domingo, setembro 23, 2007

Mais sobre o assédio aos cetáceos

Claro que é muito fácil falar mal do ecoturismo, mas por outro lado muitos de nós gostaríamos de ver imagens como esta ao vivo. O problema com os golfinhos é que muitas pessoas não se contentam em ver os animais de longe, ou em tirar uma fotografias à distância. Muitos "ecoturistas" encaram os golfinhos quase como animais domésticos, e querem nadar com eles, tocar-lhes, fazer-lhes festas, subir-lhes para as cavalitas. Todas estas actividades perturbam os animais, em particular em regiões em que o afluxo de turistas é tal que os golfinhos não lhes conseguem escapar. Na contribuição anterior tinha focado o contacto com golfinhos solitários habituados aos humanos, que significava em geral ferimentos e morte para os golfinhos, e ocasionalmente mesmo para os seres humanos. Para os outros tipos de habituação as coisas não são melhores. [... ler mais]

Os excertos que se seguem continuam a ser retirados de um trabalho de Amy Samuels, Lars Bejder, e Sonja Heinrich para a Marine Mammal Commission norte-americana (ref1). Nos Estados Unidos é ilegal alimentar mamíferos marinhos selvagens, mas em muitos países, incluindo o Brasil, não existem quaisquer restrições. Noutros locais é permitido, mas seguindo regras mais ou menos severas. Em geral fornecer comida a golfinhos tem que ver com interesses turísticos. O local onde a coisa está mais bem documentada é Monkey Mia, a tal localidade na Austrália onde ocorreu a morte da cria devido a um ataque de tubarão que referi numa contribuição anterior. Os efeitos da habituação aos humanos são os do costume:

  • Os relatos indicam que o "Old Charlie", o golfinho original de original Monkey Mia foi morto a tiro;
  • sete golfinhos desapareceram e pensa-se que terão morrido em resultado da poluição nas águas rasas onde esperavam para serem alimentados;
  • turistas foram mordidos na zona de aprovisionamento;
  • uma cria foi morta por um tubarão enquanto a mãe estava na área de aprovisionamento;
  • um juvenil desmamado ficou dependente das dádivas de peixe e morreu;
  • quando comparado com o comportamento fora da zona de aprovisionamento, a frequência de comportamento maternal era mais baixa e a frequência de agressões intraspecíficas mais elevada; e
  • verificou-se que as fêmeas aprovisionadas tinham uma taxa de sobrevivência das crias significativamente menor que a das fêmeas que se alimentavam naturalmente na mesma baía

O artigo refere outros locais e em todos a situação é semelhante. Os autores terminam esta secção com:
Conclusão: as dádivas não controladas de alimento são o elemento essencial para encontros na água com golfinhos em vários locais por todo o mundo. Resultados de pesquisa e evidência acidental são inequívocos em determinar que as dádivas não controladas de alimento são prejudiciais para os cetáceos selvagens. Não foi ainda determinado se existem efeitos prejudiciais de aprovisionamento alimentar feito de controlada.

Recomendação: é preciso colocar com urgência em práctica a proibição de alimentar os roazes corvineiros na zonas costeiras da Florida.

Ora o turismo significa empregos e uma vez estabelecida a práctica de alimentar os golfinhos num dado local, erradicá-la é um problema, mesmo que seja prejudicial para os animais. Os australianos nisto foram menos fundamentalistas que os americanos e estabeleceram simplesmente algumas restrições, que parecem para já ter levado a algumas melhorias.

O trabalho aborda ainda a questão de nadar com golfinhos habituados à presença humana, mas as conclusões são mais incertas pois não há estudos suficientes. Há no entanto indicações de que também é prejudicial para os golfinhos e os autores sugerem que se adoptem as regras básicas quando se lida com animais selvagens: observar de longe e com binóculos, evitar interagir directamente com os animais, evitar áreas críticas para alimentação, descanso, cuidados parentais,etc. No caso do nadar com golfinhos não habituados a seres humanos, os autores são taxativos: é assédio e deve ser proibido.

Ficha técnica
Imagem cortesia de Peter Asprey, via Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Amy Samuels, Lars Bejder, and Sonja Heinrich (2000). A Review of the Literature Pertaining to Swimming with Wild Dolphins. Marine Mammal Commission.

2 comentários:

João Carlos disse...

Diga-me cá, Caio... Não lhe parece que golfinhos que criam ligações afetivas com humanos (a WikiPedia chega a falar em relacionamentos até de atração sexual!...), são tão "neuróticos" como pessoas que se afeiçoam mais a seus animais de estimação do que a pessoas?...

(Em tempo: isso não seria mais um indício da "inteligência" dos golfinhos?...)

Caio de Gaia disse...

Golfinhos solitários têm o mesmo tipo de comportamento com bóias e barcos. Trata-se de um tipo de interação social e os golfinhos solitários deverão sentir-se tentados a fazê-lo com criaturas e objectos que lhes despertem o interesse.

A maioria dos casos na literatura são relativos a machos (embora conheça uma referência a esse comportamento numa fêmea). Ora o comportamento sexual dos golfinhos machos é outro dos aspectos sombrios destas criaturas. Por vezes os golfinhos machos violam as fêmeas, nalguns casos em grupo e até à morte da fêmea.