sexta-feira, outubro 06, 2006

Macaquinho de imitação

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O macaquinho resus, de seu nome científico Macaca mulatta, não é tão desinteressante como o bocejo do ser humano deixa antever. Na verdade não se trata de um bocejo, este abrir da boca é parte de um trabalho científico bastante sério. Já referi aqui por diversas vezes que aquilo que os cientistas fazem nem sempre desperta grande entusiasmo e motivos de conversa na sua vida social. Por exemplo, como explicar que, depois de anos de estudo, faculdades, mestrados e doutoramentos, se ganhe a vida a fazer caretas a pequeninos macacos recém nascidos? Por estranho que pareça, os cientistas da imagem procuram resposta a algumas questões importantes, não estão apenas a tentar confundir o macaquinho. Neste caso trata-se de procurar compreender um comportamento que existe também nos bebés humanos. [... ler mais]

O pequenito da imagem acima, no seu primeiro dia de vida, face ao abrir da boca do ser humano, reagiu de forma semelhante.

Mas nada melhor do que ver toda a cena em filme (AVI 3.3 Mbytes). Notem que o macaquinho dá sobretudo uma grande quantidade de "estalinhos" com os lábios.

Esta capacidade dos macacos imitarem expressões não tinha ainda sido descrita na literatura. Pier Ferrari e colegas relatam-na pela primeira vez num artigo recente na revista PLoS Biology (ref1). Os autores estudaram 21 macaquinhos nos primeiro, sétimo, e décimo quarto, dias de vida. Numa tradução livre do resumo:
A emergência de comportamentos sociais cedo na vida é provavelmente crucial para o desenvolvimento de relações mãe-filho. Pensava-se que alguns desse comportamentos, tais como a capacidade dos recém-nascidos imitarem movimentos faciais dos adultos, estariam limitados aos humanos e talvez à linhagem dos antropóides. Relatamos aqui as respostas comportamentais de macacos resus infantis (Macaca mulatta) às seguintes expressões faciais e gestos de humanos: estalar dos lábios, mostra da língua, abrir da boca, abrir da mão, e fechar e abrir dos olhos (condição de controlo). No terceiro dia de vida os macacos infantis imitam o estalar dos lábios e a mostra da língua.

Eis aqui o investigador a fazer o gesto ao macaquinho:

A resposta não se fez esperar:

Mais uma vez a resposta pode ser seguida em filme (AVI 4.0 Mbyte). Não deixa de ser engraçado, ao contrário do que sucedia no filme anterior, notar a falta de interesse do macaquito pelo humano, pelo menos até ele começar a mostrar a língua. Mais uma vez o macaquinho dá imensos "estalinhos" com os lábios. Continuando com a introdução:
No primeiro dia de vida, o abrir de boca do modelo suscitou um comportamento correspondente (estalar dos lábios) nos bebés. Estas respostas imitativas estão presentes num estádio inicial de desenvolvimento, mas estão confinadas aparentemente a uma janela temporal estreita. Como o estalar dos lábio é um gesto fulcral nas interações cara a cara dos macacos resus, a imitação neonatal pode servir para afinar as respostas de parentesco dos bebés ao seu mundo social. As nossas descobertas fornecem uma descrição quantitativa de imitação neonatal numa espécie primata não humana e sugerem que estas capacidades imitativas, ao contrário do que se pensava, não são exclusivas das linhagens humana e dos antropóides.Sugerimos que as suas origens evolutivas podem ser traçadas a gestos de filiação com funções comunicacionais.

Os autores referem que nos seres humanos há alguma variabilidade. Algumas crianças não mostram este tipo de comportamento, e apenas o deitar a língua de fora e abrir da boca têm um carácter mais ou menos geral. Nas crianças humanas este comportamento ocorre durante muito mais tempo que nos resus, durando cerca de 2 a 3 meses, período em as crianças aprendem a vocalizar e sorrir a outros seres humanos. Os chimpazés também imitam de forma semelhante a partir da primeira semana de vida até cerca dos 2 meses. Os autores referem no entanto que é preciso alguma cautela antes de considerar homólogas as respostas nos seres humanos e nos outros primatas. Há ainda muito poucos estudos feitos. Quanto às diferenças temporais do fenómeno entre os resus por um lado e chimpanzés e humanos por outro, os autores notam:
Contrastando com os humanos e chimpanzés, os nossos bebés macacos mostraram o fenómeno durante apenas uns poucos dias após o nascimento. Tal como mencionado acima, alguns indivíduos ainda mostravam imitação do estalar dos lábios ao sétimo dias, mas não para além disso, Como se podem explicar tais diferenças entre espécies? O desenvolvimento motor e cognitivo é muito mais rápido nos macacos que nos humanos e chimpanzés. Logo à uma semana, os bebés macacos podem abandonar as suas mães durantes curtos períodos de tempo.

Embora seja preciso alguma cautela, pois os macaquitos estavam a interagir com seres de outra espécie, com os quais não tinham um relacionamento afectivo, parece tratar-se realmente de uma questão de precocidade no desenvolvimento:
Nos humanos, e nos chimpanzés, os neonatos permanecem em contacto com as suas mães durante muito mais tempo, e a mãe é o único responsável por cuidar da criança. Logo, a imitação neonatal ocorre durante um período que, considerando os padrões típicos da espécie para o desenvolvimento de capcidades motoras e cognitivas, é comparável com que é descrito para humanos e chimpanzés.

Para além de terem mostrado que a noção de que os antropóides imitam, mas os macacos não, estava errada, os autores referem alguns resultados interessantes de outros trabalhos. Um que eu acho curioso é que os macacos percebem quando estão ser imitados pelos seres humanos.

Os macacos adultos também imitam prontamente os seus congéneres quando estes desempenham actividades relacionadas com a ingestão de alimento. Os macacos possuirão assim um mecanismo para ajustar o seu comportamento com o que observam nos outros indivíduos, embora em geral estejam limitados a um reportório de comportamentos típicos da sua espécie, que de certa forma estarão gravados nos seus cérebros. O comportamento é inato, não aprendido. Quanto ao mecanismo que explica este comportamento, os autores favorecem uma explicação baseada em descobertas neurofisiológicas, a dos espelhos neuronais, que se sabe existirem no cérebro dos macacos.
Os neurónios nestes espelhos ficam activos quando o macaco executa uma acção específica com a sua mão (ou boca) e quando o macaco observa acções semelhantes com a mão (ou boca) executadas por outro indivíduo. Foi descrita recentemente uma classe de espelhos neuronais que responde a acções comunicadas por gestos faciais como o mostrar da língua ou o estalar dos lábios. Levando em consideração esses dados neurofisiológicos, os nossos dados concordam com a hipótese dos "espelhos neuronais", de acordo com a qual a observação de gestos com a boca activa directamente programas motores do mesmo tipo nas áreas pré-motoras do cérebro dos macacos, levando-as à ressonância e como consequência a darem lugar a uma réplica dos gestos observados.

Os autores referem ainda que a imitação neonatal nos humanos pode ser interpretada da mesma forma, e que há mesmo estudos que apoiam a existência de um sistema de espelho neuronal nos humanos homólogo aos dos macacos. Quanto à função deste comportamento, os autores sugerem que os macaquinhos estão a "afinar" os gestos que servem para identificar os indivíduos filiados num certo grupo. O comportamento de estalar os lábios, muitas vezes acompanhado de mostrar da língua é utilizado pelos macacos quando se aproximam para iniciar sessões de catamento. O artigo tem mais um vídeo interessante, de uma troca de estalidos de lábios entre mãe e filho (AVI 2.5 Mbytes) num cenário seminatural.

Não podia terminar sem mais imagens de macacos! Este artigo comprova, macaco vê:

Macaco faz:

Eu tinha já falado de macacos resus a propósito das vocalizações, neste artigo aqui. É sempre interessante descobrir mais pontos em comum com uma espácie cujo mais recente antepassado comum com os seres humanos terá vivido há mais de 25 milhões de anos.

Ficha técnica
Imagens e filmes retirados do artigo dado abaixo como ref1, e também da sinopse da autoria de Liza Gross, indicada como ref2

Referências
(ref1) Ferrari PF, Visalberghi E, Paukner A, Fogassi L, Ruggiero A, et al. (2006) Neonatal Imitation in Rhesus Macaques. PLoS Biol 4(9): e302. Laço DOI.
(ref2) Gross L (2006) Evolution of Neonatal Imitation. PLoS Biol 4(9): e311. Laço DOI.

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