quarta-feira, outubro 10, 2007

Uma história de corvos interpretada por orangotangos

A ilustração aqui ao lado refere-se a uma conhecida fábula de Esopo, "o corvo e o jarrro." É a história de um corvo morto de sede que encontra um jarro com água, mas com apenas um pouquinho no fundo, de tal maneira que o animal não consegue lá chegar com o bico. O jarro é também demasiado pesado para que o animal o consiga virar. O corvo tem no entanto uma ideia e começa a largar pequenas pedras dentro do jarro. Tantas lança que a água finalmente sobe o suficiente para que o animal possa saciar a sua sede. Esta é mais ou menos a versão que me recordo da minha infância e a moral da história era qualquer coisa como "o engenho vale mais que a força bruta." Ora foi publicado um artigo que é uma espécie de encenação moderna desta história, só que em vez de um corvos temos como protagonistas orangotangos, em vez de sede temos a vontade de comer um amendoim, e em vez da largada de seixos temos cuspidelas de água. [... ler mais]

O trabalho com os orangotangos é da autoria de Natacha Mendes, Daniel Hanus, e Josep Call e foi publicado na revista Royal Society Biology Letters (ref1). Pelo que percebi da referência à FCT nos agradecimentos, Natacha Mendes é uma estudante portuguesa a fazer o seu doutoramento por terras germânicas. Numa tradução livre do resumo:

Investigámos o uso de água como ferramenta confrontando cinco orangotangos (Pongo abelii) com um amendoim a flutuar fora de alcance dentro de um tubo vertical transparente.

Eis aqui, em imagens, o dispositivo, e uma mãe orangotango maila sua cria. A mãe inspeciona o dispositivo, vê que o dedo não chega ao amendoim e depois desaparece da imagem.

A cria repete o comportamento da mãe, que na verdade não tinha desistido. Limitou-se a procurar em volta até encontrar uma ferramenta para tirar o amendoim.
Todos os orangotangos recolheram água de um bebedouro e cuspiram-na para dentro do tubo para ganhar acesso ao amendoim. Os indivíduos necessitaram de uma média de três bocas cheias de água para alcançarem o amendoim. Esta solução ocorreu na primeira tentativa e todos os indivíduos continuaram a usar esta estratégia de sucesso nas tentativas subsequentes.

Eis aqui os mesmo animais da sequência anterior, com a mãe a encher o tubo com a água que traz na boca.

Só que este esguicho não foi suficiente. Ele verifica de novo o alcance dos dedos e confirma que o amendoim está fora de alcance.

Parte então novamente em busca de água, que desta vez enche o tubo até colocar o amendoim ao alcance dos dedos.

Como é costume neste tipo de estudos os autores fizeram uma série de controlos:
A demora em obter a recompensa diminuíu de forma drástica após a primeira tentativa. Para além disso, a demora entre as cuspidelas em relação à primeira boca cheia também diminuíu dramaticamente na primeira tentativa para as seguintes na mesma tentativa ou em tentativas subsequentes. Condições de controlo adicional sugeriram que esta resposta não era devida à simples presença do tubo, à exitência de água no interior, ou à frustração de não conseguir a recompensa.

Adoro que tenham controlado para o "já que não te consigo agarrar cuspo-te em cima." O resumo termina com uma frase que parece a conclusão óbvia do estudo:
A aquisição súbita do comportamento, o tempo das acções e as diferenças com condições de controlo fazem deste comportamento um candidato provável para a resolução ponderada de problemas.

Fascinante. Interrogo-me quantos alunos das nossas universidades seriam capazes de resolver este problema pelo engenho e não pela força bruta. Eis aqui as imagens que mostram a mãe orangotango a recolher a sua recompensa:

O olhar triste da cria não lhe serviu de nada, a mãe comeu o amendoim. Simpatizei com o pequenito, espero que os tratadores lhe tenham dado qualquer coisa.

Ficha técnica
Ilustração da fábula de Esopo por Milo Winter (1886-1956) via etexto no projecto Gutemberg.
Imagens da experiência retiradas do filme que acompanha o artigo indicado como ref1 abaixo.

Referências
(ref1) Natacha Mendes, Daniel Hanus, e Josep Call (2007). Raising the level: orangutans use water as a tool. Royal Society Biology Letters Volume 3, Number 5, 453-455. DOI:10.1098/rsbl.2007.0198.

2 comentários:

Jose disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jose disse...

Mas essa lenda do corvo não é bem lenda não: http://www.youtube.com/watch?v=B7cw_9AT5hg&feature=player_embedded