terça-feira, setembro 04, 2007

A magnífica ave argentina

Esta imagem mostra o aspecto relativo de duas aves. A silhueta mais pequena corresponde a uma Haliaeetus leucocephalus, também conhecida como águia de cabeça branca. Trata-se de um animal de porte considerável com 2 metros de envergadura de asas e cerca de 5 kg de massa corporal. A H. leucocephalus pareceria contudo minúscula face à criatura ilustrada na silhueta maior, com 7 metros de envergadura de asas e com uma massa corporal a rondar os 70 kg. O nome dado pelos paleontólogos a este animal é particularmente adequado: Argentavis magnificens. Esta ave prateada magnífica era um predador, que teria percorrido os céus da América do Sul há poucos milhões de anos atrás. [... ler mais]

Ora o que que sabemos exactamente sobre a Argentavis? Fazia parte de um grupo de aves já extintas, a família Teratornithidae, parente das cegonhas e dos abutres do novo mundo. Os teratorns são relativamente bem conhecidos, cerca de 105 indivíduos da espécie Teratornis merriami foram recuperados presos nas fossas de alcatrão do Rancho La Brea na Califórnia. Embora o Teratornis merriami tivesse "apenas" 3.5 metros de envergadura de asas e uns "míseros" 14 kg de peso, mostra proporções do esqueleto semelhantes às da Argentavis, o que nos permite ter uma ideia dos elementos que faltam no esqueleto da magnífica ave gigante. É que embora se conheçam vestígios fósseis de depósitos do Miocénico superior da Argentina (há cerca de 6 milhões de anos) em quatro localidades distintas, eles são algo incompletos. A imagem ao lado mostra uma reconstrução do esqueleto da Argentavis, em que os elementos a branco indicam ossos que se recuperaram da Argentavis e a cinzento elementos reconstruídos a partir do esqueleto do Teratornis merriami.

Uma das coisas que sabemos acerca da Argentavis e dos teratorns em geral é que seriam predadores: os seus bicos assemelhavam-se mais aos de predadores activos como as águias que aos dos necrófafos como os urubus. Há no entanto alguma incerteza quanto ao comportamento destes animais. É por exemplo possível que a Argentavis ganhasse a vida a roubar as presas mortas por outros animais. Mas isso é apenas especulação.

As capacidades aerodinâmicas da Argentavis são também mal conhecidas e um terreno fértil para especulação. Parte do problema advém do facto de não existirem actualmente animais voadores comparáveis, nada que se lhe assemelhe em tamanho e peso. Daí o recurso a modelos. Foi isso que fizeram Sankar Chatterjee e colegas num artigo recente nos Proceedings from the National Academy of Sciences (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Calculamos o desempenho em vôo da gigantesca ave voadora Argentavis magnificens do Miocénico superior (aproximadamente 6 milhões de anos atrás) da Argentina usando um modelo de simulação em computador. A Argentavis era provavalmente demasiado grande (massa de aproximadamente 70 kg) para ser capaz de vôo com batimento de asas continuado ou para descolar usando o seu próprio poder muscular a partir de uma situação estática. Tal como os actuais condores e urubus a Argentavis extrairia energia da atmosfera para o vôo, confiando nas correntes térmicas presentes nas pampas argentinas para lhe fornecer o poder para planar, e provavelmente utilizava o planar sobre as encostas andinas batidas pelo vento. Era um excelente planador, com um ângulo de deslize próximo de 3° e uma velocidade de cruzeiro de 67 km por hora. A Argentavis poderia descolar correndo ladeira abaixo, ou poderia lançar-se de um poiso para ganhar velocidade. Outros meios para descolar permanecem problemáticos.

A ideia que nos fica depois de ler o artigo é que a Argentavis só sairia do chão a muito custo. O meu problema com o artigo tem no entanto que ver com uma das frases da introdução:
Neste relato, apresentamos análises aerodinâmicas para calcular o desempenho aerodinâmico da Argentavis usando um modelo de simulador de vôo desenvolvido originalmente por construtores de helicópteros...

Ora os helicópteros não possuem pernas e a ausência de análise dos membros posteriores parece-me um dos pontos fracos deste trabalho. Mas é apesar de tudo uma boa desculpa para falar deste extraordinário animal.

Referências
(ref1) Sankar Chatterjee, R. Jack Templin e Kenneth E. Campbell Jr (2007). The aerodynamics of Argentavis, the world's largest flying bird from the Miocene of Argentina. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, DOI:10.1073/pnas.0702040104.

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