asa antiga, mas como é óbvio o animal teria mais que uma. A questão é exactamente quantas mais. [... ler mais]

Mostra-se em baixo uma reconstrução do arqueopterix que ilustra o aspecto que se admitia para este animal.

Notem os dedos com garras nas asas. O modo de vida desta primeira ave era motivo de alguma controvérsia. Alguns investigadores defendiam que se trataria de um animal que se deslocaria correndo no solo e voando ocasionalmente. Outros investigadores propunham um modo de vida arborícola, deslocando-se entre os ramos e voando de árvore em árvore, como se mostra nesta imagem do artista Luis Rey. Ora todas essas reconstituições do animal têm que ser revistas. Num artigo na revista Paleobiology (ref1) Nick Longrich descreve as penas nos membros posteriores do arqueopterix. Numa tradução livre do resumo:

Este estudo examina a morfologia e função da plumagem dos membros posteriores na Archaeopteryx lithographica. As pernas do espécime de Berlim encontram-se cobertas de penas, que se estendem desde a superfície cranial da tíbia às margens quer da tíbia quer do fémur. Estas penas exibem características de penas de vôo e não de penas de contorno, incluindo assimetria, raques curvas, e um padrão de sobreposição estabilizador. Muitas dessas características facilitam o gerar de impulso nas asas e cauda das aves, sugerindo que os membros posteriores agiam como um aerofólio.

A preparação que tinha sido feita para o estudo original do arqueopterix obscureceu alguns vestígios dessas penas das pernas. Elas ainda são visíveis, mas não tão evidentes como as penas dos braços. A barriga da perna e a coxa do arqueopterix estariam cobertas por penas semelhantes às dos braços, ou seja penas de vôo, e com uma disposição semelhante. O arqueopterix teria por isso quatro asas!
Apresenta-se uma nova reconstrução do Archaeopteryx na qual os membros posteriores formam aproximadamente 12% da área total do aerofólio. Dependendo da sua orientação, os membros inferiores poderiam reduzir a velocidade de descida por 6% e o raio de viragem por 12%. A presença da forma corporal com quatro asas quer no Archaeopteryx quer nos membros basais dos Dromaeosauridae indica que o antepassado comum a ambos utilizava os membros anteriores e posteriores para gerar impulso. Esta descoberta sugere que queda livre (pára-quedismo) das árvores e o planar precederam a evolução do vôo das aves.

A reconstrução do artigo é muito semelhante à proposta para um pequeno dromeosauro, o Microraptor gui, que se pode ver neste modelo no American Museum of Natural History, de Nova Iorque.

Uma ilustração desses microraptores, muito mais espectacular, pode ser vista nesta imagem da autoria de Luis Rey. As penas das pernas no arqueopterix seriam ligeiramente menores que as do microraptor. Longrich sugere na verdade um modelo que não se aproxima tanto de um biplano, as asas das pernas seriam mantidas numa posição tal que funcionariam um pouco como a cauda das aves modernas.

Quando se descobriu este arranjo no microraptor pensou-se que se trataria de uma "experiência" que teria pouco a ver com a evolução do vôo das verdadeiras aves. Ora os estudos filogenéticos sugerem que as aves modernas partilharão um antepassado comum mais recente com o arqueopterix que com os microraptores, logo o antepassado comum mais recente dos microraptores e do arqueopterix, que tinha quatro asas, eram também antepassado das aves modernas. O vôo nas aves terá começado assim com quatro asas e com animais que eram essencialmente planadores.

Para terminar, aconselho vivamente a visita da série de imagens intitulada New Chinese Revolution, de Luis Rey, que ilustram a verdadeira revolução que houve na nossa visão dos dinossauros nos últimos anos. Neste momento, encaramos os dinossauros terópodes como animais muito semelhantes às aves, muitos deles sendo inclusivamente capazes de voar.

Ficha técnica
Todas as imagem retirada da Wikimedia Commons, aqui, aqui e aqui.

Referências
(ref1) Longrich, N. (2006). Structure and function of hindlimb feathers in Archaeopteryx lithographica. Paleobiology 32(3):417-431. Laço DOI

0 comentários: