segunda-feira, agosto 27, 2007

Em Nilgiris em busca de chá (VIII)

No dia a seguir ao meu regresso de Madurai o tempo melhorou um pouco mas os macacos não voltaram. Contudo no dia seguinte a manhã mostrava-se amena, quase quente mesmo. As nuvens cobriam o céu mas eram brancas, e aqui e ali viam-se uns laivos de azul. Meti-me por isso a caminho, tentando descobrir por onde deambulavam os macacos quando não estavam entretidos a comer a vegetação na vizinhança do meu alojamento. Meti-me por isso à estrada. [... ler mais]

Nalguns pontos do caminho era por demais evidente a fragilidade do habitat dos langures de Nilgiris. A presença humana estava logo ali ao lado, sob a forma de verdejantes plantações de chá.

Percorri uma vasta extensão em torno do meu alojamento sem ver os macacos, mas não desanimei. Vi no entanto alguns animais, sobretudo corvos, algumas lebres, alguns parentes selvagens das galinhas domésticas, e vários pássaros pequenos. Tirando os corvos, todos os outros animais se mostraram demasiado esquivos para os meus limitados dotes de fotógrafo. O facto de não ter encontrado os langures não queria dizer grande coisa. Da outra vez tinha conseguido avistá-los apenas ao fim da tarde. Assim, a seguir ao almoço voltei a seguir os mesmos caminhos.

O dia continuava prazenteiro, e eu deslocava-me mesmo em manga curta. Ora enquanto tirava a fotografia a este ajuntamento de árvores ouvi o característico barulho dos saltos dos langures de ramo para ramo. Quando me virei na direcção do som vi então um macaco não muito distante de mim, empoleirado numa árvore de tronco fino, entre dois eucaliptos de troncos grossos. O animal não se mostrava interessado na minha presença, pelo que após uma fotografia tirada à socapa me afastei do local.


Agora que já sabia de onde eles vinham podia escolher locais adequados para os observar. Selecionei por isso regiões abrigadas, mas não escondidas, entre este ponto e o local onde os tinha visto no outro dia. Os animais poderiam ver-me, evitando surpresas que os pudessem assustar, mas a distância deveria ser suficiente para que não me considerassem uma ameaça. Na vez anterior tinha reparado num habitante das redondezas a trabalhar não muito distante do local onde os langures se alimentavam, pelo que escolhi uma distância dessa ordem de grandeza. Pode parecer excesso de zelo da minha parte mas sinto que é preferível perder uma fotografia a perturbar os animais. Comportamentos "à turista" de perseguir e incomodar os animais são de evitar a todo o custo.

Claro que quando há trabalho científico em jogo, importante para a preservação da espécie em questão, as coisas são diferentes, mas neste caso não havia qualquer tipo de urgência científica. Esperei assim tranquilamente pelos langures. Na verdade até tive tempo de ir tomar chá. Eles acabaram por aparecer, com o barulho típico dos seus saltos de árvore em árvore. O primeiro a chegar pode ser visto nesta imagem, lá longe, sentado sobre um ramo uns metros acima da estrada. Ora onde se vê um macaco podem aparecer outros, e neste caso não foi preciso esperar muito.

Uns minutos depois consegui detectar um segundo animal, uns metros acima, como se mostra nas imagens, onde os quadrados à direita são ampliações da imagem do outro lado.

O animal mais abaixo de vez em quando olhava para mim, pelo que lentamente me afastei um pouco mais. Uns minutos depois acabou por me ignorar completamente e virou a sua atenção para as folhas e rebentos de que se alimentava. Não demorou muito para que tivesse macacos a passearem literalmente sobre a minha cabeça, tal como estes dois, que não ficaram famosos na fotografia pois o tom negro da sua pelagem não combina bem com o brilho das nuvens.

Na verdade devia dizer três. O animal da esquerda carrega uma cria, com pelagem escura e difícil de ver contra a silhueta da mãe, sobretudo numa fotografia tão pobre. Deve tratar-se de um dos bebés de Maio característicos da espécie, que apresenta ainda um outro pico de natalidade em Novembro. Os pequenitos nascem com uma cor castanho-avermelhada e é por volta dos três meses que adquirem a coloração negra. Pude verificar que o grupo era maior do que eu supunha, com cerca de uma dezena de indivíduos, constituído sobretudo por fêmeas adultas. A forma mais fácil de determinar o sexo destes animais é através de uma região de pêlos brancos na face interior da coxa que só as fêmeas apresentam.

Os langures "atravessavam a estrada" saltando sobre as árvores. Só os vi no solo na vizinhança do meu quarto, onde se alimentavam de vegetação rasteira, mas não consegui boas fotos pois eles pulavam para o lado das árvores oposto a mim, levando alguma matéria vegetal na boca. Pouco depois os macacos partiram, enquanto o Sol desaparecia sob um dos picos das redondezas. Não foi mau para último dia. No dia seguinte iniciava o demorado regresso a Vila Nova de Gaia.

Abandonei as Nilgiris com mais uma paragem para tomar um chá de beira de estrada em Kotagiri. Mas não se tratou de um adeus, apenas de um até breve, devo voltar em Dezembro, altura da estação seca. Vou trazer equipamento mais adequado, e espero conseguir então algumas fotos de langures bebés castanhos e confirmar algo de supreendente que vi nesta população.

Ficha técnica
Imagens da minha autoria. Podem ser utilizadas livremente.


5 comentários:

João Carlos disse...

Com o que, então, andavas a correr atrás de macacos, debaixo de chuvas de monções, sempre que conseguias se afastar das chávenas...

Bem... quando mais não fosse, só teu relato das viagens e as magníficas fotos já bem valeram por tua ausência dos debates lá do "Roda de Ciência".

João Carlos disse...

Aproveitando o tema, que tal tecer algumas considerações sobre o povo da região?... Hábitos, peculiaridades, condições de vida e esses detalhes do cotidiano, assim como seu relacionamento com a fauna e flora locais.

Caio de Gaia disse...

Infelizmente a carne do langur de nilgiris é reputada como tendo propriedades medicinais e até afrodisíacas e são caçados nalgumas regiões. Na região onde eu estava garantiram-me que isso não se fazia, mas eu não aprofundei a questão.

Eu tirei poucas fotografias do quotidiano. Depois de algumas "doações" de equipamento fotográfico noutros países do sudoeste asiático passei a deslocar-me apenas com uma câmara barata que podia levar no bolso das calças. Em Dezembro vou levar equipamento a sério (não há problemas de segurança nas Nilgiris).

João Carlos disse...

Infelizmente a carne do langur de nilgiris é reputada como tendo propriedades medicinais e até afrodisíacas e são caçados nalgumas regiões.

Tal qual outras espécies de símios na Amazônia Brasileira... Enquanto eram apenas os silvícolas a fazer isso, não havia maiores problemas. Atualmente, a maior defesa dos macacos amazônicos é mesmo a Floresta.

Lucia Malla disse...

Caio, muito boa sua viagem. Estou há uma semana quase me deliciando com seu texto no intervalo dos meus afazeres, e buscando mais informações de tudo que você salpicou aqui sobre a Índia. Muito interessante mesmo, e parabéns pela viagem deliciosa q compartilhaste com a gente. :)