quinta-feira, outubro 19, 2006

O nobre e ameaçado rato-de-água

O rato-de-água, da espécie Arvicola sapidus, é uma simpatica criaturinha, de pelagem espessa, que vive nas margens de cursos de água, canais de irrigação, lagos, e outras zonas húmidas, em Portugal, Espanha e França. Para roedor tem um tamanho razoável, uns respeitáveis 162 a 220 milímetros de cabeça-corpo, mais uma cauda com cerca de dois terços do comprimento do corpo. Pode atingir uns fabulosos 300 gramas de peso. Constrói galerias de túneis, em que uma das saídas é sempre submersa, e como o nome comum indica está muito bem adaptado à vida aquática. Essencialmente herbívoro, não desdenha insectos ou mesmo pequenos peixes, crustáceos, e anfíbios. Está em regressão, um eufemismo que se utiliza para dizer que caminha a passos largos para a extinção. Os motivos que me levam a falar neste roedor têm a ver com uma certa fanfarra na imprensa sobre um certo roedor de Chipre, que teria sido a única espécie de mamífero descrita na Europa nos últimos 100 anos. Pois bem o A. sapidus só ganhou esse nome em 1908. [... ler mais]

Nas regiões tropicais descobrem-se constantemente novas espécies de vertebrados. Na Europa, com uma paisagem quase completamente talhada pelos humanos, e com uma enorme densidade de investigadores profissionais e naturalistas amadores, estas descobertas são mais raras. O exagero da imprensa é habitual, e neste caso inclui mesmo revistas com alguns pergaminhos. Por exemplo no comunicado de imprensa da National Geographic, é referido:

A Europa ainda tem uns poucos segredos por descobrir. Cientistas anunciaram a descoberta do rato cipriota, a primeira nova espécie de mamífero lá descoberta em mais de um século.

Como mostra o A. sapidus é claramente menos de um século. De facto é bastante menos. Num comentário a esta notícia, Darren Naish, compilou uma lista de 30 espécies de mamíferos descobertas na Europa nos últimos 100 anos, no Tetrapod Zoology. A lista inclui roedores, musaranhos, toupeiras e morcegos, alguns deles descritos há muito pouco tempo. Há espécies de morcegos descritas já neste século. Mesmo de mamíferos terrestres há descobertas recentes, como um musaranho em 1989.

Embora o tal rato cipriota não seja "a descoberta do século", não deixa de ser importante e, quando o artigo científico for publicado, muito provavelmente colocarei algo aqui no Cais de Gaia. É pena que a excitação pela descoberta de uma nova espécie de roedor não seja de todo equivalente ao entusiasmo gerado pela conservação dos roedores já descritos. Se até lá a criaturinha não desaparecer, nas próximas férias vou fazer uma pequena expedição para tentar fotografar o rato-de-água lusitano, para substituir a imagem desta contribuição, para a qual não consegui indicação do fotógrafo nem de eventuais direitos de autor.

Ficha técnica
Comunicado de imprensa na National Geographic.

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