domingo, outubro 14, 2007

A semana do corvo: capacidades inatas

A imagem mostra um corvo da Nova Caledónia, a espécie Corvus moneduloides, muito atarefado a usar um pauzinho para retirar comida de uma fenda. O uso de ferramentas existe num razoável número de outras criaturas na natureza, mas que revelam em geral pouca flexibilidade, e é muitas vezes inato. Claro que o facto de um comportamento se basear numa capacidade inata, não invalida o papel da aprendizagem e mesmo a existência de um padrão cultural. A produção e uso eficiente de ferramentas exigem obviamente um conjunto de competências motoras, e consequentes adaptações fisiológicas e neurológicas, e podem revelar-se nalguns tipos de propensão inata, mesmo entre os humanos. Todos os pais sabem que os bebés humanos começam a bater com objectos noutros objectos, e mesmo nos pais e visitas, muito antes de estarem aptos a usar martelos de forma adequada. Assim, antes de falar de cultura e aprendizagem noutras espécies, é importante perceber quais as competências de animais "ingénuos", isto é, que nunca tiveram acesso a treino. [... ler mais]

O estudo que analisa até que ponto as capacidade dos corvos neocaledónicos são inatas foi publicado num artigo de Ben Kenward e colegas na revista Nature (ref1). Os autores estudaram quatro animais jovens que tinham sido criados à mão por seres humanos desde pequenos, sem acesso a pauzinhos e coisas que tais. Os autores estudaram duas situações, uma em que mostravam o que fazer aos animais, e outra em que os colocavam sozinhos face a pauzinhos e comida escondida.

Eis aqui um exemplo de um animal, com 98 dias, chamado Uék, a quem foi mostrado o que fazer:

O corvo olhou muito atentamente para o que o ser humano fez, chegando ao ponto de agarrar a extremidade do pauzinho. Depois de comer o que o humano tinha retirado, resolveu experimentar o utensílio, que ainda estava dentro da fenda.

O animal entreteve-se a manobrar o pauzinho de forma semelhante à que viu o humano fazer. Estes corvos são criaturas que mostram curiosidade e capacidade de reproduzir o que observam. No entanto, o que fazem quando confrontados com ferramentas, sem que lhes seja mostrado como proceder? Isso foi testado com outros dois animais que nunca viram humanos ou congéneres a usarem ferramentas, nem tinham tido contacto prévio com ferramentas. O resultado é indicado nesta tradução livre do resumo do artigo:

Os corvos neocaledónicos (Corvus moneduloides) são entre as aves os mais prolíficos utilizadores de ferramentas. A variação regional na forma das suas ferramentas pode ser o resultado de evolução cultural cumulativa, um fenómeno considerado como apanágio da cultura humana. Mostramos aqui que corvos neocaledónicos juvenis criados à mão em cativeiro fabricam e utilizam ferramentas de forma espontânea, sem qualquer contacto com adultos da sua espécie e sem demonstrações anteriores por parte de humanos. A nossa descoberta é um passo crucial para produzir modelos de transmissão cultural nesta espécie, e nos animais em geral.

Ou seja, é claro que estes corvos possuem uma capacidade pré-programada para o uso e mesmo o fabrico de ferramentas. Para lá de serem capazer agarrar num pauzinho e andar com ele às voltas, os animais foram também capazes de fabricar ferramentas sem serem ensinados. Eis aqui um exemplo, em que um corvo chamado Corbeau, rasga uma tira da folha de uma planta do género Pandanus:

Eis o mesmo animal, a usar uma tira desse tipo para procurar comida.

Não tendo encontrado nenhuma comida naquele lado o animal tentou noutro sítio e foi recompensado.

O Corbeau aprendeu a fazer tudo isto sozinho.

Como referi no início, o facto de os animais conseguirem utilizar e fabricar ferramentas, sem serem ensinados, não quer dizer no entanto que não haja espaço para aprendizagem, e mesmo para um qualquer tipo de cultura. Os autores notam que as ferramentas produzidas por estes animais "ingénuos" são bastante diferentes daquelas que os animais usam na natureza. Isso, e a atenção que os animais mostraram face ao uso de ferramentas pelos humanos, sugere que possa existir uma componente cultural sobreposta a uma tendência inata. Além disso, os corvos parecem capazes de avaliar a aptidão das ferramentas para o fim que têm em vista, sem precisarem de recorrer a tentativa e erro. Mas isso terá que ficar para a próxima contribuição.

Referências
(ref1) Ben Kenward, Alex A. S. Weir, Christian Rutz, and Alex Kacelnik (2005). Tool manufacture by naive juvenile crows. Nature, 433: 121. DOI:10.1038/433121a.

7 comentários:

João Carlos disse...

A parte grifada no resumo é que me parece que pode causar dúvidas. Mesmo os animais jovens - em cativeiro - tiveram a oportunidade de observar humanos usando instrumentos. Isso em nada desmerece a "inteligência" dos corvos neocaledonianos, mas deixa em aberto a questão sobre se são capazes de "imaginar" o uso de instrumentos, ou se aprendem tal prática a partir da observação de humanos.

Caio de Gaia disse...

Dois dos animais nunca viram os homens ou outro animal a usarem pauzinhos. Aliás os autores tiveram cuidado de manterem tudo o que pudesse ser considerado ferramenta longe do alcance deles.

O problema quanto à inteligência é esse, os corvos estão programados a quando encontrarem locais onde o bico não chegue a irem buscar paus ou então arrancar bocados de folhas. Isso é inato e não necessita de inteligência.

A inteligência dos corvos vê-se na forma como percebem as propriedades das ferramentas, de uma forma que não se observa em nenhum outro animal não humano.

João Carlos disse...

Esclarecido!... Guardadas as devidas proporções, eles enxergam a estátua no bloco de mármore...

José Gustavo Vieira Adler disse...

Mais ou menos Gaia, é precipitado dizer que os corvos estão programados a quando encontrarem locais onde o bico não chegue a irem buscar paus, pois tal pesquisa, como salienta o próprio pesquisador na pesquisa - KACELNIK, A; et al. Development of tool use in New Caledonian crows: inherited
action patterns and social influences. Animal Behavior, 2006, 72, 1329-1343. - afirma que há a possibilidade do animal aprender por conta própria a usar as ferramentas que ele tanto explorou por reforço positivo(vulgarmente conhecido como curiosidade).

Tanto ele quanto o Eduardo Ottoni - Ottoni, E. Preliminary observations of tool use in captive hyacinth macaws
(Anodorhynchus hyacinthinus). Animal Cognition, 2006, 8, 48-52.- afirmam que tanto no caso dos corvos, quanto nos casos das araras azuis, que quanto infantos exploravam os objetos, no caso das araras quais quer objetos, até fezes, e que esse comportamento exploratório apresenta formas padrões já vistas no comportamento exploratório de outras aves(no caso das araras, de outro psitacideo que já fora avistado o uso de ferramentas). Eles alegam, e eu concordo, que esse momento da vida seja crucial para o uso de ferramentas orientado na fase adulta.

O que me deixa claro é que não é que está programado a quando encontrarem locais onde o bico não alcance a irem buscar paus, e sim que os mesmos nascem, assim como os pregos, as araras, os chimpanzés e nós humanos, programados para explorar o mundo, as araras nascem programados para explorar objetos que possam ser explorados com os bicos dela, os pregos são programados a explorar os objetos na forma de bater um ao outro, no chão, cutucar, os corvos nasceram programados a explorar o mundo a manusear objetos de um jeito, pondo pra frente e pra tras a cabeça, o ser humano a manusear objetos com as mãos testando certas formas físicas.... isso é a curiosidade que já nascem com esses animais. Acredito sim que essas experiencias quanto juvenis lhes dão o sedmento necessário para que quando deparados diante a fonte de alimento eles associem os elementos corriqueiros em seu dia-a-dia com o problema apresentado.

E nós não podemos ignorar a grande capacidade cognitiva dos psitacideos em associações e dos corvos na resolução de problemas lógicos, e isso é fundamental na hora de forrageio. Não faz sentido ser programado o ato de pegar paus uma vez que a Beth nunca viu um arame e soube o que fazer com ele. Faz sentido sim a alta capacidade dos mesmos em entender a lógica dos problemas.

E esse artigo testou também a influência dos humanos como tutores. Os corvos com tutores utilziaram mais vezes ferramentas e com melhor eficacia do que os sem tutores, e tiveram sempre a preferencia pelas ferramentas manuseadas pelos humanos, ou seja, exibindo um claro efeito de influência.

Aah, aqui outro trabalho com corvos espantoso, que encaixa bem com a lenda do corvo: http://www.youtube.com/watch?v=B7cw_9AT5hg&feature=player_embedded

no vídeo tem o link pra o artigo. Sinceramente, se esse comportamento for programado, o homem ter ido a lua também é programado.

Obviamente os animais nascem com a criatividade e nascem com habilidades cognitivas que lhes permite entender certos fenômenos lógicos, de causa e efeito, e/ou com qualidades associativas.

Jose disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jose disse...

Mais ou menos Gaia, é precipitado dizer que os corvos estão programados a quando encontrarem locais onde o bico não chegue a irem buscar paus, pois tal pesquisa, como salienta o próprio pesquisador na pesquisa - KACELNIK, A; et al. Development of tool use in New Caledonian crows: inherited
action patterns and social influences. Animal Behavior, 2006, 72, 1329-1343. - afirma que há a possibilidade do animal aprender por conta própria a usar as ferramentas que ele tanto explorou por reforço positivo(vulgarmente conhecido como curiosidade).

Tanto ele quanto o Eduardo Ottoni - Ottoni, E. Preliminary observations of tool use in captive hyacinth macaws
(Anodorhynchus hyacinthinus). Animal Cognition, 2006, 8, 48-52.- afirmam que tanto no caso dos corvos, quanto nos casos das araras azuis, que quanto infantos exploravam os objetos, no caso das araras quais quer objetos, até fezes, e que esse comportamento exploratório apresenta formas padrões já vistas no comportamento exploratório de outras aves(no caso das araras, de outro psitacideo que já fora avistado o uso de ferramentas). Eles alegam, e eu concordo, que esse momento da vida seja crucial para o uso de ferramentas orientado na fase adulta.

O que me deixa claro é que não é que está programado a quando encontrarem locais onde o bico não alcance a irem buscar paus, e sim que os mesmos nascem, assim como os pregos, as araras, os chimpanzés e nós humanos, programados para explorar o mundo, as araras nascem programados para explorar objetos que possam ser explorados com os bicos dela, os pregos são programados a explorar os objetos na forma de bater um ao outro, no chão, cutucar, os corvos nasceram programados a explorar o mundo a manusear objetos de um jeito, pondo pra frente e pra tras a cabeça, o ser humano a manusear objetos com as mãos testando certas formas físicas.... isso é a curiosidade que já nascem com esses animais. Acredito sim que essas experiencias quanto juvenis lhes dão o sedmento necessário para que quando deparados diante a fonte de alimento eles associem os elementos corriqueiros em seu dia-a-dia com o problema apresentado.

E nós não podemos ignorar a grande capacidade cognitiva dos psitacideos em associações e dos corvos na resolução de problemas lógicos, e isso é fundamental na hora de forrageio. Não faz sentido ser programado o ato de pegar paus uma vez que a Beth nunca viu um arame e soube o que fazer com ele. Faz sentido sim a alta capacidade dos mesmos em entender a lógica dos problemas.

E esse artigo testou também a influência dos humanos como tutores. Os corvos com tutores utilziaram mais vezes ferramentas e com melhor eficacia do que os sem tutores, e tiveram sempre a preferencia pelas ferramentas manuseadas pelos humanos, ou seja, exibindo um claro efeito de influência.

Aah, aqui outro trabalho com corvos espantoso, que encaixa bem com a lenda do corvo: http://www.youtube.com/watch?v=B7cw_9AT5hg&feature=player_embedded

no vídeo tem o link pra o artigo. Sinceramente, se esse comportamento for programado, o homem ter ido a lua também é programado.

Obviamente os animais nascem com a criatividade e nascem com habilidades cognitivas que lhes permite entender certos fenômenos lógicos, de causa e efeito, e/ou com qualidades associativas.

José Gustavo Vieira Adler disse...

Opa, onde eu disse retorno positivo, quis dizer:

Reforço positivo interno