segunda-feira, março 20, 2006

A marchar há mais de 60 milhões de anos

Os fragmentos ósseos fossilizados que se mostram ao lado pertencem a vertebrados descobertos recentemente, e que terão morrido há cerca de 62 milhões de anos. Descobertos na Nova Zelândia, e chamados Waimanu Manneringi e Waimanu Tuatahi, assim à primeira vista não parece claro de que tipo de criatura se trata. Pois bem trata-se de restos fossilizados de uma ave. [... ler mais]

A identidade da ave torna-se evidente quando se encaixam os ossos e se tenta reproduzir o aspecto do esqueleto. A imagem à direita, retirada de um artigo no Molecular Biology and Evolution (ref1), da autoria de Kerryn E. Slack e colegas, mostra então o tipo de animal que deixou os vestígios. A ave é exactamente aquilo que parece: um pinguim, ou pelo menos o aspecto que os pinguins tinham há mais de 60 milhões de anos. Este esqueleto mostra que os pinguins nesses tempos longínquos eram já muito semelhantes aos pinguins dos nossos dias, especialmente numa característica: tinham adquirido a postura erecta. Retinham no entanto um aspecto que seria de esperar num descendente de animais voadores: os Waimanus eram ainda capazes ainda de dobrar as asas no cotovelo. A idade deste fóssil tem consequências interessantes quanto à origem das aves modernas, e a maior parte do artigo gira em torno desse aspecto. Numa tradução livre do resumo do artigo de Kerryn E. Slack e colegas:

Testar modelos de macroevolução, em especial o facto dos processos microevolucionários serem suficientes, exige uma boa colaboração entre biólogos moleculares e paleontólogos. Relatamos um teste para os acontecimentos por volta do Cretácico Tardio descrevendo o mais antigo fóssil de um pinguim, analisando genomas mitocondriais completos de um albatroz, um petrel, e um mergulhão, e descrevemos o declínio gradual dos pterossauros ao mesmo tempo que as aves modernas radiam.
Como noutros artigos que têm sido apresentados aqui no Cais de Gaia, note-se o uso de ADN mitoncondrial. Um pouco adiante:
Os fósseis, um novo género (Waimanu), fornecem um limite inferior de 61-62 milhões de anos para a divergência entre os pinguins e as outras aves e estabelecem assim um ponto fiável de calibração para a evolução das aves. Combinando os pontos de calibração de fósseis, sequências de ADN, análises de máxima verosimilhança e Bayesianas, as calibrações dos pinguins implicam uma radiação das aves modernas no Cretácico Tardio. Isto inclui uma estimativa conservadora de que as aves marinhas e costeiras modernas divergiram no Cretácico tardio há 74±3 milhões de anos. É claro que os antepassados dos vários grupos das aves modernas, pelo menos nos últimos tempos do Cretácico, viveram ao mesmo tempo que as aves arcaicas, incluindo Hesperornis, Ichthyornis, e os diversos Enantiornithiformes.
O que isto significa é que os actuais grupos de aves já se tinham separado em plena era dos dinossauros. Os céus da altura deviam ser estranhos. Para além de vários tipos de aves semelhantes às modernas, existiriam formas com cauda e/ou com dentes, e não só, no solo existiria todo um sem número de dinossauros com plumas. Os autores do artigo especulam então sobre o que a competição com as aves poderia ter significado para os pterossauros.
Os pterossauros, que também coexistiram com os antepassados das aves modernas, mostram mudanças apreciáveis durante o Cretácico Tardio. Houve um decréscimo na diversidade taxonómica, e as espécies de tamanho médio e pequeno desapareceram bastante antes do final do Cretácico. Uma leitura simples do registo fóssil poderia sugerir interações de natureza competitiva com as aves, mas é preciso compreender muito mais sobre a história da vida dos pterossauros.
A cautela dos autores é justificada. Os ossos dos pterossauros são muito frágeis, só fossilizam em condições excepcionais, e nós não sabemos muita coisa acerca dessas criaturas que incluem os maiores animais alados que jamais existiram na Terra.

O pdf do artigo está disponível na Internet, é de acesso livre, e aqueles que estiverem interessados na reconstrução da filogenia das aves modernas poderão consultar os cladogramas aí apresentados, e que eu não discuti aqui.

Para terminar, nada melhor que uma imagem dos parentes mais próximos, 62 milhões de anos depois.



Referências
(ref1) Kerryn E. Slack, Craig M. Jones, Tatsuro Ando, G. L. (Abby) Harrison, R. Ewan Fordyce, Ulfur Arnason, and David Penny (2006). Early Penguin Fossils, plus Mitochondrial Genomes, Calibrate Avian Evolution. Molecular Biology and Evolution. Laço DOI.

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