quarta-feira, outubro 17, 2007

A semana do corvo: a física do dia-a-dia dos corvos

Como mostrei na contribuição anterior, os corvos da Nova Caledónia, espécie Corvus moneduloides, sabem escolher bem o comprimento das ferramentas que usam. Ora os cientistas decidiram testar um outro aspecto relativo à forma como estes animais lidam com as ferramentas, algo a que eles chamam folks physics, ou seja física do dia-a-dia. Os cientistas mais uma vez procuraram verificar se estes animais manifestam algum tipo de compreensão das propriedades dos objectos que estão a utilizar, e não se limitam apenas ao recurso a um conjunto de reacções pré-determinadas. Aqui ao lado está um dos animais que participou no estudo anterior, uma fêmea chamada Betty, e que foi protagonista também deste estudo. A Betty está atarefada a usar um pauzinho para fazer cair comida do outro lado de um tubo transparente. Só que a tarefa não é fácil, é que o pauzinho que está a usar tem algumas lascas na ponta e não é adequado à tarefa. Mas não se preocupem, a Betty resolveu o problema em pouco tempo, pouco mais que um piscar de olhos. [... ler mais]

O trabalho é da autoria de Jackie Chappell e Alex Kacelnik e foi publicado na revista Animal Cognition (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Um elemento importante do uso complexo e flexível de ferramentas, em particular quando o fabrico de ferramentas está envolvido, é a habilidade de selecionar ou fabricar as ferramentas adequadas antecipando as necessidades de uma qualquer tarefa dada e uma habilidade raramente testada em não primatas. Examinamos aspectos desta habilidade nos corvos neocaledónicos, uma espécie que se sabe fazedora e utilizadora exímia de ferramentas.

O estudo é muito detalhado, e consistiu em experiências bastante diferentes das tarefas com que seriam confrontados num meio natural. Tinham que empurrar um pequeno pote com comida por forma a cair do outro lado de um tubo transparente. Para isso tinham que manobrar um pauzinho enfiado através de um orifício estreito. O esquema mostra-se abaixo.

Os investigadores deixaram os corvos familiarizarem-se com o dispositivo em quatro tentativas. Os animais não tiveram quaisquer problemas em perceber a tarefa. Continuando com o resumo:
Examinamos aqui a forma como lidam com o diâmetro das ferramentas. Na experiência 1, mostramos que quando confrontados com três raminhos soltos que podiam ser usados como ferramentas, eles preferiam o mais estreito. Quando os três pauzinhos estavam dispostos por forma a que uma estava solto e os outros dois num feixe, eles só desmanchavam o feixe quando a ferramenta preferida estava atada.

As ferramentas nesta experiência eram dadas pelos humanos e eram relativamente rígidas, não se dobrando nem se partindo. Daí que a escolha pelo pau mais fino, mais fácil de manobrar e mais leve faça sentido. Com ferramentas naturais isso não sucede: um raminho demasiado fino dobra-se ou parte-se quando se tenta empurrar algo com ele.
Na experiência 2 mostramos que eles produzem e modficam uma ferramenta com um diâmetro adequado de um ramo de árvore, de acordo com o diâmetro do orifício através do qual a ferramenta terá que ser inserida. Estes resultados juntam-se ao quadro de evidências que mostra os corvos neocaledónicos como produtores e utilizadores de ferramentas sofisticados com um nível de compreensão elevado da física do dia-a-dia

Os corvos faziam em geral um utensílio com um diâmetro próximo do da abertura, não recorrendo aos ramos mais estreitos e flexíveis. Curiosamente de vez em quando escolhiam raminhos demasiado curtos para empurrarem o potezinho até ele cair, uma prova de que esta é uma tarefa à qual não estão habituados. Na natureza, e nos exemplos que mostrei anteriormente, os corvos puxavam a comida, não a empurravam. De vez em quando os animais produziam uma ferramenta que se verificava ter problemas. Eis aqui um desses casos com a Betty:

A ponta do raminho tinha uma aparas que estorvavam os esforços da Betty em conseguir comida. Mas ela não se atrapalhou, reparem como ela retira lascas da extremidade do seu raminho:

Com a "nova" ferramenta num instante mandou o pequeno pote para fora:

Mas nem tudo na vida da Betty é fácil. Ela tem um parceiro com mau feitio que assim que viu a possibilidade de uma refeição fácil avançou imediatamente.

Voltarei à Betty na próxima contribuição com uma das coisas mais extraordinárias que jamais vi um animal não humano fazer. Curiosamente tem que ver com o tal parceiro com mau feitio.

Referências
(ref1) Chappell, J., & Kacelnik, A. (2004). Selection of tool diameter by New Caledonian crows Corvus moneduloides. Animal Cognition, 7: 121-127. DOI 10.1007/s10071-003-0202-y

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