sábado, janeiro 28, 2006

Um flagelo da antiguidade.

No segundo ano da Guerra do Peloponeso (430 AC) a cidade de Atenas foi atingida por uma praga devastadora que voltou a atacar em 429 AC e 427 AC. Calcula-se que entre 25 a 30% da população da cidade tenha morrido. Entre as vítimas encontrava-se o famoso estadista Péricles. O historiador Tucídides, que contraiu a doença, descreve-a em detalhe. [... ler mais]

Reproduzem-se abaixo os pormenores arrepiantes numa tradução livre da Guerra do Peloponeso de Tucídides, cuja versão inglesa se encontra no projecto Gutemberg. Faço notar que os números do capítulo não correspondem aos que são dados noutras versões.

Livro II Capítulo VII

Como regra, contudo, não havia causa aparente; mas pessoas saudáveis eram subitamente atacadas por calores na cabeça, vermelhidão e inflamação nos olhos, as partes interiores, tais como a garganta e a língua tornavam-se sangrentas e emitiam um hálito fétido e não natural.

Este sintomas eram seguidos por espirros e rouquidão, após os quais a dor atingia o peito e produzia uma tosse profunda. Quando se fixava no estômago, perturbava-o; e seguia-se descargas da bilís de toda a espécie conhecida pelos médicos, acompanhada por uma grande inquietação.

Na maioria dos casos seguia-se um vómito sem resultados, produzindo espasmos violentos, que nalguns casos cessavam pouco depois, noutros muito mais tarde

Externamente o corpo não era muito quente ao toque, nem pálido na aparência, mas avermelhado, lívido, e coberto por pequenas pústulas e úlceras. Mas internamente queimava de forma que o paciente não suportava roupa ou coberturas mesmo do tipo mais leve; ou de facto estar de outra forma que não completamente nu. O que eles teriam preferido teria sido atirarem-se para água fria; tal como aconteceu com alguns dos doentes negligenciados, que mergulhaream em tanques com água da chuva na sua agonia de sede insaciável; apesar de não não fazer diferença se bebiam muito ou pouco.

Para além disso, o sentimento miserável de não ser capaz de descansar ou dormir nunca cessava de os atormentar. O corpo contudo não se degradava enquanto a enfermidade estava no apogeu, mas aguentava-se maravilhosamente contra as depredações; pelo que quando sucumbiam, tal como na maioria dos caso, no sétimo ou oitavo dia à inflamação interna, ainda tinham alguma força neles. Mas se ultrapassassem este estádio, e a doença descesse mais nas entranhas, induzindo uma ulceração violenta acompanhada por diarreia severa, isto trazia uma fraqueza que era geralmente fatal.

Pois a desordem instalava-se primeiro na cabeça, seguia o seu curso a partir daí através do corpo todo, e mesmo quando não se asseverava mortal, deixava à mesma a sua marca nas extremidades; pois instalava-se nas partes privadas, nos dedos das mãos e pés, e muitos escapavam com a perda destes, alguns também com a dos olhos. Outros ainda eram afectados por uma completa perda de memória aquando da recuperação e não se reconheciam a si mesmos ou aos seus amigos.
Para além dos sintomas da doença, Tucídides descreve ainda o colapso total da sociedade, num cenário em tudo semelhante ao de outras pragas da história tais como a peste negra. Os sintomas da doença não indentificam um culpado claro e muitos agentes patogénicos foram implicados nesta praga: beste bubónica, febre amarela, malária, ébola, gripe, varíola, tifo, para citar apenas alguns.

Tal como os espectadores das várias séries do CSI que dão na televisão sabem, um cadáver e ADN são muitas vezes suficientes para um descobrir o culpado. Um conjunto de investigadores liderado por Manolis J. Papagrigorakisa acaba de publicar um artigo no International Journal of Infectious Diseases que faz de facto lembrar os especialistas forenses das séries de televisão. Numa adaptação livre do resumo:

Até recentemente, na ausência de evidência microbiológica directa, a causa da Praga de Atenas permaneceu um tópico de debate ente os cientistas que se baseavam apenas na narração de Tucídides para estabelecerem os vários diagnósticos possíveis. Uma vala comum, escavada no antigo cimetério de Atenas, o Kerameikos, e datada da época da praga (cerca de 430 AC), providenciou o material ósseo necessário para investigar o ADN microbial.

As valas comuns não eram usuais na Grécia e o estado dos corpos aponta de facto para morte por doença. Mas apesar de tudo os corpos têm cerca de 2500 anos, o tecido muscular decaiu completamente, o esqueleto foi contaminado por toda a espécie de organismos existentes no solo. Onde é que os cientistas poderão extrair o ADN que necessitam, e sobretudo como é que podem confiar naquilo que vão obter?

Método: A polpa dos dentes foi o material escolhido, pois sabe-se ser uma fonte ideal de ADN de microorganismos patogénico antigos devido à sua boa vascularização, durabilidade e esterilidade natural.

Os cientistas testaram então o ADN contido na polpa de 3 dentes retirados de alguns esqueletos com o ADN de 6 agentes patogénicos modernos: peste (Yersinia pestis), tifo (Rickettsia prowazekii), antraz (Bacillus anthracis), tuberculose (Mycobacterium tuberculosis), varíola das vacas (um vírus), doença da arranhadura do gato (Bartonella henselae), e febre tifóide (Salmonella enterica serovar Typhi). Os investigadores apenas detectaram o agente causador da febre tifóide, que se mostra na imagem ao lado. Embora existam ainda algumas arestas por limar (o gene detectado apresentou apenas 93% de semelhanças) não deixa de ser impressionante ter descoberto nos dentes destas infelizes vítimas da praga uma cápsula do tempo que nos permite resolver um mistério do passado.



Referências
(ref1) Christos Yapijakisb, Philippos N. Synodinosa and Effie Baziotopoulou-Valavanic(2006). DNA examination of ancient dental pulp incriminates typhoid fever as a probable cause of the Plague of Athens. Manolis J. Papagrigorakisa, International Journal of Infectious Diseases. Laço DOI

1 comentários:

Anónimo disse...

intiresno muito, obrigado