terça-feira, novembro 08, 2005

Isso no teu bolso é uma serpente marinha ou estás feliz por me ver?

Embora não dê grande crédito à maioria dos objectos de estudo da criptozoologia admiro a perseverança de alguns dos entusiastas. A criptozoologia é uma actividade que busca animais cuja existência não foi provada embora apareçam em relatos de um grande número de testemunhas. Estas criaturas são o que, usando uma tradução livre do termo inglês, referirei por críptidos. Os críptidos vão desde animais recentemente desaparecidos, ou que existiram até há pouco tempo no registo fóssil, tais como o tigre da tasmânia, ou o leão marsupial Thylacoleo carnifex, até criaturas mais do domínio do imaginário como o Bigfoot e o Monstro do Loch Ness. [... ler mais]

Um grupo de críptidos que aparece de forma consistente nos relatos de pessoas que afirmam ter visto monstros marinhos são as serpentes marinhas. De vez em quando alguns cientistas aventuram-se a encontrar explicações para este tipo de relatos. Num artigo no Archives of Natural History, alguns investigadores avançam com uma explicação no mínimo surpreendente. Segundo Paxton e colegas (ref 1) aquilo que as pessoas pensam ser uma serpente marinha é na verdade apenas uma certa porção da anatomia do macho da baleia. A imagem ao lado, cortesia de Deep Sea News, é impressionante. Deixo ao vosso critério julgamentos quanto à plausibilidade da coisa.

Adenda (28 Novembro 2006). Dei por acaso com um texto no Ceticismo Aberto sobre este mesmo tema onde aparece uma imagem de baleias durante o processo de corte que parece uma luta entre serpentes e baleias.

Referências
(ref 1) Cetaceans, sex and sea serpents: an analysis of the Egede accounts of a “most dreadful monster” seen off the coast of Greenland in 1734. C. G. M. PAXTON, E. KNATTERUD and S. L. HEDLEY, 2005. Archives of Natural History, vol 32 part 1, 1-9.

quinta-feira, novembro 03, 2005

O parasita manipulador

A criatura escolhida para hoje, o protozoário Plasmodium falciparum, é responsável por um dos maiores flagelos da humanidade, a malária. Estima-se que a malária seja responsável pela morte prematura de mais seres humanos que todas as outras pragas e todas as guerras combinadas. Actualmente é ainda um flagelo que afecta milhões de pessoas em todo o mundo, particularmente em África, onde se encontram cerca de 80% dos casos da doença. Em zonas onde é endémica, cerca de 50% das crianças em idade escolar estão infectadas. É uma doença de difícil erradicação, e algumas das áreas de onde tinha desaparecido estão de novo expostas. Um dos factores que torna difícil a erradicação da doença é o complexo ciclo de vida do plasmódio. [... ler mais]

A transmissão da doença faz-se pela picada de mosquitos, em particular o Anopheles gambiae, que também é parasitado pelo plasmódio. Sabia-se que o plasmódio afectava certos aspectos do comportamento dos mosquitos infectados, levando-os a só procurarem presas quando se encontrava num estádio do seu ciclo de vida capaz de infectar humanos. O que se ignorava até agora é que também manipulava os seres humanos. Num artigo na revista com arbitragem científica PLoS Biology, Renaud Lacroix e colegas mostraram que a infecção com malária torna os seres humanos mais apetecíveis para os mosquitos.

Os mosquitos não picam aletoriamente as suas vítimas mas usam um certo número de critérios. Numa tradução livre do texto do artigo:

Uma das razões para a falta de estudos conclusivos é que a apetência intrínseca que os humanos despertam nos mosquitos varia consideravelmente. A apetência depende de, por exemplo, temperatura corporal e sudação, odor corporal e hálito.
No seu estudo os autores escolheram crianças, que separaram em três grupos de acordo com o seu grau de infecção pelo parasita da malária, para testarem as escolhas do mosquito.
Depois de obter consentimento dos pais, crianças com aparência saudável de escolas primárias locais foram examinadas para detecção de malária durante a manhã. Em cada dia escolhemos três crianças para participar no estudo: uma não infectada, uma infectada com o estádio não transmissível da doença, outra acolhendo o parasita no estado em que infecta os mosquitos.
Não há motivo para preocupações, as crianças não foram expostas a nenhum tipo de perigo. Aliás no artigo os autores preocupam-se em salientar esse tipo de aspectos:
Deve notar-se que as crianças com sintomas da doença como febres foram imediatamente levadas ao centro de saúde para tratamento e não foram incluídas neste estudo.
A apetência dos mosquitos pelas crianças foi medida colocando os mosquitos numa câmara que tinha três vias que permitiam aos mosquitos sentir a atmosfera dos locais onde as crianças dormiam ou descansavam. Os autores verificaram então qual era o odor que os mosquitos seguiam preferencialmente. Mais uma vez noto que os mosquitos não se encontravam infectados e que não tiveram qualquer tipo de acesso às crianças. O resultado da experiência foi simples: os mosquitos deslocaram-se preferencialmente na direcção das crianças com o parasita no estádio em que pode infectar os mosquitos, designado por gametócito.

Há outro tipo de factores a considerar num estudo deste tipo: pode ser a criança em si que tenha algo que atraia o mosquito e não o facto de estar infectada. Por isso os autores fizeram outro tipo de controlo:
Para contabilizar a variação intrínseca da apetência dos mosquitos, tratámos todas as crianças infectadas com Fansidar e testamos as mesmas crianças duas semanas após o primeiro ensaio.
Assim, o primeiro teste mostrou os efeitos combinados da apetência intrínseca e da presença do parasita, enquanto o segundo teste só mostrou os efeitos da variação da apetência entre as crianças; a diferença entre os testes pode assim ser usada para aferir o efeito da infecção.
O resultado da experiência, depois de considerar todos os aspectos é claro: os mosquitos mostraram-se mais atraídos pelas crianças infectadas com o parasita no estádio de gametócito. As crianças com o parasita num estádio que não infectava os mosquitos, ou as crianças não doentes mostraram níveis de escolha bastante inferior.
Os nossos resultados mostram que o aumento na atracção não era devido a características intrínsecas dos portadores da doença mas sim ao estádio da infecção associado com a presença de gametócitos. O mecanismo por trás desta manipulação não é cohecido, mas é provável que os parasitas modifiquem o hálito ou odor corporal do indivíduo.
Esta é mais uma das características que faz do plasmódio uma criatura tão difícil de erradicar.

Referências
Lacroix R, Mukabana WR, Gouagna LC, Koella JC (2005) Malaria Infection Increases Attractiveness of Humans to Mosquitoes. PLoS Biol 3(9): e298

quarta-feira, novembro 02, 2005

O chilrear da ratazana

A Faculdade de Medicina da Universidade de St. Louis tem uma página com a história das canções de amor dos ratos de que falo abaixo. Encontram-se lá mp3s com as canções do ratos mudadas para frequências audíveis por seres humanos. Quem tiver RealPlayer basta carregar nos laços seguintes: mp3, 52 segundos mp3, 32 segundos. O chilrear pode ainda ser ouvido ainda em DOI: 10.1371/journal.pbio.0030386.sa004. Para quê um canário quando basta apanhar qualquer ratazana na rua?.

Os ratos também cantam canções de amor

Depois das duas últimas desagradáveis criaturas, hoje temos ratos, o que à partida não parece uma melhoria significativa. Afinal os ratos não são seres que atraiam muita simpatia. O que não se sabia até agora é que os ratos têm dotes musicais que rivalizam com os das aves. [... ler mais]

Os biólogos descobriram algo que tinha sido ignorado durante décadas: os ratos de laboratório cantam. Num artigo que pode ser enontrado na PLoS Biology, uma revista com arbitragem científica, online e de acesso livre, Timothy Holy e Zhongsheng Guo investigam as canções ultrassónicas dos ratos. Numa tradução livre do resumo:

"Tinha sido anteriormente mostrado que, quando encontram ratos fêmeas ou as suas feromonas, os ratos machos emitem vocalizações em frequências entre os 30 a 110 kHz. Mostramos aqui que essas vocalizações têm as características de uma canção, consistindo de vários tipos diferentes de sílabas, cuja sequência temporal inclui a articulação de frases repetidas. Os diferentes machos produzem canções com estruturas silábicas e temporais distintas."
Deve ser notado que os ratos também emitem vocalizações audíveis para os seres humanos, e muitos de nós já ouviram os guinchos que os ratos emitem em situações de perigo. As canções no entanto situam-se acima dos 30 kHz, ou seja são ultrassons, para lá da capacidade auditiva dos seres humanos. Todos os estudos anteriores sobre os ultrassons tinham-se concentrado sobre a voz dos ratos, não sobre a existência de um potencial discurso, este é o primeiro trabalho que mostra a existência de frases. Mais citações, agora do interior do artigo, que mostram que apesar de serem ultrassónicas estas canções têm pontos em comum com as canções das aves canoras:

"De um ponto de vista subjectivo, as canções dos ratos têm uma diversidade e complexidade que excede a da maioria das canções de insectos e anfíbios, que em geral contêm uma única sílaba"

"A complexidade e riqueza das canções dos ratos parecem aproximá-las das de muitas aves canoras. Por exemplo, no tentilhão, um organismo muitas vezes utilizado para estudar a produção de canções, os indivíduos têm um número de tipos de sílabas similar ao número de tipos comuns que encontramos nos ratos. Há outras espécies, por exemplo canários, cujo reportório vocal parece exceder o dos ratos."
Os autores notam contudo que os ratos de laboratório foram selecionados pelos seres humanos por factores que não incluem as suas capacidades vocais, enquanto que com os canários se passa exactamente o contrário. Sendo assim, a comparação mais justa seria com ratos selvagens. É sempre fascinante quando se descobre que uma criatura com que se lida todos os dias tem aspectos do seu comportamento que ignorávamos completamente.

Adenda: ir para esta contribuição para ouvir as canções dos ratos.

Referências
Holy TE, Guo Z. 2005. Ultrasonic songs of male mice. PLoS Biol 3:e386.

terça-feira, novembro 01, 2005

Arrepiante

O mínimo que se pode dizer desta imagem, que mostra uma multidão de Trypanossoma cruzi, cortesia da Artsy Science , é que é perturbadora. Já tinha ouvido falar de tripanossomas, já tinha visto desenhos e mesmo fotografias, mas nunca assim a nadarem entre os glóbulos vermelhos. É algo completamente diferente e bastante sinistro. [... ler mais]

A Tripanossomíase Americana, também chamada Doença de Chagas, transmite-se principalmente através da picada de um insecto denominado Triatoma infestans, que no Brasil é conhecido por barbeiro e nos países de língua castelhana por "vinchuca". Os medicamentos só funcionam na fase inicial da doença, que se pode tornar crónica e levar à cegueira, ou à morte por problemas cardíacos ou do aparelho digestivo.

O triatoma alimenta-se de sangue e infecta as vítimas através das fezes que liberta enquanto se alimenta, e que estão carregadas de tripanossomas. O nome barbeiro advém do hábito de picar no rosto. A Doença de Chagas é um problema de saúde grave na América do Sul e Central, com milhões de infectados. Realmente estas duas criaturas são muito mais assustadoras que qualquer dos monstros imaginários com que os americanos se entretêm no dias das bruxas.