terça-feira, setembro 04, 2007

Um caminhar antropóide

Uma das grandes questões na Antropologia é o que terá levado a linhagem humana a enveredar por uma postura bípede. É óbvio que acarretava custos, pois os nossos parentes mais próximos, os chimpanzés, são quadrúpedes, mas também deveria ter algumas vantagens imediatas. Esta imagem curiosa de um chimpanzé em cima de uma esteira rolante a respirar para uma espécie de funil ligada a um tubo provém de um estudo que se dedicou a estudar os aspectos energéticos da locomoção nos chimpanzés. Os resultados variaram de indivíduo para indivíduo mas não deixaram de ser surpreendentes. [... ler mais]

O trabalho com a esteira é da autoria de Michael Sockol e colegas e foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1). Numa tradução livre do resumo:

O caminhar bípede é evidente nos mais antigos hominíneos, mas por que razão evoluíu a nossa passada de carácter único, a duas pernas, permanece desconhecida. Analisamos aqui a energética e biomecânica do caminhar em chimpanzés e humanos adultos para investigar a hipótese há muito existente de que o bipedalismo reduziu os custos do caminhar quando comparados com os dos nossos antepassados mais semelhantes aos antropóides. Consistente com trabalho anterior em chimpanzés juvenis, verificamos que os custos da marcha bípede e quadrúpede não são diferentes de forma significativa na nossa amostra de chimpanzés adultos.

A semelhança é apenas quando se faz a média, as coisas são um pouco mais complicadas:
Contudo, uma análise mais detalhada revela diferenças significativas nos custos do bipedalismo e quadrupedalismo na maioria dos indivíduos, que são mascaradas quando os sujeitos são examinados como um grupo. Para além disso, o caminhar humano é aproximadamente 75% menos dispendioso que o caminhar, quer bípede quer quadrúpede, nos chimpanzés A variação no custo entre a marcha bípede e quadrúpede, bem como chimpanzés e humanos, é explicada satisfatoriamente pelas diferenças biomecânicas na anatomia e ganho, com o custo menor do caminhar humano atribuído à nossa anca e a membros inferiores mais compridos.

A experiência usou cinco chimpanzés e quatro humanos adultos e determinou o consumo de oxigénio enquanto andavam na esteira rolante, a velocidades diferentes. O espantos na experiência foram as diferenças entre chimpanzés. Três deles tiveram problemas em caminhar sobre as pernas, gastando cerca de um terço mais energia, contudo um chimpanzé fêmea, a Lucy, caminhava bastante mais facilmente numa postura bípede que na postura quadrúpede. O diagrama aqui ao lado ilustra como se posicionam os membros em relação às forças de reacção do solo para chimpanzés e humanos. As nossas pernas longas fazem a diferença, basta-nos balançar os nossos apêndices locomotores de forma rígida, com um mínimo de massa muscular. Os chimpanzés não conseguem alinhar as coxas com o corpo como nós fazemos. Como seria de esperar, a Lucy era o chimpanzé com maior passada e o que mantinha uma postura "mais humana".
Análise destas características em fósseis de hominíneos antigos, conjugadas com as análises da marcha bípede em chimpanzés, indicam que o bipedalismo nos primeiros hominíneos semelhantes a antropóides poderia de facto ser menos dispendioso que o caminhar quadrúpede nos nós dos dedos.

Para que a evolução trabalhe basta um pouco de variação, tal como a observada nos chimpanzés, e um habitat que traduza essa variação em maiores ou menores taxas de sobrevivência dos descendentes. Depois é só uma questão de tempo.

Referências
(ref1) Sockol, M. D., Raichlen, D. A. & Pontzer, H., (2007). Chimpanzee locomotor energetics and the origin of human bipedalism. Proc. Natl Acad. Sci. DOI:10.1073.pnas.0703267104.

2 comentários:

João Carlos disse...

Meus limitados conhecimentos sobre o assunto, me lembram que a posição e o caminhar ereto teriam sido "forçados" à espécie humana pela necessidade de usar as "patas dianteiras" para portar objetos (provavelmente, armas).

Coincidentemente, parece que a única outra espécie de primata que já se observou empregando objetos, foi extamente a dos chimpanzés.

É exato isso, ou estou desatualizado?

Caio de Gaia disse...

O caminhar erecto aparece nos humanos muito cedo, em animais com capacidades cranianas comparáveis a chimpanzés. A vantagem do estudo energético é que mostra um cenário em que este tipo de postura poderia ter evoluído sem exigir muito das capacidades cognitivas do animal.

Gorilas, Orangotangos, macacos-capuchinhos e muitos outros primatas usam ferramentas. Os chimpanzés chegam ao ponto de modificá-las. Quaisquer ferramentas que os primeiros bípedes usassem não ficaram no registo fóssil, mas nada no cérebro desses animais sugere capacidades cognitivas superiores aos chimpanzés actuais.