terça-feira, setembro 11, 2007

O pretenso ladrão que afinal apenas queria cuidar dos seus ovos

Esta é uma mão de ovirraptor. Notem a forma dos dedos, que incluem mesmo vestígios da cobertura de queratina das enormes garras que ornamentavam os membros anteriores destes animais. Junto a esta mão podem ver-se alguns ovos. Esta é uma cena comum, e o nome da primeira espécie deste grupo de animais a ser baptizada esconde uma acusação: Oviraptor philoceratops significa "ladrão de ovos que aprecia os de cerátopo". Essa foi a interpretação dada em 1923 a uma cena deste tipo. Contudo, como referi na última contribuição, descobriu-se em 1993 que afinal os tais ovos de cerátopo eram de ovirraptor. Isso sugeriu aos investigadores que em vez de um predador de ovos, este tipo de associação era indicativo de cuidados parentais. O fóssil a que pertence esta mão mostra isso de forma pungente. Trata-se de uma descoberta fabulosa: como que congelado no tempo, temos um animal que morreu abraçando 20 dos seus ovos. [... ler mais]

Este fóssil é descrito num artigo de James Matthew Clark, Mark Norell e Luis M. Chiappe na revista American Museum novitates (ref1). Numa tradução livre do resumo:

O esqueleto pós-craniano, articulado, de um dinossauro ovirraptorídeo (Theropoda, Coelurosauria) do Cretácico Tardio da Formação de Djadokhta de Ukhaa Tolgod, na Mongólia, encontra-se preservado cobrindo um ninho. Os ovos são semelhantes em tamanho, forma, e ornamentação a um outro ovo desta localidade no qual foi encontrado um embrião de ovirraptorídeo, sugerindo que o ninho é da mesma espécie que o esqueleto adulto que o está a cobrir, e que o adulto é o progenitor. A falta de um crânio impede a identificação da espécie mas em várias características o exemplar assemelha-se mais ao Oviraptor que a outros ovirraptorídeos.

Segue-se a descrição de algumas características anatómicas e finalmente a descrição do exemplar em questão:
O esqueleto encontra-se posicionado no centro do ninho, com os seus membros colocados simetricamente em cada lado e os braços espalham-se em torno do perímetro do ninho. Este é um de quatro esqueletos de ovirraptorídeos preservados em ninhos deste tipo de ovo, corrrespondendo a 23.5% dos 17 esqueletos de ovirraptorídeos recolhidos da Formação de Djadokhta antes de 1996.

Uma imagem vale de facto por mil palavras, e neste caso é qualquer coisa de verdadeiramente sublime:

O resumo termina então com:
A falta de perturbação do ninho, e do esqueleto, indicam que o exemplar se econtra preservado na posição em que o adulto morreu. A sua postura é a mesma que, entre os tetrápodes que cuidam dos seus ninhos, apenas as aves adoptam, e a sua proximidade aos ovos indica que o ninho não estava coberto, indicando que o comportamento de se sentar em ninhos abertos, nesta postura, evoluíu antes do antepassado comum mais recente das aves modernas.

Outros exemplos de ovirraptores em ninhos, discutidos no artigo, mostram algo de semelhante: o animal com os pés no centro do ninho e os braços em redor dos ovos. É assombrosa a semelhança com o que vemos nas aves. Esta é uma daquelas raras descobertas que evidenciam um comportamento animal e o facto desta postura ter sido encontrada em quatro animais é uma forte indicação de que se tratava de um comportamento típico da espécie, e não uma coincidência fortuita.

Esta descoberta é também rara porque os vestígios mostram poucas evidências de terem sido perturbados. É referido no artigo que a sedimentologia deste fóssil e dos outros três encontrados em poses semelhantes, sugere que foram enterrados de forma súbita, muito provavelmente em resultado de chuva intensa.

Luis Rey produziu algumas ilustrações referentes à morte deste animal. Esta reflecte a visão inicial, de um animal sepultado por uma gigantesca tempestade de areia. Esta reflecte a visão mais recente, de que teria sido uma cheia relâmpago. Notem o rebanho de Protoceratops no fundo da ilustração. Na verdade, Luis Rey produziu uma trilogia sobre os ovirraptores. A minha preferida é uma cena familiar, com um mãe ovirraptor a alimentar os seus pequenitos.

As três ilustrações de Luis Rey mostram plumagem de tipo aviano nos ovirraptores. Sendo terópodes, os ovirraptores são parentes próximos das aves e, estando a criatura a cobrir os ovos com os braços, algo semelhante às penas de uma asa daria jeito. Na verdade, não se trata de algo tão especulativo como se poderia pensar. É que se viria a descobrir, na China, um animal classificado no grupo dos velocirraptores com vestígios claros de penas. Falarei disso na próxima contribuição.

Referências
(ref1) James Matthew Clark, Mark Norell e Luis M. Chiappe (1999). An oviraptorid skeleton from the late Cretaceous of Ukhaa Tolgod, Mongolia, preserved in an avianlike brooding position over an oviraptorid nest. American Museum novitates no. 3265. PDF.

1 comentários:

João Carlos disse...

Toda esta série sobre os ovirraptores me traz à memória uma nem-tão-recente discussão sobre "conclusões precipitadas" de acadêmicos.

Mas "águas passadas não movem moinhos"... Já descobri o que fazias enquanto as chuvas te impediam de correr atrás dos macacos negros de Nilgris: magicavas novas matérias deliciosas para teus leitores.