sexta-feira, outubro 05, 2007

Um almoço com o elo entre dois mundos

Em 1983 um paleontólogo de seu nome John Horner sentou-se para almoçar em cima de uma rocha de aspecto avermelhado. Essa rocha continha os restos muito difíceis de ver de um pequeno dinossauro, o Cerasinops hodgskissi, que teria que esperar 24 anos até ser descrito numa revista da especialidade. Trata-se de um membro do grupo conhecido como "faces com cornos", os ceratopianos, embora o animal descrito recentemente na verdade não tivesse cornos na face. Este é um fóssil importante para a compreensão da evolução dos ceratopianos, que se espalhavam da Ásia à América do Norte. É que os ceratopianos asiáticos e norte-americanos apresentavam características distintas, por exemplo a nível da dentição. Ora, sendo uma forma norte-americana, o Cerasinops apresenta contudo traços que se conheciam apenas nas formas asiáticas, ao mesmo tempo que partilha alguns aspectos característicos dos grupos norte-americanos. Não admira que a descoberta tenha feito surgir nos comunicados de imprensa os famigerados termos "fóssil de transição" e "elo perdido". [... ler mais]

O tal elo entre animais de dois continentes é descrito num artigo de Brenda Chinnery and John Horner na revista Journal of Vertebrate Paleontology (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Os neoceratopianos basais (do ponto de vista cladístico) são membros gráceis e relativamente pequenos dos Ceratopsia (os dinossauros "com cornos"), os quais também incluem formas maiores como o Triceratops e o Centrosaurus. Os neoceratopianos basais asiáticos partilham alguns traços muito importantes que até agora não tinham sido encontrados em nenhum grupo norte-americano, incluindo um capuz cefálico fenestrado e dentes pré-maxilares. Do mesmo modo, os grupos taxonómicos basais norte-americanos possuem alguns traços não encontrados nas formas asiáticas, o mais importante dos quais é um padrão de desgaste dos dentes muito especializado. Cerasinops hodgskissi, um novo neoceratopiano basal da Formação Inicial de Two Medicine River no Montana, exibe todas as características mencionadas acima juntamente com outras previamente encontradas em apenas um dos dois continentes. A nova espécie é o grupo irmão dos Leptoceratopsidae numa análise cladística, e é um elo entre grupos taxonómicos nos dois continentes. O Cerasinops exibe também características anatómicas e histológicas extremamente interessante que indicam a possibilidade de bipedalismo neste táxon, um padrão locomotar não encontrado anteriormente em neoceratopianos basais (tinha sido sugerido em alguns, mas com evidência escassa).

Nada mau para um animal do tamanho de um peru e que terá vivido há cerca de 80 milhões de anos. A ilustração no início da contribuição mostra alguns "espinhos" na cauda. Trata-se de uma liberdade artística que se baseia no integumento encontrado num animal muito próximo dos ceratopianos. Falarei desse dinossauro espinhudo em breve.

Ficha técnica
Ilustração cortesia de Arthur Weasley via Wikimedia Commons.
A referência ao almoço de John Horner foi retirada do artigo sobre a descoberta na National Geographic.

Referências
(ref1) Brenda J. Chinnery and John R. Horner (2007). A new neoceratopsian dinosaur linking North American and Asian taxa. Journal of Vertebrate Paleontology. Volume 27, Issue 3, pp. 625-641. Laço DOI.

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