terça-feira, outubro 09, 2007

A guerra das escamas compridas


Esta é uma reconstrução do aspecto do Longisquama insignis, o tal réptil estranho encontrado por Alexander Sharov na Quirguízia. O animal é de facto bizarro mas assim à primeira vista não parece coisa para despertar grandes paixões, nem capaz de inflamar os ânimos. Na verdade, descrita em 1970, a criatura foi durante muito tempo encarada como um curiosidade, e só recentemente se gerou a controvérsia de que falei nas contribuições anteriores. Esta história do Longisquama é um bom exemplo de como as coisas podem ficar feias entre cientistas, quando há subjectividade na avaliação dos dados. Já referi anteriormente o artigo original de Terry Jones e colegas que falavam nas penas, e num artigo de Robert Reisz e Hans-Dieter Sues, que dizia que não era nada disso. Por incrível que possa parecer, ambos os trabalhos tinham como base o mesmo fóssil. Onde se vê até que ponto as coisas ficaram azedas é em comentários e subsequentes respostas ao artigo de Terry Jones na Science que eu não resisto a mostrar aqui. [... ler mais]

Vamos então às guerras do Longisquama (ref1). No início do primeiro comentário, Richard Prumm é algo lacónico:

O réptil do Triásico Longisquama possui apêndices integumentares em forma de lâminas que Terry D. Jones e colegas no seu relato "Penas não avianas num arcossauro do Triásico Tardio" propõem serem homólogas às penas avianas. Contudo, um exame da sua evidência sugere que esta conclusão tem falhas.

Basicamente o autor fornece uma leitura diferente das características morfológicas das estruturas e conclui que as semelhanças são superficiais. Isto baseado numa análise do fóssil que teria feito na mesma altura que a equipa do artigo de Terry Jones e colegas. A resposta de Jones e colegas é igualmente contundente e nem é preciso entrar nos detalhes:
Richard Prum diz que "examinou o Longisquama com os autores em Abril de 1999." Embora cada coautor do nosso relato tenha passado muitas horas durante 3 a 4 dias a estudar todo o material disponível o "exame" de Prum (testemunhado por todos os coautores) consistiu de 5 a 10 minutos de manuseamento apenas da placa principal. Muitas das suas outras afirmações são igualmente enganadoras ou incorrectas.

Acho que nãoé preciso citar mais nada desta parte da resposta.

Há ainda um comentário de Unwin e Benton que para lá de diferenças na interpretação morfológica das "penas", foca os aspectos filogenéticos. Os vários grupos de répteis podem distinguir-se por aberturas entre os ossos do crânio, as fenestras (janelas). Foi com base nessas aberturas, que julgou identificar no Longisquama, que Sharov o identificou como arcossauriano. Unwin e Benton dizem contudo que essas aberturas não são fiáveis no crânio do Longisquama e poderão simplesmente representar danos no fóssil. Vão ainda mais longe:
Nos vestígios conhecidos do esqueleto do Longisquama faltam todas as outras características de diagnóstico arcossauriano [a fúrcula mencionada por Jones et al. consiste em clavículas emparelhadas, tal como Sharov notou originalmente], mas exibem duas características, dentes acrodontes e uma interclavícula, que são típicas dos lepidossauros. Em consequência, suspeitamos que o Longisquama não é um arcossauro.

Ou seja chegam mesmo a propor que o Longisquama poderá estar mais próximo das cobras e lagartos (lepidossauros) que das aves e crocodilos (arcossauros). Ora Terry Jones e colegas responderam à letra:
Embora Unwin and Benton sugiram que o Longisquama não seria um arcossauro, uma fenestra anteorbital, a marca que define os Archosauria, é claramente visível na contra-placa. Contrariamente às afirmações adicionais por Unwin and Benton, a interclavícula é retida num certo número de arcossauros (por exemplo, Euparkeria) e aves, e a fúrcula do Longisquama é virtualmente idêntica à do Archaeopteryx. Devido à pobre preservação, a natureza exacta da inclusão dos dentes não pode, no presente, ser determinada a partir dos exemplares conhecidos. Concordamos com Sharov, e todos os autores anteriores, no provável estatuto arcossauriano do Longisquama.

Como se pode ver por esta amostra de citações, cada um dos lados vê as coisas que lhe dão jeito e atribui os problemas a questões de preservação do fóssil. Os argumentos são do tipo "tu vês isso mas é um disparate, eu vejo isto e eu é que sei." É óbvio que para acalmar os ânimos precisamos de mais fósseis desta criatura, que possam para já confirmar que as estruturas pertencem mesmo ao Longisquama, e que nos permitam ter mais certezas na interpretação do esqueleto.

Ficha técnica
Ilustração cortesia de Arthur Weasley via Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Richard O. Prum;, D. M. Unwin, M. J. Benton;, Terry D. Jones, John A. Ruben, Paul F. A. Maderson, and Larry D. Martin (2001). Longisquama Fossil and Feather Morphology. Science Vol. 291. no. 5510, pp. 1899 - 1902. DOI: 10.1126/science.291.5510.1899c.

1 comentários:

João Carlos disse...

Não resisto a fazer um comentário perfeitamente inútil: é simplesmente impressionante como, primeiramente, cientistas tiram conclusões apressadas; segundo, como logo aparece alguém para, não menos apressadamente, discordar...

Menos mal... Assim, ao menos, se discute o assunto e diversas conclusões precipitadas são examinadas mais a fundo.