sexta-feira, outubro 19, 2007

A semana do corvo: a inteligência dos símios

O desempenho dos corvos de que falei nas contribuições anteriores tem que ser contextualizado comparando com outros animais, humanos e não humanos. Ora em 2000, um senhor chamado Povinelli e alguns colaboradores fizeram 27 experiências, para tentarem perceber se os chimpanzés seriam capazes de compreender como funcionam conceitos invisíveis, como a gravidade. Os resultados foram publicados num livro com um título sugestivo, que se pode traduzir como «A física do dia-a-dia para os antropóides: A teoria de como funciona o mundo segundo os chimpanzés.» Os resultados foram aparentemente esclarecedores, levando os autores a concluir que os chimpanzés, ao contrários dos humanos, não conseguem invocar conceitos abstractos para resolver problemas. Uma dessas experiências era particularmente interessante e relevante para a questão da inteligência dos corvídeos. [... ler mais]

A experiência que é referida por Reaux e Povinelli no tal livro sobre a física dos chimpanzés (ref1) é relativamente simples. Recorre ao uso dos chamados tubos-armadilha. Eis um esquema aqui abaixo:

Dentro do tubo há uma recompensa, por exemplo uma bolacha. Para remover a bolacha dá-se ao chimpanzé um pau para que ele possa empurrar a bolacha para fora do tubo. O chimpanzé só obtém sucesso se usar o pauzinho no lado em que a armadilha está mais próxima dele que a bolacha, caso contrário a bolacha cai num buraco de onde o chimapanzé não consegue tirá-la.

Os chimpanzés revelam grande dificuldade na tarefa e são raros os que conseguem uma taxa de sucesso superior à que se esperaria do simples acaso. Mas alguns portam-se à altura, e dos chimpanzés estudados por Reaux e Povinelli houve uma fêmea chamada Megan que conseguiu um bom desempenho. Os cientistas não ficaram no entanto muito convencidos sobre as capacidades da Megan e confrontaram-na com o dispositivo de pernas para o ar:

Nesta situação tanto faz um lado ou outro, mas a Megan em 39 de 40 tentativas optou sempre por introduzir o pauzinho por forma a fugir à ratoeira. Não havendo necessidade disso, os autores interpretaram então o resultado como significando que os chimpanzés:

não compreenderam como a armadilha funcionava no contexto das interações causais entre a ferramenta, a recompensa, e a armadilha ela mesma.

Uma frase algo pomposa para dizer que a Megan até podia compreender o efeito da armadilha, mas não percebia o conceito de gravidade. Os chimpanzés pareciam assim muito diferentes dos humanos, ou será que não? Uns anos depois, um outro estudo, sobre os primos verticais dos chimpanzés, teve resultados surpreendentes. Isso fica para a próxima contribuição.

Ficha técnica
Imagem do chimpanzé com ar sonhador no início da contribuição cortesia de Aaron Logan, retirada da sua galeria LIGHTmatter.

Referências
(ref1) Reaux, J. E., & Povinelli, D. J. (2000). The tube-trap problem. In D. J. Povinelli, Folk physics for apes: The chimpanzee's theory of how the world works (pp. 108-131). Oxford: Oxford University Press.

1 comentários:

paulu disse...

Esta história da Megan fez-me lembrar os meus tempos de programador de computadores, puro e duro.

Quando eu, ou os meus parceiros, lidávamos com cadeias de «IF-ELSE» complexas, previamos o comportamento do programa para todas as possibilidades, mesmo quando tínhamos a certeza que, na realidade prática, algumas dessas possibilidades nunca poderiam ocorrer.

Enfim, nós eramos programadores prudentes, até porque já tinhamos visto demasiadas «bolachas cair em buracos».

Já a Megan - que se calhar também viu a bolacha cair no buraco em fases anteriores na experiência - «não compreendeu como é que a armadilha funciona».

Talvez... Em todo o caso acho que ela tinha futuro na Informática.