domingo, outubro 21, 2007

A semana do corvo: as escolhas dos gatos

Os três gatinhos
perderam os chapelinhos
puseram-se a chorar
oh mãe, mãezinha
os nossos chapelinhos
não os podemos achar

Quando vejo crias de gato ocorre-me sempre esta cantilena infantil. Eu sei que a canção fala em três gatinhos e que na figura estão quatro, mas o que interessa é o espírito da coisa. Notem que, tal como os da canção, os da fotografia não têm chapéus, e se não parecem muito afectados por isso é porque é a hora do almoço. A imagem dos gatos a comer é adequada para mais uma ressalva na interpretação dos resultados das experiências de comportamento animal de que tenho falado por aqui. Os seres humanos que participaram nas experiências, que descrevi na última contribuição, seguramente não davam o mesmo valor a um M&M que um chimpanzé dá a uma bolacha. Para os seres humanos, a experiência é sobretudo um desafio intelectual, em que a recompensa pesa pouco. Para os animais não humanos, a recompensa é primordial. É pouco provável que um animal não humano se vá empenhar numa tarefa árdua a menos que esteja mesmo interessado no que vai ganhar. Só que a ânsia pela recompensa pode levar alguns animais a desempenhos menos conseguidos, e sobretudo a uma grande diferença no comportamento de indivíduos da mesma espécie. Isso vê-se por exemplo com os indivíduos da espécie Felis silvestris catus. [... ler mais]

O estudo que refere o comportamento dos gatos é o mesmo artigo de Francisco Silva, Dana Page e Kathleen Silva, publicado na revista Learning & Behavior (ref1), que referi na contribuição anterior. Em vez dos tubos usou-se o teste da mesa com armadilhas. Um dos exemplos das configurações utilizadas é este, em que recompensas são colocadas atrás de um ancinho, tendo à frente um buraco onde a recompensa pode cair (esquerda) ou uma marca na mesa que não captura a recompensa (direita).

Vejamos então o que fizeram os gatos:
Um estudo a decorrer no nosso laboratório, do comportamento dos gatos domésticos em problemas de mesas com armadilhas, mostra um custo de estudar exclusivamente primatas. Confrontados com um problema de mesas com armadilha modificado, mas semelhante ao da figura, o gato 1 nunca respondeu correctamente acima do esperado ao acaso após mais de 200 tentativas. Este gato era insensível à presença de um buraco funcional num dos lados da mesa.

Será que isto quer dizer algo sobre as capacidades cognitivas dos gatos, ou mesmo deste gato em particular? Nem por isso:
Um segundo gato, contudo, escolheu recuperar a comida no lado mesa sem o buraco em quase 100% das tentativas após as 10 primeiras, resultados que são muito melhores que os que se obtêm com os chimpanzés.

Os autores usaram outros tipos de configurações. Por exemplo, o ancinho pode estar também à frente da armadilha e neste caso tanto faz qual dos lados se escolhe.

O gato 2 mostrou perceber o que estava em jogo.
Mais tarde, quando submetido a testes em que a comida era colocada em frente ao buraco (isto é, a armadilha era ineficaz), este gato distribuíu o seu comportamento igualmente entre ambos os lados da mesa. Esta comportamento do gato sugere que percebeu os principais causais abstractos envolvidos no problema da mesa armadilhada.

O problema do gato 1 é que parece que à vista da comida ficava de tal maneira obcecado que inibia os seus processos mentais.
Experiências adicionais mostraram que cobrindo a comida com um bocado de pano aumentava as respostas correctas do primeiro gato. Se seguirmos a forma de pensar avançada nalguns estudo da física do dia-a-dia dos chimpanzés, estes resultados preliminares sugerem que os gatos podem ter uma melhor compreensão das características causais de um problema físico do que os chimpanzés. Isto parece estranho.

Parece estranho, de facto. Tal como os autores deste estudo referem parece mais provável que haja algo errado com as premisas do raciocínio que leva a esse tipo de conclusões. Enquanto testes "positivos" como o do gato 2 são relativamente claros na interpretação de que o gato percebeu a tarefa de um modo "tipicamente humano", é óbvio pelo exemplo do gato 1 que há outros factores em jogo. O facto de os animais por vezes fazerem disparates não é só por si indicativo da falta de capacidades cognitivas.

Ficha técnica
Imagem dos gatinhos mais a sua mãe cortesia de Laitche via Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Silva, Francisco J.; Page, Dana M.; Silva, Kathleen M. (2005). Methodological-conceptual problems in the study of chimpanzees' folk physics: How studies with adult humans can help. Learning & Behavior 33: 47­5

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