terça-feira, outubro 31, 2006

O terror com os pés ligeiros

Este é um desenho de um Phorusrhacos, uma das aves do terror de que falei aqui uns poucos dias atrás. O Phorusrhacos é uma das Phorusrhacidae mais frequentemente ilustradas pois foi a primeira a ser descoberta. A espécie é conhecida através de vários exemplares que incluem diferentes segmentos do esqueleto, a partir dos quais não se consegue todavia reconstruir o esqueleto completo. O maior problema é o crânio. Foi feito um rascunho a partir de um crânio que se apresentava quase completo, mas em tão mau estado de conservação que, de tão frágil, se desfez ao ser recolhido. A situação não é muito melhor para as outras aves gigantes desta família. Por exemplo, no esqueleto da Paraphysornis brasiliensis, que surgia no início da contribuição anterior sobre este tema, o maxilar superior, a cintura pélvica, e o esterno, tinham sido modelados a partir de outras aves do terror de menores dimensões. Daí que a descoberta de um novo crânio gigantesco, e de partes dos membros posteriores, tenha causado alguma sensação. [... ler mais]

A nova descoberta aconteceu dois anos atrás na Argentina, na Patagónia. Um estudante de liceu chamado Guillermo Aguirre-Zabiala encontrou o fóssil nas formações rochosas entre duas habitações próximas da estação de caminho de ferro da sua povoação a este de Bariloche (os leitores portugueses vão achar este nome interessante). Há um outro aspecto bastante positivo na história. O jovem pensava seguir psicologia, só que isto entusiasmou-o de tal forma que decidiu ser paleontólogo.

Algum do novo material descoberto é descrito num artigo muito curto da autoria de Luis Chiappe e Sara Bertelli na revista Nature (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Estas aves monstruosas eram provavelmente máis ágeis e menos avantajadas do que se julgava anteriormente.

Os forusracídeos ("aves do terror") são uma linhagem extinta que inclui as maiores aves conhecidas. Reconstruções destes carnívoros do Cenozóico colocaram de forma consistente o ênfase num bico muito elevado, órbitas redondas e um crânio abobadado, embora informação muito escassa esteja de facto disponível para o crânio das espécies maiores. Um novo e importante fóssil aviano gigante foi descoberto do Miocénico médio da Patagónia (Comallo, Argentina), que mostra diferenças significativas entre os crânios dos forusracídeos grandes e pequenos. Concluímos que as reconstruções dos crânios dos forusracídeos gigantescos a partir dos seus parentes menores não são fiáveis, e que a correlação estabelecida há muito entre a sua corpolência e reduzida agilidade cursorial precisa de ser reavaliada.

Ora quão grande é este novo crânio? Pertencendo a um indivíduo para já conhecido apenas pela referência BAR 3877-11, ainda sem nome atribuído à espécie, este crânio quase completo é o maior crânio de uma ave descoberto até hoje: tem 716 milímetros de comprimento, e é um pouco mais grácil que o dos parentes mais pequenos. Antes da descoberta do BAR 3877-11, a morfologia craniana de forusracídeos com crânios de mais de 60 centímetros estava limitada aos fragmentos do Devincenzia pozzi, e ao desenho do crânio de Phorusrhacos longissimus. Segundo Chiappe e Bertelli, provavelmente inspirados por esse desenho, vários autores têm utilizado como modelo para os forusracídeos gigantes uma versão ampliada do crânio de uma espécie bastante menor, o Patagornis marshi, cujo crânio andaria à volta de 350 milímetros de comprimento. O estudo do BAR 3877-11 sugere que este procedimento estará provavelmente errado.

Em geral assumia-se também que as aves do terror maiores seriam muito menos ágeis que os membros menores da família. Isso parece não se aplicar à nova descoberta. Juntamente com o crânio do BAR 3877-11 foram encontrados fragmentos do tarsometatarso e das falanges. A partir das dimensões destes elementos é possível estimar que esta ave era cerca de 10% maior que o maior forusracídeo conhecido anteriormente (P. longissimus e Brontornis burmeisteri). Ora estamos a falar de animais cuja cabeça se encontrava a qualquer coisa como três metros acima do chão. Se repararem nos desenhos que acompanhavam a minha contribuição anterior podem ver que a B. burmeisteri tinha proporções algo avantajadas, parecia mais forte que ágil. Ora o BAR 3877-11 possui um tarsometatarso longo e fino, o que sugere um animal bastante mais leve e ágil que a B. burmeisteri. Teriam seguramente modos de vida muito diferentes. Uma imagem do crânio encontrado, e uma ilustração do aspecto do BAR 3877-11, que teria vivido há cerca de 15 milhões de anos, da autoria de S. Abramowicz pode ser vista nas National Geographic News.

Para finalizar mais uma ilustração do Phorusrhacos, a mais famosa de todas, do artista Zdenek Burian. É uma imagem curiosa, uma das aves parece estar a oferecer o animal morto à outra. Será um casal, com o macho a trazer alimento à fêmea? Será um ritual de acasalamento?

Confesso que não faço ideia de qual o estatuto quanto a direitos de autor desta imagem, mas já que o Darren Naish a colocou no Tetrapod Zoology... Aconselho a visita a esse blogue (em inglês) para todos os interessados nestas coisas das aves do terror. Darren Naish trabalhou neste tema, e esta é apenas a primeira de uma série de contribuições em que ele irá falar sobre tudo o que há para saber sobre estas aves aterradoras.

Ficha técnica
O desenho de Phorusrhacos, de Charles R. Knight foi retirado desta página da Wikimedia Commons.
A famosa ilustração de Zdenek Burian foi retirada desta galeria na República Checa. NOTA: não sei o estatuto dos direitos de autor.

Referências
(ref1) Luis M. Chiappe & Sara Bertelli (2006). Palaeontology: Skull morphology of giant terror birds. Nature 443, 929 (2006). Laço DOI

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