quarta-feira, março 22, 2006

Os ratos invertebrados do outro lado do mundo

Há uns tempos pedi aos leitores para imaginarem ilhas sem mamíferos e onde os papagaios perderam a faculdade de voar. Pois bem, imaginemos agora uma ilha sem ratos e em que um invertebrado com seis patas evoluía para ocupar o lugar desses ratos. Pois é, trata-se das mesmas ilhas dos kakapos, a Nova Zelândia. E o animal, que aqui ocupou durante milhões de anos o lugar dos ratos, é uma criatura que parece um cruzamento entre um grilo e uma barata, de seu nome Wetapunga, ou mais simplesmente weta. Para os maoris Wetapunga quer dizer "deus das criaturas feias", mas não sei, eu até acho o animalzito acima simpático. Se bem que o weta não seja propriamente um "animalzito": com uns respeitáveis 9 centímetros de comprimento e 70 gramas de peso, o weta gigante, cujo nome científico é Deinacrida heteracantha, é o insecto mais pesado do planeta, sendo maior e mais pesado que muitas espécies de ratos.[... ler mais]

Se repararem bem na imagem acima, na pata mais próxima da margem direita da fotografia, ligeiramente acima da posição da antena, vê-se uma estrutura de formato arredondado. Trata-se de um tímpano, os weta ouvem com as patas da frente. Embora não tenham desenvolvido orelhas arrendondas nas patas, e sejam muito diferentes no aspecto físico em relação aos roedores, a semelhança entre o deus das criaturas feias e os ratos existe, mas está ligada ao papel na ecologia das ilhas. Isso foi comprovado recentemente por Catherine Duthie, cuja tese de doutoramento consistiu em alimentar os wetas com vários tipos de frutos, e em seguida verificar se as sementes que passavam pelo aparelho digestivo do insecto ainda eram capazes de germinar. A resposta pode ser encontrada num artigo na Science (ref1), onde Catherine Duthie, George Gibbs, e K. C. Burns descrevem os resultados desses estudos. Numa tradução livre do resumo:

Os weta são gafanhotos gigantes não voadores endémicos da Nova Zelândia. Na ausência de mamíferos nativos, pensa-se que os weta realizam funções ecológicas semelhantes. Como tal, poder-se-ia esperar que fossem importantes agentes de dispersão de sementes. Contudo, os insectos não são conhecidos por consumirem frutos carnudos e dispersarem as sementes após a passagem pelo aparelho digestivo. Conduzimos uma série de observações e experiências para testar se os weta formam parcerias mutualistas com plantas produtoras de frutos carnudos, de forma semelhante aos mamíferos no resto do mundo. Os resultados mostraram que os weta são de facto eficientes na dispersão de sementes, fornecendo um exemplo de convergência ecológica entre organismos não relacionados.

Os autores do estudo verificaram que algumas das sementes germinavam mesmo mais facilmente após serem ingeridas pelos weta. Embora as aves sejam mais eficientes a dispersarem sementes a longas distâncias, alguns tipos de plantas podem confiar sobretudo nos weta para essa tarefa. Tal como os kakapos, o weta encontra-se em risco devido à introdução pelos seres humanos de ratos e outros animais não nativos da nova Zelândia, e não se sabe qual o efeito que a previsível extinção de muitas das espécies existentes terá sobre a flora local.



Referências
(ref1) Catherine Duthie, George Gibbs, K. C. Burns (2006). Seed Dispersal by Weta. Science, Vol. 311. no. 5767, p. 1575. Laço DOI.

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