terça-feira, outubro 02, 2007

Pequenos dragões de pescoço comprido

Descobrir fósseis de animais bizarros sem contrapartidas modernas é interessante, mas descobrir animais extintos que, por convergência evolutiva, se assemelham extraordinariamente a animais modernos é também fascinante. Este pequeno lagarto é um velho conhecido aqui no Cais de Gaia. Trata-se do Draco volans, o dragão-voador das florestas do sudoeste asiático. Os dracos voam estendendo uma prega de pele entre as costelas, o que lhes permite deslizar de árvore para árvore. Eu tinha usado esta mesma imagem em Março deste ano, para falar sobre a descoberta do fóssil de um pequeno lagarto que também utilizaria as costelas para planar, em plena época dos dinossauros. Ora, uns meses depois, foi descrito um outro grupo de animais, de uma espécie baptizada Mecistotrachelos apeoros, que também usavam um patágio estendido entre as costelas para voar. Esses animais eram muito antigos: dois deles tiveram que esperar cerca de 220 milhões de anos para serem submetido a exames médicos, o que até nem é muito mau se comparado com as esperas nos hospitais e centros de saúde portugueses. [... ler mais]

Os cientistas que fizeram a descoberta não conseguiram remover os fósseis da matriz de sedimento que os envolvia, por meios mecânicos ou químicos, daí o uso de um método de diagnóstico usual na medicina moderna, a tomografia axial computorizada. Eis aqui o desultado de um dos varrimentos:

Notem bem o enorme comprimento das costelas, e também o do pescoço. Os dois fósseis são descritos num artigo Nick Fraser e colegas, publicado na revista Journal of Vertebrate Paleontology (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Descreve-se um novo táxon de tetrápodes do Triásico Superior, da Formação de Cow Branch da Virginia, com base apenas em varrimentos de tomografia axial computorizada de dois indivíduos. A nova forma caracteriza-se pela presença de costelas torácico-lombares que em vida presumivelmente suportariam uma membrana para deslizar pelos ares. Difere de todos os outros terápodes planadores por possuir um pescoço bastante comprido. O pé, capaz de agarrar, é consistente com um habitat arborícola.

Eis o aspecto do outro destes "exames médicos":

Notem os ossos dos pés, encurvados, sugerindo que o animal seria capaz de se agarrar, por exemplo, a ramos finos. Ambos os fósseis foram recuperados de sedimentos que provinham de um lago de margens pantanosas, tudo indicando que se teriam afogado na parte mais profunda desse mesmo lago. Contudo, sendo animais arborícolas, sem especializações de tipo aquático, esperar-se-ia que num salto falhado se afogassem próximo das margens. Os autores do artigo referem no entanto ser possível que ao tentarem deslizar de árvore para árvore tenham sido empurrados e transportados para muito longe por alguma rajada de vento.

Os autores deixam as afinidades filogenéticas do animal um pouco vagas. Sugerem que estaria mais próximo dos arcossauromorfos (e logo das aves e crocodilos) que dos lepidossauromorfos (e logo das cobras e lagartos). Referem algumas características semelhantes às encontradas num animal chamado Sharovipteryx, que segundo alguns autores seria um protorossauro, um grupo de criaturas bizarras que incluía o Tanystropheus, um animal de que falei na contribuição anterior. Tal como o Tanystropheus o Mecistotrachelos era um animal pescoçudo: o pescoço e a cabeça do animal corresponderiam a cerca de 8 centímetros de um comprimento total do corpo de cerca de 25 centímetros. Uma reconstrução do aspecto do animal em vida pode ser vista nas páginas da artista Karen Karr.

Como estas duas últimas contribuições mostram, a paleontologia dos vertebrados terrestres não se esgota nos dinossauros e mamíferos. As faunas do Pérmico e do Triásico também escondem muitas surpresas. Havia, por exemplo, muitos outros animais planadores. Falarei deles em breve.

Ficha técnica
Imagens de Draco volans cortesia de Alfeus Liman retiradas desta página na Wikimedia Commons.


Referências
(ref1) N. C. FRASER, P. E. OLSEN, A. C. DOOLEY JR., and T. R. RYAN (2007). A NEW GLIDING TETRAPOD (DIAPSIDA: ?ARCHOSAUROMORPHA) FROM THE UPPER TRIASSIC (CARMAN) OF VIRGINIA. Journal of Vertebrate Paleontology, Volume 27, Issue 2, pp. 261–265. Laço DOI.

1 comentários:

SM disse...

Olá!
Tomei a liberdade de linkar seu blog como um de meus favoritos no
http://testadeferro-sm.blogspot.com
Caso não aprove, me diga e retiro o link, ok?

Abraço!
Simone, Brazil