domingo, setembro 02, 2007

Relíquias minúsculas de uma Terra jovem

A Terra formou-se há qualquer coisa como 4,550 milhões de anos, e durante as primeiras centenas de milhões de anos esteve sujeita a um período de intenso bombardeamento por meteoritos. Sabemos isso a partir da análise de rochas lunares pois na Terra poucas rochas sobreviveram para contar a história. As mais antigas que se conhecem, em Acasta Gneiss, no Canadá, são relativamente jovens, com "apenas" 4,030 milhões de anos. Existem contudo vestígios de uma crosta mais antiga, e é aí que entram versões minúsculas do cristal (um zircão) que se mostra ao lado. Os zircões são um mineral incrivelmente comum, e muito resistente a processo físicos e químicos. Muitas vezes encontrados sob a forma de minúsculos grãos detríticos em rochas sedimentares bastante mais jovens, os zircões contêm pequenas quantidades de urânio e tório, materiais radioactivos de vida longa, o que permite datá-los. As idades que se obtêm são por vezes assombrosas. [... ler mais]

Os grãos mais antigos encontrados têm como idade uns espantosos 4,404 (mais ou menos 8) milhões de anos. Melhor ainda, nem sempre vêm sozinhos, por vezes trazem diamantes. Claro que os diamantes que se encontram como inclusões nos minúsculos zircões não são os habituais símbolos da vaidade e ostentação dos ricos e poderosos. Os diamantes de que vou falar são pequenitos, microscópicos mesmo, com tamanhos entre os seis e os setenta milionésimos de milímetro. Esses diamantes poderão não despertar a cupidez dos apreciadores de jóias, mas são valiosíssimos para os cientistas.

A fantástica descoberta de diamantes quase tão velhos como a Terra é descrita num artigo de Martina Menneken e colegas na revista Nature (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Zircões detríticos com mais de 4 mil milhões de anos de idade provenientes da cintura metassedimentária de Jack Hills, craton de Yilgarn, Austrália Ocidental, são os mais antigos fragmentos identificados da crosta terrestre, e possuem um carácter único por preservarem informação sobre a evolução inicial da Terra.

Segundo é referido no artigo, a idade desses zircões possui um pico pronunciado entre 3,200 a 3,400 milhões de anos, com cerca de 10% dos fragmentos possuindo idades superiores a 3,900 milhões de anos. Os autores analisaram mil desses zircões (com tamanhos inferiores a 3 décimos de milímetro) e verificaram que 45 deles traziam passageiros:
Relatamos aqui a descoberta de inclusões de microdiamantes nos zircões de Jack Hills no intervalo de idades de 3,058 mais ou menos 7, a 4,252 mais ou menos 7, milhões de anos. Estes incluem os diamantes mais velhos jamais encontrados em rochas terrestres, e introduzem uma nova dimensão no debate acerca da origem destes zircões e a evolução da jovem Terra.

Aqui abro um pequeno parêntesis para salientar um aspecto importante em trabalho científico de análise de amostras: a possibilidade de contaminação durante a recolha, manuseamento, ou preparação. Os zircões usados neste estudo foram polidos, e para os polir usou-se pó de... diamante. Os autores do artigo abordaram por isso a questão da contaminação mas rejeitaram-na com base em quatro factores:
  1. Algumas inclusões de diamante estão completamente envolvidas pelo zircónio
  2. As características espectrais dos diamantes embebidos são distintas das do pó usado no polimento
  3. As inclusões possuem tamanhos entre 6 e 70 micrómetros e são na maioria maiores que as partículas no material de polimento (<12>
  4. Quase todos os diamantes são acompanhados por grafite, que não está presente no pó de polimento.
Tendo estabelecido com alguma margem de segurança que os diamantes são material de facto incluído nos zircões, podemos desde logo inferir algo sobre a sua idade. As datações referem-se aos zircões, não aos diamantes, cuja idade não se determinou directamente. Contudo, como estão incorporados nos zircões, e admitindo que foram lá parar depois de formados, a idade dos zircões fornece um mínimo para a idade dos diamantes, que poderão ser mesmo substancialmente mais antigos que os zircões. Os autores colocam duas hipóteses para explicar o grande intervalo de idades:
O leque de idades indica que ou as condições necessárias para a formação dos diamantes se repetiram por diversas vezes durante a história inicial da Terra ou em alternativa que houve uma reciclagem significativa de diamantes antigos.

Qualquer um destes cenários implica no entanto que há mais de 4,200 milhões de anos existiam na Terra condições para formar este tipo de diamantes. Os diamantes formam-se, na Terra, a profundidades da ordem dos 100 km nas plataformas continentais, ou então quando ocorrem impactos meteoríticos. As propriedades dos diamantes formados nesses diferentes processos são no entanto distintas, e estes velhinhos diamantes não parecem ser de impacto.
As características mineralógicas dos diamantes de Jack Hills, tais como a sua ocorrência em zircões, a sua associação com grafite, e as suas características em espectroscopia de Raman, assemelham-se às dos diamantes que se formaram durante períodos de metamorfismo de pressão ultra-elevada e, a menos que as condições da Terra jovem fossem peculiares, implicam uma litosfera continental relativamente espessa e interação entre manto e crosta há pelo menos 4,250 milhões de anos atrás.

O ênfase a negrito é meu. Pessoalmente acho este artigo fascinante sobretudo por causa dessa frase. Há incertezas e algumas suposições, e há especialistas que não estão convencidos (ref2), mas é extraordinário saber que uns minúsculos diamantes, encontrados dentro de fragmentos rochosos que podemos datar, permitem-nos inferir algo sobre a estrutura do planeta há muito muito tempo atrás. Mas como é hábito, estas relíquias de tempos passados relançaram apenas um debate que se mantém aceso, a questão não está resolvida.

Ficha técnica
Foto de zircão (Peixes, Goiás, Brasil) de Eurico Zimbres (FGEL-UERJ) / Tom Epaminondas, retirada da Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Martina Menneken, Alexander A. Nemchin, Thorsten Geisler, Robert T. Pidgeon & Simon A. Wilde (2007). Hadean diamonds in zircon from Jack Hills, Western Australia. Nature 448, 917-920. doi:10.1038/nature06083.
(ref2) Ian S. Williams (2007). Earth science: Old diamonds and the upper crust. Nature 448, 880-881. doi:10.1038/448880a.

0 comentários: