segunda-feira, novembro 19, 2007

Hiato

Estou mais uma vez lá fora em viagem, e daqui até final do ano só devo passar cerca de uma semana em Portugal. Entre hotéis e pensões, entre a Alemanha e a Índia, vai ser um pouco difícil actualizar o blogue.

domingo, novembro 18, 2007

As libelinhas emissoras de rádio

O estudo sobre as câmaras dos corvos da Nova Caledónia recordou-me outro avanço na monitorização de pequenas criaturas voadoras. Colocar câmaras de 14 gramas numa ave com um peso de umas quantas centenas de gramas pode parecer notável. Mas e quando o objecto de estudo pesa apenas cerca de um grama? Bem, nesse caso precisamos apenas de um cientista, de um tubo de cola e do último grito em miniaturização electrónica. A libélula da imagem, da espécie Anax junius, carrega um emissor com cerca de 300 miligramas com autonomia para cerca de 12 dias. Não fornece imagens mas emite um sinal que permite localizar o animal. O peso do dispositivo electrónico é cerca de um terço do peso do insecto, mas as libelinhas são criaturas fortes. São capazes de carregar presas muito mais pesadas que este emissor e, durante o acasalamento, os machos transportam as fêmeas sem grandes problemas. As libelinhas carregaram estes emissores rádio como parte de um estudo sobre os seus hábitos migratórios. Pois é, tal como muitas aves, algumas libélulas emigram para climas mais soalheiros quando se aproximam os períodos de frio.[... ler mais]

O comportamento migratório das libélulas de Nova Jérsia (EUA) é descrito num artigo de Martin Wikelski e colegas na revista Biology Letters (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Todos os anos milhares de milhões de borboleta, libelinhas, mariposas e outros insectos migram através dos continentes, e tem sido feito um progresso considerável na compreensão de fenómenos migratórios ao nível da população. Contudo, sabe-se pouco quanto aos destinos e às estratégias individuais dos insectos. Colocámos emissores rádio miniaturizados (cerca de 300 miligramas) no tórax de 14 libélulas (Anax junius) e seguimo-las durante a sua migração outonal durante doze dias, usando eviões Cessna equipados como receptores, e equipas de terra. As libélulas mostraram dias de migração e de paragem distintos. Em média, migraram a cada 2.9±0.3 dias, e o seu avanço médio total foi de 58±11km em 6.1±0.9 dias (11.9±2.8 km por dia) numa direcção geralmente de sudoeste (186±52°).

Deve notar-se que este progresso de cerca de 12 km dia não é nada de notável para animais que conseguem voar a 5 metros por segundo. Os autores fornecem no texto alguns valores interessantes: uma libélula possui reservas de gordura em torno de 300 miligramas, que lhe permitiriam voar cerca de 8.3 horas, o que daria cerca de 150 km. As libélulas optam contudo por não gastarem demasiado, voam durante períodos curtos e mantêm sempre alguma gordura no corpo. Mesmo assim, um avanço desta ordem significa que estes animais fazem cerca de 700 km durante os dois meses que dura a estação migratória nestas libélulas.

O mais notável é que o padrão destas migrações é semelhante ao observado em animais muito diferentes:
Migraram exclusivamente durante o dia, quando as velocidades do vento eram inferiores a 25 km por hora, independentemente da direcção do vento, mas apenas após duas noites de temperaturas mais baixas (redução de 2.1±0.6°C na temperatura mínima). Os padrões migratórios e as regras de decisão aparentes das libélulas são notavelmente semelhantes aos propostos para as aves canoras, e podem representar uma estratégia de migração geral, para a migração de longa distância de organismos com velocidades elevadas de vôo auto-propulsionado.

Os insectos ganharam os ares muito provavelmente há mais de 400 milhões de anos, muito antes das aves. Confrontados com um problema semelhante, as aves e os insectos migradores evoluiram de forma independente para uma solução muito parecida. Há, no entanto, uma diferença entre aves e libélulas migradoras. Os insectos que regressam na Primavera seguinte não são os que partiram no Outono, mas sim uma nova geração.

Termino com uma imagem de um dos migradores do estudo, prestes a fazer-se ao caminho, com o seu sistema de monitorização.

Referências
(ref1) Martin Wikelski, David Moskowitz, James S. Adelman, Jim Cochran, David S. Wilcove, & Michael L. May (2006). Simple rules guide dragonfly migration. Biology Letters 2:325-329. doi:10.1098/rsbl.2006.0487.

domingo, novembro 11, 2007

Sopa da Pedra, edição de Fajão

Fajão é uma povoação no Concelho da Pampilhosa da Serra, estrategicamente colocada num vale recôndito rodeado de montanhas. Para quem goste de passeatas aos altos e baixo há muito por onde escolher: é rodeada pelo rochedos de Penalva e pelo cabeço da Mata, pela Serra da Rocha, pela Serra da Amarela e pelo Picoto de Cebola. Mas Fajão tem algo a que os apreciadores dos calhaus não serão capazes de resistir: grande parte das casas são feitas de pedra. Trata-se de uma das "Aldeias do Xisto" de Portugal. É um local muito bonito e aprazível, mas também muito pequeno, moram por volta de 300 pessoas em toda a freguesia, que inclui outras povoações. Existem no entanto vários locais de interesse, incluindo uma notável igreja do século XVIII, com imagens de santos e de Nossa Senhora do Rosário do século XVI, o museu Monsenhor Nunes Pereira, e uma casa de pasto onde aconselho para almoço o excelente javali local, regado com uma boa escolha de vinhos alentejanos. [... ler mais]

Inspirados por este panorama da aldeia vejamos então alguns dos temas com interesse na blogosfera paleo/geológica em português durante o mês de Outubro. Comecemos por it até ao Açores e recuar no tempo, até 50 anos atrás, cortesia do GEOCRUSOE. No remoto mês de Outubro de 1957 Portugal ganhava uma ilhota, no Faial. Mas a ilhota nova desapareceria ainda antes de terminar esse mesmo mês de Outubro. O aniversário dos Capelinhos não foi ignorado no Faial, sendo celebrado com música a condizer.

O interesse Geológico do Faial não se esgota contudo no Vulcão dos Capelinhos, e o GEOCRUSOE mostra detalhes de uma ilha com falhas. Essas falhas geológicas, estão relacionadas com vários tipos de movimentos. Um só sismo pode provocar desníveis de um metro e no Faial, por toda a parte, há traços de antigos tremores de terra na paisagem.

Esta casa típica, logo à entrada da aldeia, traz-nos ao próximo grupo de contribuições, dedicadas a pedras vistas nas profundezas, com muita água e lama. Água suficiente para dar banho aos nalga, sobretudo para os que gostam de se roçar no barro. Foi o que sucedeu com o Núcleo dos Amigos das Lapas, Grutas e Algares. Eles gostaram tanto que não resistiram às saudades da lama de Alvide, e fizeram mesmo um filme com as formas cársicas nas grutas.

Já agora, sabiam que se pode fazer espeleologia sem sair da cidade? O Porto visto das suas entranhas. Mais uma dos NALGA.

A flora de Fajão inclui esta planta, o medronheiro, que atrai os fabricantes algarvios de aguardante de medronho, que compram grande parte da produção local. Esta é uma boa desculpa para introduzir o próximo tema. Para quem gosta de ver cinema de capacete o Algarve é o destino indicado, com um gostinho a sal e a profundezas. Bebam mais informação cortesia Geopedrados.

Se visitarem Fajão, fiquem para jantar, pois o cabrito é excelente, e não se esqueçam de provar a aguardente de mel do sítio. Não se preocupem quanto a terem que se fazer à estrada. Podem dormir na prisão, que por acaso até fica bastante em conta. É o edifício de xisto no cimo das escadas de pedra da imagem abaixo, transformado numa confortável pensão.

Para terminar a visita pela blogosfera nada melhor que dinossauros. Em Cantanhede, os dinossauros extinguem-se a 9 de Dezembro deste ano, estando destinados ao uso como matéria prima nas obras da Câmara Municipal. Até lá são de areia. Tudo explicado no De Rerum Natura.

O paleontólogo Octávio Mateus arrasta os seus ossos na Mongólia, algures no Gobi entre anquilossauros, tarbossauros, e ovirraptores. As revelações vêm no GeoLeiria. Claro que nestas coisas é sempre bom ir beber à fonte, se bem que referente ao mês de Setembro. Visitem por isso os Lusodinos.

Para terminar com paleontologia, fotos da bela e do monstro. A bela é uma jovem africana, o monstro é Luís Azevedo Rodrigues um fémur de plateossaurídeo, via Ciência Ao Natural.

Com esta imagem das montanhas vizinhas de Fajão termina o Sopa da Pedra de Outubro de 2007. A lista de temas foi elaborada a partir dos emails enviados pelo leitores. Aceito sugestões relativas ao mês de Novembro até ao primeiro fim de semana de Dezembro, aqui nos comentários ou no email que podem encontrar na barra lateral. Para detalhes relativos aos temas que me interessam consultem a versão zero. Já sabem, nada de política ou controversas criacionistas: só pedras e fósseis.

Ficha técnica
As imagens são da minha autoria e podem ser usadas livremente.

sexta-feira, novembro 09, 2007

Viagem e direitos de autor

Eu tenho estado em França e não me tem sido possível colocar as contribuições em atraso, incluindo as da sopa da pedra. Volto amanhã, pelo que no sábado devo actualizar o blogue.

Entretanto, notei uma coisa. Aqui há uns meses, este blogue recebia umas largas centenas de visitas diárias provenientes do google. Essas caíram para umas dezenas e tem tudo a ver com o facto de algumas pessoas estarem a duplicar conteúdo meu na internet. Não é que isso me incomode, tudo o que está aqui pode ser usado desde que respeitem os desejos dos autores das imagens que uso e tenham cautela com as citações que faço a outras pessoas. O problema é que a cópia literal dos textos é encarada pelo google como estando a fazer batota e baixa a posição das minhas (e das vossas) páginas nos algoritmos de busca. Eu não vou incomodar ninguém por causa disso, mas, por favor, coloquem em linha duplicados apenas dos conteúdos que vos sejam realmente necessários.

sexta-feira, novembro 02, 2007

O mundo visto por entre as pernas dos corvos

A semana do corvo surgiu em antecipação de um artigo que saiu agora no princípio de Novembro de 2007. Uma das questões sobre o uso de feramentas pelos corvos da Nova Caledónia, o Corvus moneduloides, é o porquê deste comportamento pouco habitual. Isso é algo que não pode ser estudado com animais em cativeiro, a resposta dessa questão só pode ser encontrada observando animais na natureza. Colocar observadores humanos a seguirem os corvos é algo de pouco práctico. Estes corvídeos são afectados pela presença humana e habitam em zonas de floresta montanhosa, onde a visibilidade é limitada. A solução que os cientistas encontraram está ilustrada na imagem: capturaram animais bravios e colocaram-lhes câmaras minúsculas entre as penas da cauda. Essas câmaras não interferem com o movimento do animal e caem com as penas aquando da muda. O ângulo de visão é o adequado a um animal que se alimenta no solo, entre os detritos, ou que usa ferramentas para pesquisar em buracos. [... ler mais]

O artigo que descreve este avanço nas observações do dia a dia dos corvos selvagens é da autoria de Christian Rutz e colegas e foi publicado na revista Science (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Os corvos da Nova Caledónia (Corvus moneduloides) são famosos por usarem ferramentas para a busca de alimento de carácter extractivo, mas o contexto ecológico deste comportamento pouco habitual é em grande parte desconhecido. Desenvolvemos câmaras de vídeo miniaturizadas, transportadas pelo animal, para registar a ecologia alimentar de corvos selvagens movimentando-se livremente na natureza. As nossas gravações em vídeo permitiram estimar a eficiência da busca de alimento e revelaram que o uso de ferramentas, e a escolha de materiais para ferramentas, são mais diversificados do que se julgava anteriormente. O estudo através do vídeo tem um grande potencial para o estudo do comportamento, e ecologia, de muitas outras espécies de aves, que são tímidas ou vivem em locais inacessíveis.

O dispositivo colocado nos animais permitia dois tipos de monitorização. Um emissor VHF de tipo convencional permitia determinar a posição de animal. Esta técnica é usada de forma relativamente comum para determinar o habitat de várias espécies animais, mas não fornece informação sobre o tipo de actividades que o animal desenvolve nesses locais. Os corvos carregavam por isso um emissor a 2.4 GHz que transmitia um sinal vídeo de imagens a cores com som. O sinal de vídeo era transmitido após um perídodo de habituação (que podia chegar a 48 horas). As montagens que incluiam a câmara, baterias, e vários sensores, mediam aproximadamente 4.5×2.0×1.3 centímetros e pesavam 14.54 ± 0.21 g, correspondendo a menos de 5% da massa corporal dos corvos. Os autores escolheram o período da muda da pena nos corvos para assegurarem que as câmaras seriam largadas quando muito ao fim de poucas semanas. Estes e uma série de outros aspectos destinados a minimizarem o efeito sobre os animais são discutidos no artigo.

Os dados eram recolhidos a partir de receptores portáteis operados a partir do solo, com duas equipas independentes a operarem equipamentos redundantes, para maximizar a recepção do sinal vídeo. Eis aqui o exemplo do trajecto de um animal que passou a sua manhã na vizinhança de um pequeno vale em forma de crescente. O azul indica o período antes de iniciar a transmissão do sinal vídeo, o vermelho o período onde o sinal vídeo estava disponível.

O interessante é poder observar o que o animal faz nesses instantes. Por exemplo, observou-se que um dos animais durante a tarde efectuou as seguintes actividades: fabricou e usou ferramentas, capturou três lagartos pequenos, manuseou duas conchas vazias de caracol, e apanhou e comeu um fruto. Estes acontecimentos estavam separados por sequências em que o animal buscava comida no chão ou saltando de ramo para ramo. Para mostrar a importância das câmaras, atentem nesta frase, relativa a esse animal, retirada do artigo:
Vimos o pássaro apenas uma vez apesar de nos encontrarmos a menos de 100 metros da sua localização durante a filmagem, com visão não obstruída de todos os recantos relevantes do habitat.

Ou seja, o comportamento do animal não seria documentado, mesmo com observadores nas imediações. Eis aqui alguma imagens da actividade desenvolvida pelos corvos:

O artigo é acompanhado por uma série de filmes. Podemos ver corvos a capturarem caracóis e lagartos, a comerem frutos, a fabricarem ferramentas, a deslocarem-se pelo chão, e a voarem.

Filme s1, Filme s2, Filme s3, Filme s4

Em 7 horas e meia de filmagens analisadas pelos investigadores, em que foram observados doze corvos, os autores observaram o manuseamento de 6 caracóis (dois comidos, os outros com conchas vazias), três lagartos pequenos (todos comidos), dois pequenos invertebrados (ambos comidos), três objectos não identificados (consumidos), oito frutos (sete comidos pelo menos parcialmente), e uma incursão com consumo de pequenas bagas. A partir das observações os autores estimaram que os corvos consomem oito items da sua dieta por cada hora em que buscam alimentam. O valor parece baixo, embora os autores notem que não existem estudos semelhantes sobre outras espécies de corvos tropicais. Este aspecto talvez explique as capacidades tecnológicas destes corvos. Num ambiente difícil o fabrico e uso de ferramentas podem aumentar e muito o sucesso dos animais na busca de alimento. Isso é algo a verificar com outros estudos, este artigo expõe sobretudo a nova técnica de observação.

Observações deste tipo, com câmaras presas a animais, não são novidade, são efectuadas há já algum tempo em animais marinhos, bastante maiores. Desde que se ajuste a flutuabilidade do dispositivo, por forma a que seja neutra, os impactos sobre os animais são em geral mínimos. Só com os avanços na miniaturização de dispositivos electrónicos se pôde avançar para as aves. O potencial para estudos de ecologia e mesmo fisiologia é imenso. Os autores notam que neste estudo a cloaca e a barriga dos corvos eram visíveis o que significa que se podia determinar a frequência com os animais respiravam e defecavam. Este estudo é apenas o início.

Referências
(ref1) Christian Rutz, Lucas A. Bluff, Alex A. S. Weir, Alex Kacelnik (2007). Video Cameras on Wild Birds. Science Vol. 318. no. 5851, p. 765. doi:10.1126/science.1146788.