quarta-feira, março 15, 2006

Três milhões à espreita

O famoso Monte Vesúvio sepultou a cidade de Pompeia num manto de cinzas, no ano 79 DC. Desde essa data o Vesúvio já entrou em erupção por mais vezes, mas nunca com a mesma fúria, e sabe-se que voltará a entrar em erupção daqui a algum tempo. Num estudo recente nos Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1), Giuseppe Mastrolorenzo e colegas descrevem uma erupção bastante anterior a Pompeia, numa escala muito maior.[...ler mais]
O monte de aspecto pacato, que aparece no fundo desta imagem de Nápoles, é o famoso Monte Vesúvio, que sepultou a cidade de Pompeia num manto de cinzas, no ano 79 DC. Desde essa data o Vesúvio já entrou em erupção por mais vezes, mas nunca com a mesma fúria, e sabe-se que voltará a entrar em erupção daqui a algum tempo. Eu tinha esta contribuição "na gaveta" há algum tempo, pois apareceu na imprensa, mas o artigo científico só saiu esta semana. Nestas coisas é sempre preferível ler em primeira mão, pois muitas vezes nos comunicados de imprensa as coisas são muito mais espectaculares, ou assustadoras, do que aquilo que sai no artigo onde a ciência é publicada.

As erupções vulcânicas do tipo da que condenou Pompeia, com uma grande libertação de gases vulcânicos, pedra-pomes e quantidades colossais de cinza, são por vezes designadas de "Plinianas", em honra a Plínio o Velho, um naturalista romano que morreu durante a erupção. O seu sobrinho, Plínio o Moço, forneceu uma descrição detalhada da erupção, e séculos de escavações permitiram-nos conhecer relativamente bem os últimos dias dessa cidade condenada. A erupção sepultou também a cidade de Herculano, e a dimensão da área atingida tem sido sempre utilizada como uma espécie de pior cenário que os grupos de proteção civil da zona de Nápoles teriam que enfrentar. Acontece que num estudo recente nos Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1), Giuseppe Mastrolorenzo e colegas descrevem uma erupção bastante anterior a Pompeia, numa escala muito maior. Numa tradução livre do resumo:

Uma catástrofe vulcânica ainda mais devastadora que a famosa erupção de Pompeia do anno Domini 79 ocorreu no Vesúvio durante a Idade do Bronze. A erupção pliniana de Avelino do ano 3780 AC produziu no início uma queda de pedra-pomes e no final um fluxo piroclástico que cobriu as redondezas do vulcão até uma distância de 25 km, sepultando campos e aldeias.
Um fluxo piroclástico é um daqueles fenómenos vulcânicos dos quais não há escapatória possível, trata-se de uma nuvem gigantesca de gás, cinzas e fragmentos de rochas, que escorre da encosta do vulcão a velocidades impressionantes (pode chegar a 150 km/hora) e que é completamente letal. A temperatura do gás pode chegar aos 800 graus Celsius. Os investigadores conseguiram desenterrar algumas das cabanas e até esqueletos de alguns dos infelizes habitantes, enterrados sob mais de um metro de pedra-pomes, em posturas que sugerem morte por asfixia.

Continuando:
Apresentamos aqui a reconstrução desta catástrofe pré-histórica e o seu impacto na cultura da Idade do Bronze na Campânia, a partir de um estudo interdisciplinar vulcanológico e arqueo-antropológico. A evidência mostra que uma brusca evacuação em massa de milhares de pessoas ocorreu no início da erupção, antes do último destrutivo colapso de coluna pliniano. A maioria dos fugitivos provavelmente sobreviveu, mas a desertificação total do habitat devido à gigantesca erupção causou um colapso demográfico e social, e o abandono de toda a região durante séculos.

A imagem que melhor ilustra todos estes pontos são as pegadas deixadas na cinza pelos habitantes em fuga, e que vão na direcção oposta à do vulcão. Os arqueólogos desenterraram milhares destas provas claras do êxodo em larga escala dos habitantes de Avelino. A fase inicial, de queda de pedra-pomes não é particularmente letal, daí os autores dizerem que a maioria das pessoas terá sobrevivido à fuga.

Aquelas pessoas partiram, e os napolitanos talvez tenham que seguir as pisadas daqueles pés descalços um destes dias. O "pior cenário", que representa a maior catástrofe possível, não tem como motivação assustar o público. Não significa que algo dessa escala esteja iminente, significa apenas que, se ocorrer, os serviços de ajuda às vítimas estarão à altura dos acontecimentos. Este estudo mostra que é preciso mudar as coisas, e os autores concluem que:
Porque um acontecimento desta escala é capaz de devastar um vasto território que inclui a actual área metropolitana de Nápoles, esta deve ser a referência a ser considerada para o pior cenário eruptivo no Vesúvio.
Naquela zona vivem actualmente cerca de três milhões de pessoas. Como se viu recentemente nos Estados Unidos com o Furação Katrina, quando não se está preparado para uma situação difícil a resposta pode correr muito mal.

Ficha técnica
Imagem com a cidade de Pompeia cortesia de Crew Creative Ltd.
Imagem no início da contribuição retirada da Wikimedia Commons.
Restantes imagem cortesia de Michael Sheridan retiradas do comunicado de imprensa da Universidade de Buffalo.

Referências
(ref1) Giuseppe Mastrolorenzo, Pierpaolo Petrone, Lucia Pappalardo, and Michael F. Sheridan (2006). The Avellino 3780-yr-B.P. catastrophe as a worst-case scenario for a future eruption at Vesuvius. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. Laço DOI.

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