sábado, setembro 08, 2007

Amor e uma bebida

Encontrei imensas referências em português sobre o Callosobruchus maculatus, todas a maldizerem a criatura e a discutirem formas de erradicá-la. É que estes carunchos, tal como o casal que que se vê na imagem, empenhado na propagação da espécie, são uma praga de inúmeros legumes secos. Ora, como vimos nas duas contribuições anteriores, o acasalamento desta praga é uma tarefa espinhosa que envolve ferimentos e pancadaria. Para se manter ligado à fêmea o macho possui um orgão intromitente que causa ferimentos na parceira. Ela por sua vez reage dando-lhe pontapés para o forçar a encurtar a duração do acto. Um autor sueco (pois claro) descobriu um outro aspecto interessante na vida sexual destas criaturas. Esse cientista descobriu que os machos possuem um trunfo que leva as parceiras a aceitarem os seus avanços. Para conseguirem os favores das fêmeas os machos oferecem-lhes uma bebida. [... ler mais]

O trabalho que descreve esta nova descoberta é da autoria de Martin Edvardsson e foi publicado na revista Animal Behaviour (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Porque a incerteza na paternidade limita o valor do investimento paternal na descendência, pensa-se que o atrair de parceiros e o facilitar na transferência do ejaculatos sejam funções importantes das oferendas nupciais.

Esta frase um pouco obscura significa apenas que as prendas que os machos oferecem por vezes às fêmeas destinam-se sobretudo a promover ou facilitar o acasalamento, não a providenciar recursos a uma descendência que o macho não sabe se é sua. O autor do artigo aborda no entanto um outro tipo de prendas: a transferência de recursos que por vezes acompanha o esperma durante o processo de fecundação e que pode ter um custo elevado para os machos.
Contudo, essas são funções pouco prováveis para recursos valiososos nos ejaculatos libertados dentro das fêmeas. Em vez disso, os ejaculatos que contenham presentes nupciais dispendiosos poderão ser mantidos porque as fêmeas alteram a sua resposta de acasalamento em resposta ao balanço entre os custos e benefícios do acasalamento. O valor de receber uma prenda adicional deveria diminuir com o melhorar da condição fisiológica da fêmea. Fornecer a uma fêmea uma oferenda considerável tornaria assim menos proveitoso para ele voltar a acasalar e reduziria o risco da competição entre esperma.

É aqui que entra o famoso caruncho nosso conhecido. É que durante a cópula os machos da espécie transferem quantidades de água assombrosas (qualquer coisa como 10% do seu peso) para as fêmeas.
As fêmeas do escaravelho Callosobruchus maculatus são feridas pela genitália espinhosa dos machos durante a cópula mas parecem também obter benefícios materiais dos volumosos ejaculatos. Eu conservei fêmeas de C. maculatus com acesso à água e outras fêmeas sem acesso à água. A todas as foi dada a oportunidade de acasalar com um novo macho todos os dias. As fêmeas sem acesso à água acasalaram mais frequentemente que as fêmeas com acesso à água.

A questão aqui é uma de tempo de vida. As fêmeas com acesso livre a água vivem qualquer coisa como apenas nove dias. As fêmeas sem acesso à água vivem menos um dia e meio. É uma grande diferença, e os riscos para a saúde das fêmeas provenientes do apêndice espinhoso dos machos poderão assim ser compensados se o ganho em líquido for suficientemente volumoso. Então e os machos, que razão terão para fornecer tanta água?
Sugiro que as fêmeas C. maculatus acasalam de forma mais frequente para obterem água quando desidratadas e que isso pode servir para selecionar ejaculatos contendo maiores volumes de água nos machos. Ao fornecerem grandes quantidades de água às suas parceiras, os machos podem retardar um novo acasalamento das fêmeas e desse modo reduzirem o risco de futura competição do esperma.

Quem diria, a falta de água torna as fêmeas promíscuas. O resultado deste elaborado processo reprodutivo pode ser apreciado na imagem abaixo.

À esquerda temos dois ovos sobre um feijão, com o mais recente inicado pela seta. Ao centro e direita temos imagens de uma robusta e bem nutrida larva. O mais interessante neste trabalho é que provavelmente poderia ser efectuado em casa da maioria dos leitores brasileiros. Este tipo de temas são interessantes pois só fazem verdadeiramente sentido de um ponto de vista evolutivo, isto é, do ponto de vista da selecção natural.

Ficha técnica
Imagens dos insectos cortesia de Lawrence S. Blumer e Christopher W. Beck, retiradas de A Handbook on Bean Beetles, Callosobruchus maculatus.

Referências
(ref1) Martin Edvardsson (2007). Female Callosobruchus maculatus mate when they are thirsty: resource-rich ejaculates as mating effort in a beetle. Animal Behaviour, Volume 74, Issue 2, Pages 183-188. doi:10.1016/j.anbehav.2006.07.018.

0 comentários: